Introdução à Bíblia (Pt 3)

Dentro de seus objetivos, a Bíblia, como plano de Deus, não contém, nem pode conter erros. Qual o objetivo fundamental da Bíblia? Revelar o propósito de Deus e sua presença atuante no Universo, na História, na Vida de todos os povos. Também o povo de Israel foi percebendo gradativamente a revelação do projeto de vida na sua história, de acordo com sua cultura e a sua cosmovisão, isto é, sua visão do universo.

A compreensão de mundo que eles tinham naquele tempo era muito diferente da nossa hoje, como pode ser conferido na figura abaixo. Portanto não faz sentido comparar a visão de mundo que transparece na Bíblia com a visão que temos hoje com o progresso da ciência.

Representação gráfica da concepção hebraica do mundo. A morada Celeste de Deus fica acima das águas superiores. Abaixo dessas águas estão o firmamento ou céu, que se assemelha a uma tigela emborcada, sustentada por colunas. Através das aberturas na abóboda as águas superiores caem sobre a terra, como chuva ou neve, A terra é uma plataforma sustentada por colunas e rodeada de água, ou mares. Por baixo e ao redor das colunas, estão as águas inferiores. Nas profundezas da terra está o Xéol (hebraico), ou Hades (grego), a morada dos mortos. Esta mesma concepção pré-científica do universo também era a dos povos vizinhos do povo hebreu.

A Bíblia não é um livro de ciências e nem de história

A Bíblia é interpretação da história. Nem tudo o que está narrado nos livros históricos (de Josué até 2º Macabeus) aconteceu do jeito que está escrito. As Escrituras interpretam a história, a vida, por isso é historiografia. Descrevem a experiência de Deus que as pessoas e o povo fazem. Por isso, é correto dizer que, ao estudarmos um texto bíblico, estamos na verdade interpretando uma interpretação. A historiografia é o fato contado ou escrito.

A Bíblia é um livro que nasceu aos poucos. Nasceu da vida de um povo que tentou ser fiel a Deus presente no cotidiano.

Antes do texto escrito vêm experiências vividas pelas mais diferentes pessoas e em lugares variados. todas essas experiências foram sendo contadas, recontadas de forma oral, durante muito tempo. Só então a memória virou texto.

Sobre os mesmos fatos foram surgindo diferentes tradições de acordo com o meio onde eram narradas, recontadas e escritas. Na cidade, nos palácios e no templo a reelaboração era de um jeito. No campo era outro. Cada qual de acordo com seus condicionamentos, interesses, limites e horizontes.

Aos poucos, as tradições foram agrupadas dentro de narrativas ou conjuntos maiores, adquirindo um novo colorido, fornecendo respostas novas a novas necessidades, até o texto chegar à sua redação final como temos hoje.

A Bíblia não descreve uma história “factual”, mas “intencional”. O mais importante não é o “fato” em si, mas a “intenção” que o autor quer transmitir. Consequência disso é que a pergunta certa a ser feita ao texto bíblico não pode ser: “o fato foi ou não foi assim?” mas a pergunta correta é: “qual a intenção de quem escreveu o texto?” ou: “o que o texto quer dizer?” ou ainda e melhor: “qual é a mensagem que se quer transmitir?”.

Para exemplificar: vamos ler Gn 4, quando se lê como fato histórico não se consegue explicar de onde veio a mulher de Caim, quando naquele momento, se lermos ao pé da letra, apenas existiam Adão, Eva e Caim. Se, no entanto, vamos ao texto em busca da intenção do autor, do sentido do texto, certamente encontraremos uma resposta.

Outro exemplo: comparar Gn 1,1.2-4a com Gn 2,4b-25. São dois quadros bem diferentes para revelar o sentido profundo da vida. A primeira reflete a situação do povo no exílio da Babilônia ao redor do ano 550 A.E.C. A segunda, ao relatar o plano de Deus para a criação e a humanidade, retrata como o povo alimentava sua esperança na época da opressão do rei Salomão ao redor do ano 950 A.E.C.

Gêneros literários na Bíblia

A Bíblia por conter tantos livros e escritos em diversas épocas e por tantas mãos, certamente, não poderia ter apenas uma forma de escrita; essas diferentes formas de escrever se dá o nome de gênero literário. Na Bíblia temos, prosa, poesia, narrativa, história, estória, apocalipse, parábolas, cânticos, salmos, etiologia, mito, entre outros.

Inicialmente os livros da Bíblia foram manuscritos, isto é, foram escritos à mão. O material utilizado era o papiro, uma espécie de junco que crescia à margem do rio Nilo, no Egito, e também na Galileia. Suas hastes eram compactadas numa tela.

Outro material utilizado era o pergaminho, feito com peles de ovelhas ou cabras. O nome vem da cidade de Pérgamo, na Ásia Menor, atual Turquia, pois era grande a produção desses animais.

Tradução do hebraico para o grego

Essa tradução veio dar resposta a uma necessidade sentida pelos judeus, quando se espalharam pelo Egito e outros países. Por lá se fixaram e seus descendentes já não entendiam mais o hebraico, pois ali se falava o grego. Era necessário traduzir o texto hebraico para o grego, pois, no culto das sinagogas, o centro eram as Sagradas Escrituras. A tradução do hebraico para o grego ficou famosa e se chama Septuaginta ou Tradução dos Setenta ou apenas Setenta, porque, segundo a tradição, ela foi feita por 72 sábios judeus a partir do Século III A.E.C. Conta-se, ainda, que eles ficaram separados em diversos pontos do Egito, quando terminaram, compararam as 72 traduções, e todas estavam exatamente com as mesmas palavras.

