A família vai bem, obrigado!

Nas vésperas do Natal de 2022 eu fui convidado para participar de um programa em uma rádio católica. O tema era ‘família’ e acharam que eu, pela dupla missão como esposo/pai e diácono permanente, seria um testemunho interessante sobre o assunto. Acolhi o pedido agradecido e aproveitei para fazer da partilha um artigo aqui no Areópago.


Apresentação

Olá povo amado. É uma alegria poder participar do programa e uma satisfação enorme partilhar um pouquinho da vida. Eu sou Bruno Redígolo, tenho 40 anos, 16 deles compartilhados com a Herika, minha esposa. E dessa nossa união, geramos dois filhos: Mirella e Filipe.

A minha primeira missão, se assim eu posso dizer, está toda configurada no matrimônio, sendo esposo e pai – e olha que é uma missão árdua, bonita, mas árdua. Não obstante, acho que Deus pensou que estava fácil demais pra mim e, por isso, colocou um pouquinho mais de peso nas costas: como colaborador na Ajuda a Igreja que Sofre desde 2001 e, mais recentemente, em 2019, como Diácono Permanente da Igreja, aqui na Arquidiocese de São Paulo.

O discernimento ao chamado ao Diaconato

Deus nos propõe muitos caminhos durante a jornada aqui; alguns não entendemos e passam, outros deliberadamente negamos e outros, enfim, aceitamos e seguimos por eles. Vou sintetizar um desses caminhos que segui, sobre a minha presença na Igreja e chamado ao diaconato. Voltemos aos primórdios…

Eu devia ter uns 13 ou 14 anos quando fui “obrigado” por minha mãe a fazer o Crisma na paróquia. Acredito que esse foi o ingresso de muitos de nós na Igreja – obrigados pela mãe (risos). Eu não era muito de Igreja naquela época, no entanto a experiência foi boa. Fui acolhido, fiz amizades e comecei a ter a paróquia como um lugar bacana para se conviver. Aos poucos eu fiz daquele espaço a minha segunda casa.

O ser humano é reconhecidamente uma espécie que vive em grupos. Pois é! Tem gente que se encontra num grupo de pessoas com o mesmo gosto musical, já outros preferem estar próximos de quem torce para o mesmo time, outros ainda se identificam com pessoas da mesma religião – esse último era o que estava acontecendo comigo.

A visão que eu estava construindo da instituição Igreja era bastante limitada e se resumia na perspectiva da minha paróquia, do meu grupo, da minha pastoral. Visão que começou a ser ampliada em 2001, quando me tornei colaborador na Ajuda à Igreja que Sofre. Foi nesse período que conheci uma Igreja para além dos muros da minha paróquia. E como só se ama o que se conhece, também o meu amor pela Igreja aumentou.

Começava um novo período da minha vida, marcado por uma dupla dúvida vocacional: ser padre ou se casar. Eu imaginava que se eu me tornasse padre, eu poderia ajudar muita gente; se me casasse, a minha ação seria limitada na família, para poucas pessoas. Me angustiei demais por conta disso. No fim eu precisei ser sincero comigo mesmo e venceu a opção pela relação a dois, pelo matrimônio, por constituir uma família.

Para encurtar a história, mesmo depois de casado aquela dúvida vocacional voltou na minha vida, mas agora transformada. Foi aí que conheci melhor o ministério diaconal. E hoje eu sustento junto com toda a minha família esses dois chamados: o casamento e o diaconato.

Enquanto diácono, qual é o papel de pai hoje?

Algo que para mim sempre foi claro é que Diácono Permanente não é padre. Eu como Diácono Permanente entendo que o meu primeiro chamado é o matrimônio, portanto o cuidado com a família, sendo esposo e pai. Isso também não significa que sou diácono nas horas vagas. A harmonia entre estes dois chamados é um desafio e ao mesmo tempo uma graça.

Esclarecido isto, podemos continuar na reflexão sobre o que é ser pai e qual papel o pai desempenha hoje nas famílias. Para alguns pode parecer meio que óbvio responder a tais questionamentos, mas a prática atual exige um pouco mais que o óbvio.

Os diferentes formatos de família faz com que o papel do pai seja revisto. Como no formato monoparental, onde mãe (ou só o pai) se torna a única referência para os filhos. De qualquer maneira, ser pai é uma construção que exige tempo. Ninguém se torna pai da noite para o dia. Com base nisto, recordo que quando Herika estava grávida, amigos vinham me perguntar sobre o que eu estava sentindo. Meio sem jeito, dizia que estava muito feliz e todo o mais que a situação exigia, mas na verdade eu não estava sentindo absolutamente nada. A paternidade foi acontecendo gradativamente para mim.

O exemplo de São José

Hoje percebo também que ser pai não é ter respostas pra tudo; não é saber todas as coisas. Eu continuo aprendendo muito com meus filhos. São José, o pai de Jesus, é um grande exemplo do que estou falando. Ele, como Maria, não tinha muita noção do que estava acontecendo naquele início da sua paternidade, tampouco daquilo que estava para acontecer. José foi um homem reconhecido principalmente pela acolhida que teve ao seu chamado particular.

Vejam só: ao mesmo tempo em que renunciou os seus planos, José não exigiu respostas. Bem diferente de nós que, as vezes, questionamos Deus por tão mínimas coisas (risos). É verdade que sabemos pouco da vida de São José, mas tem algo que é nítido na vida dele: a presença e a responsabilidade.

