Convertamo-nos, mudemos nossa perspectiva, tenhamos a coragem de seguir um novo caminho. “Eu vim para fazer todas as coisas novas, para transformar lágrimas em alegria, tristeza em esperança, morte em vida, porque você é precioso aos meus olhos e eu te amo”, diz o Senhor (Ap 21,5).
No dia de Pentecostes, pouco depois do derramamento do Espírito Santo, Pedro pronunciou o que seria o primeiro discurso cristão, cuja forma se tornou modelo para a Igreja Primitiva nascente: Nas palavras de Pedro, Jesus era o Messias prometido, a morte não o vencera, pelo contrário, Ele ressuscitara e a salvação estava destinada a todos, que acreditassem n’Ele.
Então, quando seus ouvintes perguntaram o que deveriam fazer, Pedro respondeu: “Arrependei-vos, e cada um de vós seja batizado em nome de Jesus Cristo, para a remissão dos vossos pecados. Então, recebereis o dom do Espírito Santo” (At 2,38).
A gênese da Igreja primitiva
A partir dessas palavras, fica claro, para os ouvintes de todos os tempos, que o arrependimento é o primeiro passo que o homem dá, como resposta à iniciativa soberana de Deus. “A chamada de Deus é endereçada à pessoa. Deus chama pelo nome. Nome representa eleição, singularidade, diferença na unidade. Eu não sou mais um no meio das pessoas. Eu sou amado por Deus”1 (GUSBERTI, 2020).
Naquele dia, e hoje, Deus irrompe no mundo e o Ressuscitado convida todos a entrarem em seu Reino. Aquele dia era o dia, mas hoje, igualmente, é o dia da decisão, dia da salvação.
“Talvez hoje, como nunca, o convite de Jesus a fazer-se ao largo revela-se como resposta ao drama da humanidade, vítima do ódio e da morte. O Espírito Santo sempre obra na história e pode tirar dos dramas humanos um discernimento dos acontecimentos, aberto ao mistério da misericórdia e da paz entre os homens”.
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Para Jesus, o reinado do Pai significa uma nova ordem da sociedade sob a soberania de Deus. Por isso a insistência sobre a correspondência entre a chegada do Reino e a mudança radical de vida. O que ele exige de todos é conversão. Sim, a palavra grega traduzida como “conversão” é metanoia. Composta por duas raízes: meta, que pode indicar transformação, e nous, que indica conhecimento, intelecto (PRADO, 2014).
A conversão é um processo contínuo e dinâmico
Conversão significa uma mudança de mentalidade, uma mudança do comportamento e das relações, a partir do mais profundo do coração, isto é, a partir do centro do comando da própria vida. Isso significa mudar radicalmente a direção da caminhada, inverter o percurso, buscar novas referências. Para os judeus evoca o retorno a Deus, voltar à casa, voltar ao primeiro amor.
É preciso lembrar que aqueles homens eram judeus, ou prosélitos, como eram chamados os convertidos a YAHWEH. O discurso é, originariamente, dirigido ao povo de Israel, aos que estão perto e aos que estão longe, aos da diáspora, que estão aí representados, e aos pagãos que haviam aderido à religião judaica, enfim, a membros “de todas as nações que há debaixo do céu” (At 2,5-11). É isso que Pedro está afirmando aos ouvintes. Vocês são o verdadeiro Israel (povo de Deus). Os cristãos, aqueles que aceitam Jesus como o Messias prometido desde sempre, é que são o verdadeiro Israel.
Por isso é importante recuperar o sentido bíblico de conversão. Para o povo do Antigo Testamento, converter-se é muito mais do que reconhecer o próprio pecado e arrepender-se. Significa, positivamente, dirigir-se para YAHWEH. O termo comporta a obediência à sua Lei e à voz de seus profetas, fugindo da idolatria. Consiste em restabelecer a aliança rompida, com uma resposta livre do ser humano ao convite generoso de YAHWEH.
Para os cristãos do Novo Testamento, o motivo básico dessa mudança não é as pessoas, mas, sim a proximidade do Reino de Deus. É a pertença a esse Reino que determina a conversão como experiência de ressurreição ou vida nova, a ponto de poder dizer como Paulo: “Não sou mais eu que vivo, mas Cristo que vive em mim” (Gl 2,20).
A conversão é um processo contínuo e dinâmico que se realiza por meio da saída de si mesmo.
“O perigo básico de nossa vida consiste em girarmos demais ao redor de nós mesmos, apenas nos perguntando o que a vida pode nos dar. Assim, as coisas sempre se concentram em nós e em nosso bem-estar. Para Jesus, esse é um caminho equivocado que leva a um beco sem saída”.
GRÜN, 2006, p. 59
O teólogo espanhol José Ignacio González Faus (1933), ao refletir sobre a “situação do homem entregue a si mesmo”, afirma que: “o homem é um ser que vive secretamente descontente consigo mesmo” (FAUS, 1987, p.306). Claro que essa sensação pode variar de pessoa para pessoa, mas em todo ser humano está conservada sua força indutiva. Por isso, quanto mais o homem se fecha em si, menos aberto se encontra diante de Deus, e menos possibilidade tem de compreender-se pecador.
