Todos nós vivemos momentos de tensões, de adversidades, de solidão, de medo… Enfim, todas essas coisas – ainda que não as desejemos – fazem parte da vida. Não se sinta menos agraciado por viver alguma situação assim. Todos têm a sua própria cruz. Recordemos a advertência do Padre Evaristo Debiasi, (Mestre em Filosofia, Mestre em Teologia Dogmática, Pedagogo e Psicólogo, falecido no dia 11 de julho de 2020, com 80 anos, em Florianópolis) “desde que nascemos, já somos suficientemente velhos para morrer”. Uma verdade cristalina expressa por este sacerdote tão ungido. É ditado popular – para morrer, basta estar vivo. Simples assim. O sofrimento é possível e inevitável em nossa vida. Estamos à mercê de dias bons e dias não tão bons.
Nenhuma novidade até aqui, não é mesmo? Iniciamos assim para afirmar, independentemente de tudo, que Deus está sempre com você! Jesus leva muito a sério a promessa que fez e se encontra no final do Evangelho de Mateus, quando afirmou que estaria conosco todos os dias, até o fim dos tempos. Portanto, quando estiveres triste, Deus está contigo. Se estiveres feliz, Deus está contigo. Se és rico, se és pobre, Deus está contigo. É católico, é muçulmano, é branco, é negro… Deus está com você. Afirmativa facilmente percebida pelos que têm fé.
Alguns dirão que a vida do outro é melhor, é mais feliz. Fazem uso daquela expressão bem conhecida: “Tudo dá errado pra mim!”. É como se aos fracos (ou pobres) sobrassem as dificuldades da vida, e aos fortes (ou ricos) um pedacinho do céu aqui na terra. Atualmente, mede-se a felicidade pelas publicações nas redes sociais. O desfrute de saborosas refeições, os belos sorrisos, os locais paradisíacos, as silhuetas dentro do “padrão”. Será assim mesmo? Importante refletir sobre a parábola do rico e de Lázaro (Lucas 16, 19-31). A proposta aqui é outra: verificar a possibilidade de ter melhor sorte na vida os que têm fé e seguem uma religião, como os fiéis em nossas paróquias. Analisemos por uma passagem da Bíblia, contada conforme a lembrança. Topa?! Então analisemos…
Profeta Elias
No século IX antes de Cristo, o profeta Elias, no Reino de Israel (Norte), fez um enorme esforço para manter a fé e a memória do povo no Senhor. Agiu praticamente sozinho. Todos os demais profetas de Israel haviam sido massacrados por Jezabel. Lembra de Jezabel? Num casamento arranjado para aumentar o poder de governo, Acab, rei de Israel, casou-se com a filha do rei de Tiro, a linda Jezabel. Porém, o que ela tinha de linda, tinha de danada. Foi ela, a nova rainha de Israel, quem passou a ditar as regras por detrás do rei. Introduzia novos costumes em Israel, inclusive cultos a deuses estranhos. O profeta Elias não se calou diante desse grave desvio de conduta dos governantes que quebravam, mais uma vez, a aliança feita com Deus. Jezabel, revoltada com a denúncia do profeta, prometeu matá-lo.
Elias se cansou. Era muito peso para ele. Deus o enviou para missões difíceis. Nada lhe faltava, a Providência o supria, mas tudo era precário. Desacorçoado, pediu a Deus que lhe tirasse a vida. “Está difícil, basta!” Logicamente, Deus não o atendeu. O profeta acabou fugindo para o deserto, se refugiando numa gruta do monte Horeb. Lá Deus lhe pediu que saísse da gruta, permanecesse na montanha e aguardasse a Sua passagem. E assim se fez. Elias, na expectativa, viu a aproximação de um furacão, seguido de um terremoto e, por fim, um grande incêndio. Deus não estava em nenhum destes fenômenos naturais. Provavelmente, depois de tudo isso, o profeta estivesse desanimado, desesperançado, desconfiando, na linguagem atual, que se tratava de uma “fake news”. De repente, sentiu uma leve e suave brisa. Elias percebeu, então, a presença do Senhor.