Tradução do grego para o latim

Com a chegada do cristianismo às regiões do império Romano onde não se falava o grego, como o Norte da África, Oeste e Norte da Europa, foi necessário traduzir a Bíblia em grego para o latim.

Havia várias versões em latim traduzidas da Septuaginta. Os tradutores dominavam pouco o latim e menos ainda o grego, traduzindo, muitas vezes, ao pé da letra.

Jerônimo e a Vulgata

O papa Dâmaso em 382, confiou a Jerônimo a revisão dos Evangelhos, tarefa que concluiu em 384. Depois disso, foi à Palestina, estabelecendo em Belém. Lá traduziu os livros do Primeiro Testamento a partir da versão grega. Mas abandonou o projeto e passou a traduzi-los diretamente do texto hebraico. Essa tarefa foi realizada entre 390 e 405. A tradução feita por Jerônimo e equipe de mulheres, dentre as quais se destacava Paula, essa tradução ficou conhecida como Vulgata, que em latim significa comum, usual.

Outras traduções

Há outras traduções: Provavelmente a tradução mais antiga na língua do povo dessa região é a do Venerável Beda. Relata-se que, no momento de sua morte, em 735, ele estava ditando uma tradução do Evangelho de João; entretanto, nenhuma de suas traduções chegou até nós.

John Wycliffe – Nascido por volta do ano de 1330, no interior da Inglaterra, Wycliffe tem o seu nome associado à primeira tradução da Bíblia para o inglês. Os líderes da Igreja se opuseram violentamente à Bíblia em inglês e perseguiram Wycliffe.

Ele foi condenado postumamente, ou seja, depois de morto, tendo o corpo desenterrado e queimado.

Lutero traduziu o Segundo Testamento para o alemão, num período de onze semanas, quando estava refugiado no castelo de Wartburg. Essa tradução foi publicada em setembro de 1522. A tradução do Primeiro Testamento só foi concluída após 12 anos de trabalho (publicada em 1534), sendo que Lutero contou com a colaboração de uma equipe de professores de teologia de Wittenberg (que não se dedicaram ao projeto em regime de tempo integral).

Reina-Valera – A Reina-Valera é, no mundo de fala espanhola, o que Almeida é no mundo de fala portuguesa: a tradução mais apreciada pelos evangélicos. O nome vem de Casiodoro de Reina, que fez a tradução original, em 1569, e de Cipriano de Valera, que fez a revisão, em 1602.

King James Version – Esta tradução da Bíblia, que já completou quatro séculos ainda é bastante usada no mundo de fala inglesa, surgiu em 1611. Foi encomendada por um rei britânico, razão pela qual se chama de “tradução do rei James”. Não foi, a rigor, uma nova tradução, mas uma edição que combinou traduções anteriores, incluindo as de Wycliffe e William Tyndale.

No Brasil, o nome João Ferreira de Almeida é associado com frequência às traduções bíblicas. Isso ocorre porque no século XVII as duas edições (Revista e Corrigida e Revista e Atualizada) foram por ele traduzidas. A diferença entre as duas versões é pequena, devido aos originais em hebraico, aramaico e grego apresentarem algumas variantes e permitirem mais de uma tradução correta, um sinônimo para uma palavra ou versículo. Além disso, algumas constatações arqueológicas e teológicas referentes as Escrituras Sagradas não existiam na época de Almeida, e assim, a edição revista e corrigida é a expressão dos textos originais com que ele trabalhou.

Existem, ainda diversas traduções para as mais variadas línguas, o que dá cerca de centenas de línguas do mundo todo.

Atualmente existem outras traduções, efetuadas pelas próprias editoras de acordo com seus interesses comerciais e editoriais, visando atingir os diversos tipos de leitores, como por exemplo a Bíblia Tradução Ecumênica – TEB, elaborada em conjunto por diversas denominações cristãs, tanto no mundo, como no Brasil.

As diversas traduções da Bíblia, demonstram a universalidade da revelação divina. A eleição de um único povo não é a proposta de Deus, eleição divina não é privilégio. É compromisso. A missão do povo que tem consciência de ser escolhido por Deus é ser “Luz dos povos”.

Referências
BÍBLIA DE JERUSALÉM. Paulus Editora, São Paulo, 2002.
BÍBLIA DO PEREGRINO. Paulus Editora, São Paulo, 2ª Ed. 2006.
BROWN, Raymond E. FITZMYER, Joseph A. MURPHY, Roland E. (Orgs.) Novo Comentário Bíblico São Jerônimo – Antigo Testamento. Ed. Academia Cristã, Santo André; Paulus Editora, São Paulo, 2012.
GASS, Ildo Bohn. Uma introdução à Bíblia – porta de entrada. Centro de Estudos Bíblicos. São Leopoldo, 2002. Paulus. São Paulo, 2002.
TEB – Tradução Ecuménica da Bíblia – Ed. Loyola. São Paulo, 1994.
História da Tradução da Bíblia - Sociedade Bíblica do Brasil (sbb.org.br)
A tradução da Bíblia por João Ferreira de Almeida - InfoEscola

Separamos outros artigos que talvez possa interessar

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *