Pentecostes, o nascimento da Igreja

Na solenidade de Pentecostes, tendo Cristo retornado para junto do Pai, agora a sua missão, a construção do Reino de Deus, passa a ser da Igreja, de todos os seus discípulos, tendo à frente Pedro, Paulo e os demais Apóstolos.

Igreja como Corpo Místico de Cristo

Por isso nós, fiéis católicos, celebramos o acontecimento eclesial por excelência, o surgimento da Igreja como Corpo Místico de Cristo (cf. Rm 12,4-5; 1Cor 12,12-27; Rm 12,3-8), do qual ninguém, devidamente esclarecido, pode se afastar sem prejuízo da própria salvação. Guiada e instruída pelo próprio Jesus Cristo, a Igreja transmite aos homens de todas as épocas os meios necessários para a sua santificação, quais sejam: os sacramentos e o depósito sagrado da fé.

O Bispo americano Fulton Sheen (1895-1979), referindo-se à Igreja, escreveu: “Cristo, portanto, ainda caminha sobre a terra, agora em Seu Corpo Místico, como outrora em seu corpo físico. O Evangelho era a pré-história da Igreja, assim como a Igreja é a pós-história do Evangelho” (SHEEN, 2018, p. 703).

Em seu dizer, ela nada mais seria do que o novo corpo com o qual Jesus se revestiu após os eventos de Pentecostes, ou seja, após o derramamento do Espírito Santo sobre a comunidade reunida em torno dos Apóstolos e da Virgem Maria, no cenáculo.

A expressão “Igreja como Corpo Místico de Cristo” foi cunhada por Paulo (CAVACA, 2009, p.119). Sua intenção, ao se referir dessa maneira, é chamar a atenção dos cristãos para a unidade, deixando claro que a variedade de dons e de carismas contribui para o enriquecimento comum.

A raiz e o fundamento da Igreja “Corpo Místico de Cristo” vai além de uma solidariedade moral; sua base é sacramental, por isso é real, e anterior às disposições subjetivas dos batizados.

O pensamento paulino sobre “Corpo de Cristo” se desenvolve, sobretudo, nas cartas aos colossenses e aos efésios (CAVACA, 2009, p.129). Sua teologia supõe que a Igreja, pensada dessa maneira, adquire uma personificação. Para Paulo, o Corpo Místico é a própria pessoa de Cristo prolongada na história (SHEEN, 2018, p. 703). É o setor da humanidade que vive a vida de Cristo e que continua a sua vida. Essa é a ideia semita de personalidade corporativa. O novo Adão, que morreu e ressuscitou em nome e em favor de toda a humanidade, contém, como corpo, toda a humanidade. Todos os que se revestem dele se tornam igualmente homens novos (cf. Cl 3,10; Ef 4,24).

Além disso, o Corpo de Cristo, na teologia paulina, contém uma dimensão ao mesmo tempo ecumênica, universal, cósmica e dinâmica. Na mentalidade semita, ‘corpo’ é a pessoa inteira em suas relações. No caso da Igreja, corpo significa a Igreja em suas relações com o mundo.

A Igreja é a nova criação…o homem novo

A comunidade eclesial, a Igreja, é a presença visível do Ressuscitado no mundo. Por isso, podemos afirmar, que a Igreja é muito maior do que o mundo! É maior do que os céus e a terra, porque o homem jamais encheu a Igreja e nunca será capaz de fazê-lo. Cristo é o único que pode encher a Igreja. Nele habita toda a plenitude que pode plenificar tudo e todos: pode encher o homem e sua mente, o tempo e o espaço. A Igreja é a nova criação, o novo céu, a nova terra, o homem novo. Na natureza desta nova criação são engolidos o velho céu e a velha terra, como se não existissem mais, mesmo se, na realidade, continuam a existir. O corruptível é absorvido pelo incorruptível: tudo se torna novo, vivo, imortal e puro. Aquilo que é novo, sob este aspecto, pertence ao eterno e inalterável Todo-Poderoso (BESEN, 2020).

A Igreja, portanto, é maior do que todos os acontecimentos do tempo, do início ao fim. A comunidade eclesial é, no mundo, a presença visível do Ressuscitado. É o modo como ele entra em contato com a humanidade e a história. Por isso a Igreja, e tudo nela, é relação, isto é, é missionariedade1. O ponto de partida dessa reflexão é o fato de que Deus se manifesta em toda a realidade sensível e, particularmente, no desejo do coração humano.

Cristo está presente. Mas onde? Como? De que maneira o acontecimento de sua presença permanece?

Com a Sua morte e ressurreição, Cristo vence a morte e o pecado. Com sua Ascensão ao céu, participa, na sua humanidade, da potência e da autoridade de Deus, pois “Tudo o Pai colocou debaixo de seus pés” (cf. Ef 1, 21-22). Cristo é o Senhor do cosmo e da história. Nele a história do homem, como também toda a criação, é “recapitulada”. O Espírito é o mistério de Deus, eterno e imutável, que opera no mundo, que o plasma e o conduz como um grande rio à sua foz – que é o próprio mistério de Deus. Desde a morte e ressurreição de Cristo, é por esse Espírito que Cristo tomará posse definitiva de todas as coisas (cf. Jo 17, 2-3).