De fato, uma novidade para Elias. Esperava um Deus que se apresentasse todo adornado numa redoma esplendorosa, como ocorrera, nesta mesma montanha, com Moisés. Deus mudou a forma de se revelar. Os Baals, diversas divindades pagãs dos povos vizinhos de Israel, tinham a sua manifestação representada pelos fenômenos da natureza. Deus quis se desvencilhar dessa semelhança. Elias entendeu, percebeu que Deus não o abandonou. O profeta recuperou o entusiasmo da missão. Ainda mais sabendo que Deus o acompanhava sempre.
cf. 1Rs 19,1-14
Pronto. Eis a passagem que ajuda a pensar. Elias, praticamente, o único em Israel, se manteve fiel ao Senhor. Não adorou a outros deuses e apontou os vários desvios promovidos pelos governantes. Graças a Deus ainda há muitos profetas assim na atualidade (dentro e fora da Igreja). Ao que tudo indica, contudo, a fidelidade de Elias não lhe garantiu uma vida melhor. Deus não o livrou da perseguição, do sofrimento, do exílio, da fome… o profeta chegou a desejar a morte – seria um prêmio diante de uma vida tão difícil.
Constatação e contextualização
Atualizando a passagem bíblica para os nossos dias, percebemos não haver privilégios para os que creem, professam uma religião. São padres, imãs (autoridade religiosa do Islã), freiras, monges e tantos outros que dedicam a vida pela causa da fé. Nem todos são ou serão reconhecidos. Impressionante que no momento do último suspiro, indagados se desejariam mudar algo em suas vidas, sem dúvida diriam “Faríamos tudo de novo!”
Essa breve análise, da Bíblia e da História, possibilita-nos constatar: quem acredita em Deus (e o segue) não tem melhor sorte de quem não acredita. Deus não se esquece de um copo de água dado com amor. No entanto isso não significa o direito adquirido a uma recompensa pelo ato. Portanto, friamente analisando, não se tem vantagem nenhuma em acreditar ou não em Deus.
Eu e você, católicos que participamos da missa dominical, estamos engajados em pastorais, fazemos gestos de caridade, poderemos ter a mesma sorte de um ateu. Este, fechado em si, não vive a esperança, nem neste e nem no outro mundo. Pensar diferente resultaria acreditar na diabólica “teologia da prosperidade” – o que dou a Deus, Ele devolve sempre bem mais. Não à pobreza.
A fé e a fidelidade do profeta Elias não lhe proporcionaram uma vida fácil. Na linguagem atual, nem a casa na praia e o carro do ano. Sofreu com a perseguição, a fome, os inimigos e com outras adversidades. Santa Teresa D’Avila disse uma vez uma frase, irônica, a respeito da amizade com Deus: “Senhor, com tantos males e ainda por cima isto?… Se tratas assim teus amigos, é por isso que os tens tão poucos!”
O segredo para uma vida sem desespero
Então, qual a vantagem de ter fé em Deus, se não há garantia de melhor sorte na vida? Sem rodeios, pode-se responder: a vantagem é a esperança.
Se a nossa fé fosse restrita apenas a esta vida, então todos seríamos pobres coitados, iludidos por um fim que se aproxima. Todo sofrimento seria pesado demais, sem sentido. Portanto, comamos e bebamos, pois nada mais haverá depois que descermos à cova (1Cor 15,11ss). Não! Cada religião concebe e difunde como é a sua esperança.
A nós cristãos, abre-se o caminho do Céu e a certeza da Eternidade, graças à ressurreição de Jesus Cristo. Uma esperança que transcende esta vida, um paraíso onde reina vida e paz. Acaba o desespero pelo fim trágico. Desperta a esperança da imortalidade em Deus e se consegue, ainda nesta vida, experimentar lampejos da graça que nos espera. Isto – e mais nada – basta para manter qualquer fiel animado. Aguarda o encontro definitivo com Aquele em quem depositou a sua fé ainda nesta vida.
A contribuição de Pascal
Outra sugestão: Adentremos o pensamento de Blaise Pascal para subsidiar à reflexão. As referências sobre Pascal apontam-no como escritor, físico, inventor, matemático, filósofo e teólogo católico francês, que viveu no século XVII. Interessante perspectiva sob pura razão que considera as duas possibilidades conforme o ensaio proposto.
