Na Liberdade da Solidão de Thomas Merton

Estimado leitor, estimada leitora, o presente artigo, quer chamar a sua atenção, para a necessidade de termos momentos de “solidão”, mas não solitários. No decorrer da leitura vocês perceberão qual a diferença entre solidão e solitário. Aqui está apenas um exemplo, de momentos de contemplação, existem várias técnicas de leitura orante, contemplação, (tão necessárias para estes tempos tão tenebrosos que estamos vivendo) que, a bem da verdade, não são modas dos dias atuais, mas já nos foram passadas desde a Idade Média. Por falar em Idade Média, sugiro que leiam o artigo do nosso amigo e irmão David Cordeiro, aqui.

Boa Leitura

A Escolha do Título

A escolha da obra “Na Liberdade da Solidão” de Thomas Merton, deveu-se, em primeiro lugar pelo fato de o autor ser reconhecido como grande místico do Século XX, embora pouco conhecido do público em geral, e até mesmo de pessoas que praticam algum tipo de oração contemplativa. Nesta mudança de época em que o ser humano está sempre em buscas de bens matérias, egoísmos, hedonismo, centrados em si mesmos, Thomas Merton nos mostra uma vida contemplativa em busca não de paz e tranquilidade, ou qualquer conforto material, espiritual ou psicológico, mas em busca da Verdade. Ele busca a Verdade numa vida contemplativa, mas com uma ação social, e inter-religiosa. Existe certo paradoxo em seus pensamentos e escritos – que veremos ao longo deste artigo – porém um paradoxo que se encaminha sempre para uma busca da Verdade e do encontro integral com o Criador.

Em segundo lugar, a escolha se deu pelo título do livro: “Na Liberdade da Solidão”. Hoje as pessoas fogem da solidão, tem medo da solidão, se assustam e não suportam o silêncio, porém a solidão a que se refere o título não é uma solidão em seu sentido negativo, ou que nos faz sentir abandonados, pelo contrário, é a solidão do estar ou sentir-se próximo do Criador, de transcender a inconstância da vida e atingir um contato tão íntimo com Deus que nos faz sentir ao mesmo tempo a nossa pequenez e a nossa grandeza, ao reconhecer que somos criaturas, mas a primeira delas, e podermos nos sentir amados por Deus Pai e Mãe, um amor “incompreensível” que mesmo na “liberdade da solidão” podemos apenas ter um ligeiro entendimento, mas que continua incompreensível, porém perceptível.

Ainda no prefácio do livro, Merton alerta que “quando a sociedade se compõe de pessoas que desconhecem a solitude interior, não pode mais manter-se unida pelo amor.”, dai a origem de toda violência e autoridade, a privação da solidão e da liberdade que gera um câncer na sociedade, além do rancor e do ódio. Talvez isso explique, pelo menos em parte, porque a sociedade anda com tanta falta de tolerância, tanto desamor, falta de solidariedade, onde o materialismo, o egoísmo, e hedonismo, violência, grassam de maneira cada vez mais acerbada. Está faltando “solidão” às pessoas para que elas encontrem o seu centro que vem de Deus e irradia todo amor e misericórdia.

O Livro

O livro está dividido em duas partes. Na parte I é relatado “Aspectos da Vida Espiritual”, onde é descrito em dezenove pequenos capítulos atitudes que o candidato à vida espiritual deve observar.

Na segunda parte cujo título é “O Amor à Solidão”, é composto de dezoito capítulos. Aqui o autor relata as razões, as formas e como viver a solidão, além dos benefícios que esse amor traz ao amante da solidão.

A linguagem é simples sem rebuscamentos e termos teológicos ou técnicos que dificultem o entendimento, porém a mensagem é densa, requer uma leitura pausada, ruminante, o leitor, ou melhor, o candidato à solidão deve ter paciência ao ler, talvez já a simples leitura seja um treinamento para o encontro com a solidão. O que Merton quer nos transmitir não é uma vida esotérica, “mas são reflexões sobre a solidão do homem diante de Deus, o diálogo do homem com Deus no silêncio, e sobre a inter-relação de nossas solitudes pessoais mútuas”, isto pode parecer um tanto particular ao autor, e de fato é, no entanto a muito de caráter geral e de observações comuns a todos.

O aspecto mais interessante desta obra é, justamente, a simplicidade dos escritos, com a profundidade das palavras. Pode parecer um labirinto onde o autor quer fazer com que o leitor se perca, no entanto é exatamente ao contrário a intenção de Merton, através do perder-se é que o orante, o contemplante se encontrará. Por vezes pode parecer contraditório, mas é que a espiritualidade tem seus meandros e é necessário se aventurar neste caminho estreito, esgueirar-se pelo chão sensível que parece fugir aos nossos pés, de que há algo tenebroso mais adiante, ou algo que pode nos devorar, no entanto é só impressão de que se está perdido, basta um pouco mais de atenção, basta uma pequena abertura no coração para se perceber que o campo é limpo, claro, florido, assim é possível saborear a vitória de ter se auto conquistado, pois “ a verdadeira auto conquista é a conquista de nós mesmos, não por nós, mas pelo Espírito Santo. A conquista de si próprio é, na realidade, a entrega de si próprio.”

