A Igreja que nasce em Jesus Cristo foi um projeto que afrontava ao poder daquela época. O olhar aos mais miseráveis e a incondicional acolhida fez daquele grupo um perigo. Por isso, quem ousasse seguir a Jesus, sabia dos riscos que teria.
Um fim trágico despontava no horizonte. Quando, então, Jesus é preso e assassinado injustamente, são os seus seguidores que passam a ser o alvo. Em uma primeira atitude temerosa, de autopreservação, fecharam-se as portas (cf. Jo 20,19). O medo entra e paralisa a comunidade quase que em uma quebra da comunhão com o projeto original.
O medo que paralisa
Não é a melhor analogia, mas insisto na associação desse medo ao mito da caverna de Platão, quando algumas pessoas, amarradas no interior da caverna, acabam por se acostumar com as cenas que viam por meio das sombras de uma fogueira, sem ousar imaginar o que haveria fora dali. O medo dos discípulos de Jesus, depois da morte do mestre, também não permitia vislumbrar um bom futuro, tampouco uma recompensa na Eternidade. Por isso, tudo por um tempo, parou.
A nossa vida, hoje, sem Deus, igualmente não avança. Sem Deus tudo se torna mais difícil e penoso. Corremos o risco de nos acostumar com as sombras, ao invés da contemplação multicor da criação. E não será a frequência em um ambiente religioso que vai nos isentar do medo ou das dificuldades. Mas, sim, a fé que pode nos ajudar.
A coragem libertadora
Como sempre, Deus intervém em favor do ser humano, enviando o Espírito Santo. É o novo Pentecostes que ajuda a comunidade acovardada a recordar as palavras de Jesus para, então, retomar o entusiasmo e a coragem de, de novo, abrir as portas.
A partir daí o medo termina, contrariando a perseguição que é intensificada e faz novos mártires todos os dias. Porém – nas palavras de Tertuliano –, “o sangue dos mártires é a semente dos cristãos.” Aqueles que acabam por dar a vida ao projeto de Jesus são lembrados por João no livro do Apocalipse: “Estes são os que vem da grande tribulação e lavaram suas vestes e as tornaram brancas no sangue do cordeiro.” (Ap 7,14).
Os novos martírios
O tempo passa, a história muda, e hoje, embora não tenhamos uma perseguição religiosa declarada no Brasil, somos também submetidos a novos martírios da vida em sociedade, novas formas de fragilizar a existência humana. Como, por exemplo, o desemprego, que “mata aos poucos”, minando a esperança das famílias e roubando a alegria de viver. É apenas um exemplo, mas um pesado martírio que atinge 10 milhões de brasileiros – que, se enfrentado sem o dado da fé, torna-se desespero. Nesse sentido, o Império Romano continua com a perseguição, mas com outros nomes e de outras maneiras.
Deus está, como sempre, ao lado do ser humano. No entanto, a desolação com o contemporâneo faz-nos desacreditar que tudo coopera para o bem dos que se mantém fiel a Ele (cf. Rm 8,28). Somos atingidos pela carência de verificar bons exemplos, que toquem a nossa condição frágil de humanidade, e que possam comprovar a válida opção de se confiar em Deus. Justamente aqui eu gostaria de destacar Maria, a mãe de Jesus, que pode nos ajudar a não ceder ao medo e a desesperança, sobretudo quando retomamos a história de sua vida.
O exemplo de Maria
Maria foi uma menina simples, criada na periferia de Nazaré e, como costume de época, foi prometida em casamento ainda em sua adolescência. Ao passo que se aproximava o casamento, um acontecimento inusitado a faz mudar todos os planos e sonhos: um anjo aparece e a convida a ser mãe de Deus. Sem entender muita coisa, Maria devolve ao anjo o mais lindo e arrebatador ‘sim’ de toda a história, renunciando a tudo e, desde então, dedicando-se única e exclusivamente ao seu filho. Um filho que foi mesmo sinal de contradição desde a sua concepção, levando a família de Nazaré a se tornar refugiada no Egito. Maria, contudo, permaneceu ao lado de Jesus durante toda a sua vida, ajudando a construir aquilo que será a Igreja. Mesmo após a ascensão de Jesus, Maria continua na companhia dos discípulos, incentivando e impulsionando o kerigma. Não arredou pé mesmo com as perseguições, morrendo santamente próxima a João, o apóstolo mais jovem de Jesus.
Maria renunciou a todos os seus planos, mas nem por isso viveu na incerteza, com medo ou infeliz. Ela encontrou o sentido da vida ao caminhar ao lado de Jesus. Por isso mesmo recomendou-nos o mesmo: “fazei tudo o que Ele vos disser.” (Jo 2,1-11)
Maria foi fiel quando não compreendeu os planos de Deus. Ela foi fiel quando Deus a tirou de uma situação de vida cômoda e planejada. Maria foi fiel quando tudo o que o anjo lhe dissera mais parecia um sonho que realidade. Ela se manteve fiel quando todos ficaram contra o seu filho único, o condenando a morte como um malfeitor. Foi fiel na continuidade do projeto, quando Jesus não estava mais por perto. Ela, durante toda a vida, foi leal aos desígnios de Deus, dizendo sempre ‘sim’ a vontade divina.
A comunhão possível
A Mãe de Jesus nos ensina muitas coisas. E a confiança absoluta em Deus é um dos ensinamentos desta incrível mulher. Como já dissemos, a fé (sinônimo de confiança em Deus) não nos isenta das dificuldades da vida, mas nos dá forças para passar pelos novos martírios, sem nos render ao medo. A confiança em Deus é um pressuposto necessário para nos manter fiéis ao projeto inicial: a Igreja que nasce em/com Jesus.
Obviamente nós não temos todas as respostas para os dramas de uma sociedade tão plural, mas confiamos que somente Deus tem a palavra final sobre tudo e todos. Afinal, a quem iremos se só Deus possui palavras de vida eterna? (cf. Jo 6,68)
Que a Mãe de Jesus nos possa ajudar a manter o passo com a Igreja e a redescobrir a força e a coragem que brota do Evangelho. Esta é a nossa fé, que da Igreja recebemos e sinceramente professamos.