O teorema de Pascal, (…) foi formulado por ele quando tinha apenas dezesseis anos. Ele era um grande jogador e, de acordo com o Livro Filosofia, Loewer Barry, “desenvolveu uma maneira de determinar o valor monetário de uma aposta com base nas probabilidades”. Foi com essa lógica que ele afirmava que decidir acreditar ou não em Deus é como uma aposta de jogo.
“Se Deus existe, a consequência de acreditar nele é a felicidade eterna, ao passo que o inferno aguarda pelos ateus e agnósticos. Por outro lado, se Deus não existe, a consequência de acreditar nele é, na pior das hipóteses, viver uma vida correta e religiosa, ao passo que a consequência de não acreditar nele é continuar levando a vida sem esperança (intervenção nossa).” Assim, a melhor aposta, nesse caso, é acreditar.
Enfim, considerada a proposição de Pascal, poderemos antever a nossa entrada no Céu, caminhando nas estradas da vida, com alternância de dias bons e não tão bons. O peso da cruz pode variar: em dado momento mais pesado, mais leve em outro. Não há o que fazer. Não há privilegiados. Há cruz e provações no seguimento de Jesus. Sem fé, há o desespero. A amizade com Deus nos sustenta e nos levanta ante as dificuldades: tudo vai passar.
Aos que, como nós, aceitam a Bíblia como obra divina, a leitura do inteiro capítulo 11 de Hebreus, há de reforçar ainda mais a fé: Inicia com o versículo A fé é o fundamento da esperança, é uma certeza a respeito do que não se vê e termina com Porque Deus, que tinha para nós uma sorte melhor, não quis que eles chegassem sem nós à perfeição (da felicidade).
É isso! É preciso sair da gruta e subir na montanha para ver Deus passar pela vida. Todos os dias e em todas as circunstâncias. Cuidado para não repetir o que aconteceu com Elias. Imaginou e aguardou a passagem magnífica e esplendorosa de Deus. Enganou-se. Deus se revela em nossa vida como o sopro suave da brisa, como o canto do pássaro, como o perfume e a beleza da flor, como o abraço da pessoa querida. Ah! Pode se esconder naquele irmão pobre, vulnerável e excluído.
Fiquemos atentos! Vale a pena crer em Deus!
11 respostas em “Existe vantagem crer em Deus?”
Li e reli 3 vezes. É um texto que me fez refletir a fé, a minha fé. Eu creio em Deus e sem Ele não há amor e esperança. Deus está sempre com a gente e através dele mantemos a esperança na vida.
Gostei muito do texto. Parabéns!
É um texto surpreendente! Coisa do habilidoso Irineu. A reflexão nos leva a celebrar o Deus que herdamos dos nossos pais. Não imagino como seria a minha vida sem Ele. Negá-Lo é negar a existência do amor.
Gilberto, Herika e José Vanin, Muito obrigado pelos comentários.
A principal vantagem de ser crer em Deus é simplesmente poder passar por esta vida acreditando no bem, no amor, no próximo, na consciência tranquila de procurar praticar o que é justo.
Irineu, como fico feliz, ao ver você se superando mesmo doente para nos presentear com essa reflexão!
“A amizade com Deus nos sustenta e nos levanta ante as dificuldades”.
Ótimo texto!
Parabéns
Valeu! Bruno Redigolo! Obrigado, diácono Benedito, irmão querido companheiro da Caritas. Obrigado Jurandir, amigo da CJC, sempre presente em minha vida!
Ah que saudade de tantos abraços! Nesse momento difícil que vivemos sinto a falta de Deus no meu irmão. Porém a fé e a esperança jamais faltarão. Afinal a vantagem de ter fé em Deus, sem garantia de melhor sorte na vida é a esperança!
A cada publicação, com certeza, vamos enriquecendo nosso conhecimento. Parabéns.
Num momento de tantas notícias falsas, tantas falsas esperanças, tanta gente sem saber em que ou quem acreditar, e muito bom receber um texto de esperança como esse.
Fico muito feliz ao ve-lo escrevendo um texto tão gostoso de ler e recordar nosso tempo de estudos! Que o Senhor vos dê muita saúde para que você possa continuar esse seu lado de continuar colocando textos tão sábios e que passa tanto saber! Abraços fraternos!