Outro ponto que chama a atenção é a de que a vida espiritual não está dissociada da vida cotidiana, pensamentos e sentimentos não são excluídos da vida espiritual, ela não poderia existir se não agregar esses elementos vitais, pois o ser humano é um ser completo e vivo, e para isso ele precisa de corpo, alma, coração, mente, espírito. É muito comum às pessoas acharem que a vida pode ser dividida em várias “vidas” ou papeis, tais como: papel de homem, mulher, esposo, esposa, pai, mãe, filho, trabalhador, etc. Na verdade a vida é única e não se pode dissociar da vida espiritual, na verdade é esta que alimenta e dá as diretrizes a aquela, pois “tudo tem de ser elevado e transformado pela ação de Deus no amor e na fé”.

O tema da virtude também chama a atenção, pois a virtude, segundo Merton, nada mais é do que a graça de Deus agindo em nós, toda pessoa tem o desejo de ser boa, mas ela será verdadeiramente boa, quando experimentar a bondade, ou a virtude, e assim pode-se “gostar” da virtude “antes mesmo de a possuirmos plenamente”, porque a graça mobiliza e atualiza as “potências escondidas” e realizam plenamente o significado de “Cristo agindo em nós.”. No entanto é preciso cuidado para que a bondade externada não se torne causa de vaidade e crie uma falsa humildade e nos desvie do caminho da vida espiritual, especialmente quando se está no início.

O autor vai discorrendo sobre vários aspectos da vida espiritual, no entanto o ponto alto, o ápice da verdadeira vida espiritual é o amor de Cristo, se existe vida espiritual é porque Ele nos ama, o viver espiritual tem como alicerce “receber o dom do Espírito e sua caridade, porque, em seu amor por nós, o Sagrado Coração de Jesus determinou que vivêssemos por seu Espírito, o mesmo Espírito que procede do Verbo e do Pai e que é o amor de Jesus pelo Pai.” Ou seja, a unidade da Santíssima Trindade, a unidade pericorética1, do Pai do Filho e do Espírito é que é a grande motivadora, grande geradora da vida verdadeiramente espiritual, e fora desse amor não há vida espiritual. Se a grandeza desse amor for reconhecida não há o que temer, de ir a Ele com toda a pobreza, franqueza, indigência espiritual e fragilidade, podemos seguir com “ignorante sabedoria” – como diria santo Inácio de Loyola. Neste sentido a pessoa pode se alegrar de sua miséria, pois, assim só necessita de misericórdia. No entanto é preciso amar a pobreza como Jesus ama, ter seu olhar de compaixão, mas só é possível amar, perdoar e ter compaixão se já se experimentou o perdão dos próprios pecados, pois só se sabe perdoar quando, verdadeiramente, se experimentou o que seja ser perdoado. Perdoando-se mutuamente, age-se uns para com os outros como Jesus age com cada um de nós.

Atualidade do livro e do autor

O livro todo é atual, não fosse à morte prematura e acidental, Thomas Merton teria completado 105 anos de seu nascimento neste ano. Mas não apenas por Merton ser um místico do Século XX, senão o único, pois seus temas tem relação com o cotidiano das pessoas comuns, não é necessário que seja um iniciado na vida espiritual para entender a proposta de “Na Liberdade da Solidão”, porém se o leitor tiver já algum contato com algum tipo de vida espiritual vai aproveitá-lo melhor.

Nestes dias de vida agitada, escravidão do relógio, egoísmo, desamor, materialismo, individualidade, falta de solidariedade, violência por motivos banais (se é que exista algo que justifique violência), distanciamento ou esquecimento da natureza, mudança de época, quando os relacionamentos humanos estão se liquefazendo por falta de estrutura psicológica, a intolerância crescente, enfim, nestes tempos sombrios, não se pode por em dúvida a atualidade e a necessidade de se ler Thomas Merton, os homens e mulheres de hoje estão carentes de encontrar-se consigo mesmo, no silêncio e na solidão, embora eles não saibam e não tenham consciência desta necessidade. A sociedade está se “virtualizando” e os contatos humanos estão superficiais, pior estão rareando. Quando o ser humano se distância de seu semelhante está, também, se distanciando de Deus. Para se encontrar novamente uns com os outros é necessário se colocar na solidão, no silêncio, isto pode parecer contraditório, porém Merton nos diz que:

É preciso encontramos o silêncio de Deus não só em nós mesmos, mas também uns nos outros. A não ser que um outro nos fale em palavras que brotam de Deus e se comunicam com o silêncio de Deus em nossas almas, ficamos isolados em nosso silêncio, do qual Deus tende a se retirar.

