Lucas, na narrativa do capítulo 24 de seu Evangelho, vai apresentar a continuidade entre os fatos do ministério terrestre de Jesus e os primórdios da Igreja primitiva, apresentado nos Atos dos Apóstolos.
O teor teológico do relato é, a um só tempo, conclusivo de uma época e introdutório de outra. Diferentemente de Mateus e Marcos, Lucas faz a opção de localizar suas cristofanias em Jerusalém. Lucas não apresenta uma aparição na Galileia, porque a grande viagem de Jesus para Jerusalém passa pela cruz e termina na ascensão. Em Lc 24,51 encerra-se o grande ciclo aberto em Lc 9,51.
Jerusalém é um tema teológico fundamental, em Lucas, enquanto ponto de Jerusalém é um tema teológico fundamental, em Lucas, enquanto ponto de junção entre o povo de Israel e a comunidade primitiva. Ele deve situar aí os primórdios da fé cristã, no prolongamento da fé do povo judeu, de maneira a fazer ressaltar que a obra de salvação empreendida por Deus, junto a seu povo, se realiza em Jesus e se prolonga através da Igreja. É em Jerusalém que se dá o encontro com o Ressuscitado, marcando o início da comunidade primitiva (cf. MAINVILLE, p.58).
“No primeiro dia da semana, muito cedo ainda, elas foram ao sepulcro, levando os aromas, que tinham preparado. Encontraram a pedra do túmulo removida, mas, ao entrar, não encontraram o corpo do Senhor Jesus. Ao voltarem do túmulo, anunciaram tudo isso aos Onze, bem como a todos os outros […]. Eram Maria Madalena, Joana e Maria, mãe de Tiago. As outras mulheres que estavam com elas disseram-no também aos apóstolos; essas palavras, porém, lhes pareceram desvario, e não lhes deram crédito […]. Pedro, contudo, levantou-se e correu ao túmulo, inclinando-se, porém, viu apenas os lençóis. E voltou para casa, muito surpreso com o que acontecera”.
Lc 24,1-3.9-12
“No primeiro dia da semana…”. É o primeiro dia da nova criação, no domingo…
É o dia no qual Deus criou a Luz (Gn1), é o dia da “luz perpétua” (Is 60,19-20). Doravante, em cada domingo, a Igreja celebrará os mistérios do Tríduo Pascal, da Paixão-Morte, Sepultura e Ressurreição do Senhor.
Em seguida Lucas apresenta a uma cristofania, chamada por muitos autores do Caminho de Emaús ou dos dois discípulos de Emaús (Lc 24,13-32). Esse relato serve como ponto de junção entre o profeta Jesus do Evangelho e a função gloriosa do Messias dos Atos dos Apóstolos. A intenção de Lucas é orientar os discípulos ao encontro pessoal com o Cristo Vivo e Ressuscitado.
Porém, nem o testemunho das mulheres, nem a cristofania aos discípulos de Emaús poderiam ser considerados como reconhecimento oficial junto à comunidade. A legitimação da missão de evangelização em nome de Jesus, só era possível à identificação oficial do Ressuscitado. Era preciso que os escolhidos e formados por Jesus de Nazaré, pudessem testemunhar o fato de que ele estava vivo. Por isso receberam, de maneira inequívoca, um imponente leque de indícios de que Jesus havia ressuscitado (Lc 24,33-43).
Assim, depois de ter dado provas “irrefutáveis” de sua identidade, o Ressuscitado podia, enfim, finalizar o ensinamento que ele destinava aos seus. “Então ele abriu a inteligência dos discípulos para entenderem as Escrituras, e disse-lhes: «Assim está escrito: o Cristo sofrerá e ressuscitará dos mortos ao terceiro dia, e no seu nome será anunciada a conversão, para o perdão dos pecados, a todas as nações, começando por Jerusalém. Vós sois as testemunhas destas coisas. Eu enviarei sobre vós o que meu Pai prometeu. Por isso, permanecei na cidade até que sejais revestidos da força do alto»”. (Lc 24,45-49).
Na ressurreição de Jesus foi alcançada uma nova possibilidade de ser homem, uma possibilidade que interessa a todos e abre um futuro, um novo gênero de futuro para os homens. Por isso Paulo ligou, inseparavelmente entre si, a ressurreição dos cristãos e a ressurreição de Jesus. “Se, de fato, os mortos não ressuscitam, também Cristo não ressuscitou […]. Mas não. Cristo ressuscitou dos mortos, como primícias dos que morreram” (1 Cor 15,16.20).