O fato é que Cristo seria uma realidade longínqua e, por isso, vítima da nossa interpretação, se não estivesse vivo na Igreja. Dessa forma, a Igreja continua a pedagogia da encarnação, isto é, Deus continua a se comunicar e a se manifestar na vida dos homens por meio dos sinais. Deus manteve-se fiel à sua economia de salvação. Salvação que continua na história e chega a todos os seres humanos mediante a Igreja, comunidade visível da graça, constituída por toda a comunidade dos fiéis.

É no pertencer à vida da Igreja de Cristo, que a pessoa encontra a sua realização, a resposta às suas interrogações, em suma, a salvação. Isso porque a Igreja é o lugar em que o divino opera o seu desígnio para o mundo. É no mundo, que o Espírito de Cristo, doado a quem n’Ele crê, inicia o seu caminho de senhorio sobre o mundo, o cumprir-se do sentido da história.

Todos os batizados são chamados a participar da missão do Senhor

Cristo tendo escolhido os apóstolos, e estes, por sua vez, tendo aceitado o Espírito de Cristo, tornaram-se partícipes de Sua missão, qual seja, a de introduzir a humanidade na relação definitiva com o mistério de Deus. Por isso todos os cristãos batizados são também chamados a fazerem, responsavelmente, parte dessa escolha.

Na perspectiva de Lucas, nos Atos dos Apóstolos, a comunidade cristã nasce em Pentecostes com o fogo do Espírito que tudo transforma e tudo renova. Nasce a comunidade que Jesus sonhava. Uma comunidade de irmãos. Lucas narra essa identidade em três sumários (cf. Cf. At 2,42-47; 4,32-35; 5,12-16), sendo o primeiro apresentado como uma conclusão do dia de Pentecostes:

Eram assíduos ao ensino dos Apóstolos, à união fraterna, à fração do pão e às orações. Perante os inumeráveis prodígios e milagres realizados pelos Apóstolos, o temor dominava todos os espíritos. Todos os crentes viviam unidos e possuíam tudo em comum. Vendiam terras e outros bens e distribuíam o dinheiro por todos, de acordo com as necessidades de cada um. Como se tivessem uma só alma, frequentavam diariamente o templo, partiam o pão em suas casas e tomavam o alimento com alegria e simplicidade de coração. Louvavam a Deus e tinham a simpatia de todo o povo. E o Senhor aumentava, todos os dias, o número dos que tinham entrado no caminho da salvação.

At 2,42-47

A Comunidade sonhada pelo próprio Jesus Cristo

A Igreja-mãe de Jerusalém é modelo para as comunidades cristãs de todos os tempos. Nesse sumário, bem como nos outros citados, aparece que todos os crentes “eram um só coração e uma só alma” alegres e concordes, perseverantes na oração e na fraternidade. Na comunhão plena, deixam transparecer não só o sonho de Lucas, mas também o de Jesus. Não é isso que dizia Jesus quando proclamava as bem-aventuranças? Uma fraternidade possível, que respeita as diferenças e a originalidade inscrita no nome de cada um, e, por outro lado, a mútua e cordial acolhida, libertada dos laços do egoísmo e do medo, em que tudo – bens materiais e espirituais – pode ser partilhado em alegre simplicidade (cf. BOSETTI, 2009, p.51-54).

Notas
1) LUCAS, em seu Evangelho, nos apresenta o missionário por excelência: Jesus Cristo. E nos convida a refletirmos sobre as palavras do Papa Francisco em sua Catequese de 16/outubro/2013: “A natureza apostólica implica a missionariedade da Igreja, que é enviada para anunciar o Evangelho a todos”. Jesus, ao se encarnar, recebeu do Espírito Santo sua missão: "O Espírito do Senhor está sobre mim, porque ele me ungiu para que dê a Boa Notícia aos pobres; enviou-me para anunciar a liberdade aos cativos e a visão aos cegos, para pôr em liberdade os oprimidos e para proclamar o ano da graça do Senhor" (Lc 4,18-19). Mais tarde, na solenidade de Pentecostes, Ele transmite Sua missão aos Apóstolos.
Referências
BESEN, José Artulino. Comunhão no Amor. Disponível em https://www.ecclesia.org.br/biblioteca/teologia/matta-el-meskin-comunhao-no-amor16.html - Acesso em 21/maio/2020.
BÍBLIA de Jerusalém. São Paulo: Paulus, 2002.
Bíblia do Peregrino. 3. ed. São Paulo: Paulus, 2017.
BOSETTI, Elena, O Espírito e a Missão nos Atos dos Apóstolos. São Paulo: Paulus, 2009.
CAVACA, Osmar. “Em Cristo”: O princípio fundante da eclesiologia paulina. In: Revista de Cultura Teológica - v. 17 - n. 67 - ABR/JUN 2009.
SHEEN, Fulton. Vida de Cristo. São Paulo: Molakai, 2018.

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