Merton, 2014. p70

Ao se colocar em silêncio diante de Deus, encontraremos o outro e é nisso que consiste o verdadeiro cristianismo, Deus está no outro, e ao encontrar Deus encontro o outro. A vida solitária não é a solidão da exclusão ou do sentir-se só e abandonado, pelo contrário, pois segundo Merton

…será o solitário alguém que está sempre em oração e sempre atento ao Senhor, cuidadoso da pureza de sua oração a Deus, velando para não substituir suas próprias respostas às de Deus e não fazer da oração um meio em si, cuidadoso em manter sua oração escondida, simples e sem mancha. Assim poderá esquecer-se de que sua “perfeição” depende de sua oração; poderá esquecer-se a si mesmo e viver na expectativa das repostas do Senhor.

Merton, 2014 p 81

Em outro momento Merton explica a vida solitária para que não seja confundida com solidão ou uma “fuga” da agitação da vida hodierna,

A vida verdadeiramente solitária tem caráter inteiramente diverso da solidão parcial que pode ser desfrutada uma vez ou outra nos intervalos permitidos pela vida em sociedade. Quando gozamos de nossa solidão nos intervalos, saboreamos-lhe o gosto por contrates com outro valor. Mas quando vivemos realmente sós, não há contrates. Não devo ir à solidão para imobilizar minha vida, para tudo reduzir a uma concentração rígida sobre alguma experiência interior.

Merton, 2014 p 84

Eis ai a o significado de solidão para Merton, é um entregar-se totalmente a Deus, e através de Deus podermos encontrar o outro e vice-versa. Eis aqui a solução para os “problemas” de nossos dias, esta solidão não deve ser um esconder-se de tudo e de todos, a solidão contínua ou parcial, não coloca o homem na presença de Deus, não se faz contato com o Ele, apenas entrega-se ao egoísmo e fechamento em si mesmo. A solidão verdadeira não é contínua, ele é como um momento de retirada, de parada de quietude, é um intervalo de concentração, é voltar todo o ser próprio e individual para Deus, para descobrir o que ele quer de cada um e assim poder executar a Vontade Dele, e não a nossa, e é bem sabido que a Vontade Dele é de que “amemos uns aos outros” como Ele nos amou. O fato é de que “se queremos ser espirituais, vamos primeiro viver nossa própria vida.”, ou seja, “a vida espiritual” é, antes de tudo, uma vida, deve ser a vida cotidiana, ou seja: no seu trabalho, no trânsito (que difícil), cozinhando, se divertindo; portanto em todos os momentos a espiritualidade deve reger nossas atitudes, ações, pensamentos.

Por essas razões é que ler Thomas Merton hoje se faz necessário, porém não apenas lê-lo, mas, assim como a Sagrada Escritura, praticá-lo.

Thomas Merton embora seja um homem do nosso tempo, é muito pouco conhecido, existe a Sociedade Amigos Fraternos de Thomas Merton que se esforça para divulgar o pensamento, a forma de vida de Merton, mas é pouco divulgada.

Desejamos que após a leitura deste artigo, você se sinta impulsionado, a praticar a “solidão”; não precisa ser a mesma que de Merton, existem muitas outras “técnicas” de solidão, de contemplação, de leitura orante; o importante é não perder o contado com o que o Senhor nos pede, esteja com as “antenas” conectadas Nele, os resultados são excepcionais.

Notas
1) É uma palavra utilizada na teologia cristã que se tornou clássica para falar deste Mistério do Amor Familiar de Deus ou Santíssima Trindade.
Referências
1) MERTON, Thomas. Na Liberdade da solidão. 7ª Ed. Petrópolis, Vozes:2014.
2) PAISER, Fernando Antonio de Souza (Org.). Mertonianum 100: Comemoração do centenário de Thomas Merton. São Paulo, Riemma: 2015.

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4 respostas em “Na Liberdade da Solidão de Thomas Merton”

Olá Regina, paz e bem.
Muito obrigado pelo seu comentário, isso nos motiva a caminhar com grande entusiasmo.
O site é de vocês, fiquem à vontade para sugerir temas e assuntos que gostariam de lerem por aqui.
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É possível mergulhar na solidão de Deus em meio a um turbilhão de problemas que mesmo pedindo ajuda se é renegado? São tantos problemas que mesmo tentando em oração mergulhar na solidão de Deus para encontrar a paz espiritual, se saí vazio sem resposta. Minha coragem é limitada e conflituosa, comigo mesmo.

Olá Rosa, paz e bem. Obrigado pela leitura e pelo comentário.
A resposta para sua pergunta, de modo simples é: Sim. Mas eu sei que não é fácil. Muitos desvios acontecem quando estamos em oração contemplativa, não brigue com eles. Santa Teresinha também tinha esses desvios, até que ela “descobriu” que eles faziam parte da oração, que de certa forma ela estava rezando por eles também. A oração contemplativa, é como praticar um esporte, requer muito treino, até atingir um grau satisfatório. Acontece comigo as vezes, que já pratico os Exercícios Espirituais Inacianos, tem dias que eu travo, nem o Espírito Santo destrava…rsrs… Não desista, continue praticando, tenha paciência contigo mesma, todos nos temos nossos limites, estão presentes para serem superados. Em breve será publicado outro artigo detalhando duas práticas de oração meditativa, ou contemplativa. Fique na Paz, Forte abraço.

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