A ressurreição de Cristo ou é um acontecimento universal ou não existe: diz-nos São Paulo (cf. BENTO XVI, p. 220).
A ressurreição é o fato que determina a reflexão cristológica do N. T. Por ser um fato de caráter universal, perpassará e iluminará a leitura que os primeiros cristãos farão da história salvífica da relação de Deus com toda a humanidade.
Se a ressurreição aparece na história de Jesus como a última e definitiva palavra de Deus sobre a pessoa humana, a fé cristã, então, dirá que Jesus é o princípio de todas as coisas e o desígnio do projeto salvífico de Deus desde toda a eternidade (cf. COSTA, p. 178).
Cristo morreu, mas RESSUSCITOU! Ele não ficou aprisionado pela morte. “A morte foi tragada pela vitória” (1 Cor 15,55).
Cristo está vivo, vive eternamente, voltou ao seu lugar de origem e levou consigo nossa humanidade, abrindo, para aqueles que estão com ele, o Paraíso. “Em verdade te digo: Hoje estarás comigo no Paraíso” (Lc 23,43).
A palavra “paraíso”, rara na Sagrada Escritura, aparece apenas outras duas vezes no Novo Testamento (2 Cor 12, 4; Ap 2,7), no seu significado original evoca um jardim fértil e florido. É uma imagem perfumada daquele Reino de luz e de paz que Jesus tinha anunciado na sua pregação, inaugurada com os seus milagres, que logo terá uma epifania gloriosa na Páscoa. É a meta do nosso caminho cansativo na história, é a plenitude da vida, é a intimidade do abraço com Deus. É o último dom que Cristo faz, exatamente através do sacrifício da sua morte que se abre à glória da ressurreição.
Nada mais disseram aqueles dois crucificados naquele dia de angústia e de dor, mas aquelas poucas palavras pronunciadas com dificuldade das suas gargantas abrasadas, ecoam sempre como um sinal de confiança e de salvação para quem pecou, mas também acreditou e esperou, mesmo que tenha sido no extremo limite da vida.
O último gesto do Ressuscitado, antes de retornar ao Pai, foi abençoar seus discípulos.
A glorificação de Jesus se expressa no símbolo espacial de ser levado ao céu. Jesus foi levado ao céu por Deus, Deus é o agente. É o Pai quem o toma e o leva ao seu lado. Eles respondem ao gesto de Jesus voltando a Jerusalém, ao Templo, com grande alegria. E ficaram ali bendizendo, continuamente, a Deus.
“Depois, levou-os até Betânia e, erguendo as mãos, abençoou-os. E enquanto os abençoava, distanciou-se deles e era elevado ao céu. Eles ficaram prostrados diante dele, e depois voltaram a Jerusalém com grande alegria, e estavam continuamente no Templo, louvando a Deus”.
Lc 24,50-53
Lucas conclui seu Evangelho narrando que depois de muitas falhas e incompreensões, os apóstolos tinham realizado o seu êxodo pessoal e comunitário e acabado por compreender a mensagem que Jesus inúmeras vezes lhes dissera: “Tereis tribulações nesse mundo” (Jo 16,33) e ainda mais: “…não temais os que matam o corpo… temei antes aquele que podem matar a alma…” (Mt 10,28). “A sua vida, explicava Cristo aos apóstolos, era um modelo para todos os que o seguissem; e incitava-os a aceitarem com coragem e serenidade o pior que a vida lhes reservasse. A Cruz de Cristo levantou os problemas da vida; a Ressurreição deu-lhes resposta” (SHEEN, p. 703).
Referências BÍBLIA DE JERUSALÉM. São Paulo: Paulus, 2002. Nova edição, revista e ampliada. BÍBLIA DO PEREGRINO- Edição de Estudo. São Paulo: Paulus, 3ª edição, 2017. BENTO XVI, Papa. Jesus de Nazaré: da entrada em Jerusalém até a ressurreição. São Paulo: Editora Planeta do Brasil, 2011. COSTA, José Anchieta Lima. Conhecer Jesus: A Cristologia ao Alcance de Todos. São Paulo: Loyola, 2009. MAINVILLE, Odette. As cristofanias do Novo Testamento: historicidade e teologia. São Paulo: Loyola, 2012. SHEEN, John Fulton. Vida de Cristo. São Paulo: Molokai, 2018.