Por isso eu destaco essas duas qualidades muito necessárias para os pais: presença na vida dos filhos e responsáveis pelo início da caminhada deles, ajudando no discernimento do que é bom e do que não é bom. E em tudo está o amor, pois mesmo quando o amor não é visível no início, ele é gerado durante o processo.

A família tem sido constantemente alvo de ataques. Como você, pai e clérigo, lida com essa realidade?

Eu vejo que por trás de um suposto ataque às famílias está alguém (ou um grupo) com um posicionamento egoísta, ou hedonista. Alguém que está procurando satisfazer a si mesmo, excluindo de si a possibilidade de se comprometer, de criar relações. Acredito também que seja esse o motivo de tantos divórcios. Aliás, esse novo antropocentrismo é um problema atual e sério que precisa ser mais bem refletido. Basta olhar os novos empreendimentos imobiliários. Está na moda a construção de apartamentos studios, com 20 mts quadrado, por exemplo. São espaços bastante compactos, idealizados para se morar sozinho ou, sabe-se lá como, a dois. É mesmo uma tendência de solidão, que vamos pagar caro em breve.

O ser humano não foi criado para ser sozinho, mas para se relacionar, a exemplo da Trindade. Porém, não é difícil ouvir em algumas rodas de conversa que já não vale a pena se casar; que a família é uma instituição falida, perda de tempo. Se falam isso da união afetiva entre duas pessoas que estão construindo o amor, o que dirão ou pensarão sobre a possibilidade de ter filhos?! Antigamente as famílias tinham muitos filhos, hoje, um está bom. Dois filhos, então, é muito. Claro que aqui entra fatores sociais e econômicos que precisam ser levados em conta, mas, em geral, existe um pensamento pernicioso de que filhos são barreiras que impedem a satisfação plena do ser.

É difícil lutar contra essa cultura que insiste em vender uma satisfação vazia. Precisamos mostrar o contrário! E é aí que, como casais, entra o nosso testemunho de que o casamento vale a pena, de que os filhos complementam e não tiram a liberdade do casal e de que a família é uma instituição que jamais perderá o seu valor.

É bom saber que, independente da escolha que fazemos na vida, ela terá a potência de nos apresentar o bom e o ruim. Com isso eu quero dizer que a família tem as suas limitações, defeitos e problemas por resolver, mas é detentora de uma beleza sem igual.

Qual o exemplo que a família de Nazaré traz para as novas famílias?

O que me encanta na família de Nazaré é o total despreparo dela. A meu ver, Maria não estava pronta pra ser mãe. Na verdade, eu gosto de imaginar Maria preparando o enxoval, cuidando do chá de cozinha e planejando a lua de mel. Afinal, ela iria se casar. Mas o chamado de Deus a fez renunciar seus planos. José a mesma coisa. Devia estar trabalhando dobrado, talvez em dois empregos, carpinteiro de manhã e entregando pizzas de noite (risos). Ele precisava estar pronto para dar conta da sua própria família. O amor pela linda esposa era a sua força motivadora. Mas o chamado de Deus o fez renunciar seus planos.

Até que nasce a criança; o evento mais extraordinário do universo pode ser resumido em um filho que – sem dúvidas – deu trabalho, levando toda a família a se tornar refugiada no Egito e, depois, quando voltam pra sua Terra, começaram do zero uma nova vida na periferia de Nazaré.

Essa parece ser uma família perfeita?

O extraordinário não está na suposta perfeição (ou santidade) dos personagens, mas naquilo que os manteve unidos até o fim: o amor e a confiança em Deus.

Portanto, que fique claro: não existe família perfeita; existe a minha família.

Que mensagem podemos enviar aos jovens que enfrentam realidades difíceis em suas famílias?

A nossa vida não é, de fato, um conto de fadas da Disney. Vão acontecer coisas que nos fazem chorar e nos entristecer. Outras que vão nos fazer sorrir e nos encher de esperança. Nem sempre vamos acordar de bom humor. E as vezes temos a tentação de desistir, de jogar a toalha e dizer: chega! A grande diferença de quem tem fé está em saber que tudo passa e que só Deus permanece. Onde estão os problemas de um ano atrás?

As situações complicadas das quais vivemos é um tempo oportuno de santificação. Afinal, não é essa a nossa meta? Ser santos? Pois é aí, onde nos encontramos, vivendo as desventuras do agora, que poderemos mostrar o quanto confiamos em Deus e o quanto de amor doamos para a vida acontecer. Toda tempestade passa. Por vezes – acredite – a mudança acontece a partir de algumas atitudes nossas, simples, como lavar uma louça, dobrar um cobertor, dar um abraço ou um beijo inesperado, dizer um “eu te amo”… É dessa forma que mudamos o mundo. E é dessa forma que encontramos a felicidade e a realização da/na família.

Sejamos ousados por viver o amor dentro de casa para, a partir dali, abraçar o mundo. Isso é ter coerência de vida; isso convence!

O conteúdo desenvolvido para a entrevista na rádio e exposta aqui como artigo são pessoais e não têm base dogmática, portanto, fiquem a vontade para discordar. Contudo – e para além das discordâncias –, eu desejo que você possa encontrar uma boa receita para bem viver a vida em família. Deus abençoe!

Separamos outros artigos que talvez possa interessar

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *