[Lembro-me perfeitamente,] Naquele dia 11 de setembro de 2001, da imagem do avião “rasgando” uma das torres gêmeas do World Trade Center, símbolo da supremacia econômica norte-americana. A imagem fora transmitida quase que ao vivo ao mundo inteiro. Assustado, pensei que se iniciara uma guerra mundial. Não foi, formalmente, uma guerra, apesar do enorme contingente de vítimas. Tratou-se de um atentado terrorista promovido pela Al-Qaeda.
[E não é que recentemente,] No dia 24 de fevereiro de 2022, tropas russas invadiram a Ucrânia por terra, céu e mar, dando início a um conflito que perdura até hoje e, ao que tudo indica, está longe do fim. Um acontecimento que domina os noticiários e, inevitavelmente, faz parte da rotina da qual somos vítimas indefesas. A guerra banalizada, glamorizada.
[O passado se faz presente e…] Não há como evitar: o gatilho da memória voltou-me à segunda metade dos anos 1960 e me lembro da cantora De Kalafe com sua postura e voz revolucionárias cantando “Guerra”: “Palavra que encerra dentro de mim, o medo do fim” sendo que ao final citava a Paz: “Eu sei não há mais, mas tento esquecer, que vamos morrer, morrer muito cedo, por causa do medo…” A Paz é pressuposto para que haja “o respeito e o desenvolvimento da vida humana” (Catecismo da Igreja Católica, CIC, 2304). Sim, eu era jovem e, com meus amigos da Comunidade de Jovens Cristãos (CJC), bradávamos contra a guerra no Vietnã, sem mesmo saber todas as circunstâncias que a envolviam. Alguém em sã consciência pode ter certeza da verdade dos motivos alegados para a guerra atual?
De Kalafe tinha o palco e o microfone; nós tínhamos os encontros e as missas de jovens. Acreditávamos na grandeza e força da paz, que “excede todo o entendimento”, conforme o apóstolo Paulo pregava aos Filipenses (Fl 4,7). Só isso era o bastante! E, cá entre nós, continua sendo. A Verdade é imutável e perene, não importa o tempo e as condições.
Importante lembrar que a Igreja condena veementemente a ação bélica destrutiva, considerando-a “um crime contra Deus e contra o próprio homem…” (CIC, 2314). Como recomenda o Magistério da Igreja, nessas circunstâncias em que a indesejada guerra já eclodiu, os cristãos católicos são instados a “cada um a orar e agir para que a Bondade divina nos livre (…) da guerra”. Sim, é preciso que nos ocupemos de afastar a guerra como “causa dos males e das injustiças que (…) acarreta” (CIC, 2307).
Na vida, a sucessão de esperas é uma realidade. Vivemos à espera: do início da vida escolar, do dia da formatura, do início do namoro, de atingir a maioridade, do noivado, do casamento, do nascimento dos filhos, da vinda dos netos e por aí vai. Sem falar da vida profissional à espera: do início, da promoção, da realização e, por fim, da aposentadoria.
A gente nunca espera um acontecimento desastroso, mas este existe e requer o enfrentamento. A guerra não é um evento desejável nem esperado, mas existe e nos atinge, mesmo que aparentemente transcorra bem distante de nós. Afinal de contas, não somos ilhas isoladas, somos todos dependentes uns dos outros e, qualquer sanção que um país sofra, há toda uma rede de influências que perpassa muitos países – fornecedores ou consumidores.
As distâncias pouco significam nos tempos cibernéticos. A Ucrânia é aqui, pertinho de nós. As bombas estouram e perturbam o nosso tímpano a todo o momento. O “fim do mundo” hoje é ali, atrás da montanha ou virando a esquina.
Coerentes com a fé que professamos, afirmemos com palavras e atitudes: Não à guerra. Semeemos incessantemente Paz e Vida (cf. CIC, 2304 e 2308).
Artigo publicado no jornal 'O São Paulo' [Ano 67 | Edição 3393 | 27 de abril a 3 de maio de 2022] da Arquidiocese de São Paulo » https://osaopaulo.org.br/colunas/a-guerra-tao-distante