“Sendo o pecado, a negação do amor, o fechar-se em si mesmo, provoca naturalmente a atitude paradoxal de sua auto ignorância. Quanto mais pecador, tanto menos se sente pecador. No momento em que alguém se julga realmente pecador, nesse momento a graça de Deus o atinge e ele começa a caminhada de ascensão do pecado para a graça”.
LIBANIO, 1976, p.15
Detrás de cada conversão existe uma experiência de Deus
Converter-se é descobrir o sentido de Deus. Sobre essa experiência o religioso francês Charles de Foucauld (1858 – 1916) afirma: “Não apenas acreditei que havia um Deus, eu compreendi que não podia fazer outra coisa senão viver por Ele” (FOUCAULD, 2017, p.5).
A transformação começa com a consciência de que Deus está no centro de toda a vida. “Fica em silêncio, e conhece a Deus.” (Sl 4,4). E assim, por meio do silêncio, o homem se dá conta de que a graça de Deus está muito mais próxima do que ele imagina. A transformação do coração é a profunda consciência de que “o reino de Deus está dentro de vós” (Lc 17,21).
A presente reflexão buscou levar os leitores à percepção de que, no processo de conversão, “a soberania de Deus caminha de mãos dadas com a responsabilidade humana. Deus chama à conversão”3. E assim, caminhando, o homem vai percebendo que o desejo de Deus está inscrito em seu coração.
“A razão mais sublime, da dignidade humana consiste na sua vocação à comunhão com Deus. Desde o começo da sua existência, o homem é convidado a dialogar com Deus: pois se existe, é só porque, criado por Deus por amor, é por Ele, e por amor, constantemente conservado: nem pode viver plenamente segundo a verdade, se não reconhecer livremente esse amor e não se entregar ao seu Criador”.
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Assim, inspirados pela linda oração de Bento XVI ao Ressuscitado, Senhor da história, rezemos: “Fica conosco, pois cai a tarde e o dia já declina”4.
“Fica conosco Senhor, e ajuda-nos, para que sejamos seres capazes de desocupar o trono onde particularizamos egoistamente a tua Verdade e regemos, de maneira individualista, o Reino que tu nos enviaste a ajudar a construir …”.
Amém!
Notas 1) GUSBERTI, Jairo Luiz Pe. Caminhando na Direção de Deus. Disponível em: www.catedraldecaxias.org.br Acesso em 22/maio/2020. 2) CIVCSVA. Partir de Cristo: Um renovado compromisso da vida consagrada no terceiro milênio. Disponível em: https://www.vatican.va/roman_curia/congregations/ccscrlife/documents/rc_con_ccscrlife_doc_20020614_ripartire-da-cristo_po.html Acesso em 24/maio/2020. 3) ARAÚJO, André. A soberania de Deus e a responsabilidade humana. Disponível em http://redesuper.com.br/texto-livre/a-soberania-de-deus-e-a-responsabilidade-humana/ Acesso em 23/maio/2020. 4) PAPA BENTO XVI, pouco antes de finalizar seu discurso em Aparecida, em 13/maio/2007, elevou essa oração, inspirada na passagem evangélica dos discípulos de Emaús: "Fica conosco, porque entardece e o dia já declinou" (Lc 24, 29). Disponível em https://www.acidigital.com/noticias/bento-xvi-reza-pela-v-conferencia-fazendo-seu-o-pedido-dos-discipulos-de-emaus-55711 . Acesso em 21 maio 2020.
Referências: BÍBLIA de Jerusalém. São Paulo: Paulus, 2002. Bíblia do Peregrino. São Paulo: Paulus, 3ª edição, 2017. FAUS, José I.G., Proyecto de Hermano, Vision Creyente del hombre, Editora Sal Terrae, Espanha, 1987. FOUCAULD, Charles. Meditações sobre a Paixão do Senhor. São Paulo: Paulus, 2017. GRÜN, A. - Penitência: celebração da reconciliação. São Paulo: Loyola, 2006. CONSTITUIÇÃO PASTORAL GAUDIUM ET SPES. Documentos do Concílio Ecumênico Vaticano. São Paulo: Paulus, 1997. LIBANIO, J. B. Pecado e opção fundamental. Petrópolis: Vozes, 1976. PRADO. José Luiz Gonzaga Pe. Paróquia, rede de comunidades – A conversão pastoral. Revista Vida Pastoral - Ano: 55 - Número: 300- Edição Especial – 1º Centenário dos Paulinos - Jul-2014.
Uma resposta em “Conversão (Metanoia)”
De fato irmão conversão é experimentar na carne Cristo agindo e mudando a nossa história, é viver um Cristo experimentado nos acontecimentos da vida e não de ouvi dizer que ele é Deus, é experimentar o seu poder e nossa pequenez diante de tanto amor é cuidado. Belíssima reflexão