A intenção do presente artigo é, tentar, demonstrar motivos ou motivadores para que o leigo e a leiga, se interessem em estudar a ciência teológica, e penetrar, um pouco mais nos mistérios que envolvem Deus, e a sua Revelação na Pessoa de Jesus, que pela ação do Espírito Santo se faz presente na história humana.
“Foi Deus quem colocou no coração do homem o desejo de conhecer a verdade e, em última análise, de O conhecer a Ele, para que, conhecendo-O e amando-O, possa chegar também à verdade plena sobre si próprio”1
Pela Razão
Antes do Concílio Vaticano II (1962-1965), o estudo de teologia dirigia-se apenas ao círculo fechado do clero, membros de algumas congregações religiosas, mas não aos leigos e leigas, estes nem bíblia possuíam. Com o “Aggiornamento” proposto por São João XXIII, novos ares adentraram aos gélidos ambientes do Vaticano, assim a Igreja se abre a modernidade sem perder a sua missionariedade, que é a de anunciar a Boa Nova de Jesus Cristo ressuscitado.
Com essa abertura, leigos e leigas foram chamados a se tornarem agentes mais atuantes nas ações da Igreja, e reconhecidos como membros do Corpo Místico, cuja Cabeça é Cristo2. Toda essa movimentação, incentiva leigos e leigas, católicos, (os protestantes já tinham acesso à Sagrada Escritura e aos estudos teológicos há séculos), a se aprofundarem nos conhecimentos teológicos e nas belas descobertas que se afloram daquilo que por séculos esteve restrito a pequeno círculo de estudiosos.
Atualmente o cristão, a cristã, estão circundados com pessoas de outras religiões ou até mesmo os que se dizem ateus; assim cabe-lhes a necessidade de dar razões de sua fé, a si mesmo e aos outros, que, eventualmente, venham a interroga-los sobre sua crença cristã. Pelo próprio dinamismo da vida, com suas crises, dificuldades, assombros, pandemias, brutais diferenças sociais, fazem com que a teologia busque respostas, ou palavras de esclarecimentos.
A cristã e o cristão, que receberam uma catequese capenga, que não faz o vínculo entre fé e vida, sentirão enormes dificuldades em dar conta dos acontecimentos que os circundam e os afetam, bem como não serão capazes de interpretarem adequadamente mudanças sociais, políticas, econômicas e culturais que ocorrem ao seu redor. Dessa forma se faz necessário avançar nos estudos de sua fé, “para isso existem inúmeros cursos de teologia especialmente orientados para leigos e leigas em perspectiva pastoral”3, como é o Curso de Teologia para Agentes de Pastoral da Região Episcopal Lapa, que neste ano de 2020, completa 25 anos formando centenas leigas e leigos nos estudos teológicos com qualidade, onde muitos que iniciaram seus estudos teológicos por esta Escola, se sentiram impelidos a aprofundarem, seus conhecimentos, nos mistérios teológicos e foram frequentar os bancos das faculdades e dos institutos de teologia.
A teologia é uma importante instância crítica em qualquer cultura e/ou sociedade, especialmente em uma sociedade pós moderna, absolutamente plural, neoliberal, onde valores morais e éticos estão se extinguindo, ou se invertendo, quando parece que a vida perde sentido e valor, a própria existência humana deixa de ter significado, e parece não haver perspectivas. Numa sociedade em que crianças e jovens buscam saída para suas angústias e dores no suicídio, são reflexos de uma sociedade adoecida, em que falta o alicerce do transcendental.
Neste caldeirão cultural que se vive atualmente, onde as informações são abundantes, tanto as verdadeiras, como as falsas, uma miríade de ideias, de labirintos ideológicos, até mesmo dentro da própria Igreja com suas “inúmeras teologias genitivas de sujeitos – da mulher, do negro, do índio, dos LGBTQI+; e de teologias genitivas do objeto – do trabalho, da matéria, do desenvolvimento, da comunicação, etc.”, há que haver sólida formação ética e moral, em que apenas a filosofia e outras ciências humanas, isoladas da teologia, não dão conta de responder, à pessoa comum, qual o caminho a ser seguido, sem perder a sua dignidade como pessoa humana, respeitando os valores e especialmente, se comprometendo em participar, ativamente, para que haja uma sociedade justa, solidária, em que os direitos humanos, sejam respeitados e ampliados.
Diante de tudo isso, a teologia deve fazer uma reflexão crítica, pois ela nasceu a partir da própria tradição que lhe deu origem; deve examinar a coerência interna de uma determinada tradição (no caso, a cristã) e a confrontar-se com outros valores, saberes e práticas da sociedade. Obviamente que essa confrontação se dá através do diálogo com todos os saberes modernos, desde o ecumenismo, o diálogo inter-religioso, literatura, passando pela filosofia, psicologia, chegando até as ciências chamadas exatas, como a astrofísica, a cosmologia.
Ora, se o fiel não estiver devidamente preparando para compreender a toda essa ebulição a sua volta, sem desenvolver um olhar crítico, à luz da Sagrada Escritura, da Tradição e do Magistério da Igreja, sem unir fé e vida cotidiana, se inteirando dos diversos problemas sociais, políticos e econômicos, que pedem soluções imediatas, por parte especialmente dos batizados e batizadas em nome do Pai e do Filho e do Espírito Santo, ele não passará de um fiel apenas piedoso, apegado unicamente às suas orações e devoções – obviamente necessárias, mas não suficientes – acreditando que os ser humano é mal por natureza, aceitando os infortúnios como vontade ou castigo divino e que Deus o salvará da perdição, se praticar as “obrigações” determinadas pela doutrina da Igreja.
Pela Fé
No entanto, os estudos teológicos, não se baseiam apenas na razão, ou na busca de respostas racionais, para as mais diversas questões da humanidade.
Há uma força maior que impulsiona uma pessoa a querer enveredar pelos caminhos que levam a queimar neurônios, dispensar tempo e investir financeiramente, para se aprofundar neste caldo efervescente, chamado teologia; é a ousadia de querer estudar Deus, naquilo em que Ele próprio quis se revelar, através de Jesus de Nazaré, o Cristo.
Muitas vezes, se não todas, inexplicavelmente essa força impulsiona não apenas por mera curiosidade, não é apenas um devaneio, mas é a própria força do Espírito Santo, agindo em cada pessoa, para que ela manifeste o dom que recebeu de Deus, o dom de conhecer e transmitir aquilo que conheceu. Conforme declara São Paulo aos Romanos: “Usemos os diferentes dons que possuímos segundo a graça que nos foi concedida: por exemplo, a profecia regulada pela fé; o serviço para administrar; o ensinamento para ensinar; …” (Rm 12,6-7) – (grifo nosso).
O dom que se recebe, é um presente de Deus, não se pode deixar de lado, “engavetado”, é necessário, primeiro descobrir, através do discernimento no Espírito Santo, qual é o dom que se recebeu; em segundo, pô-lo em prática, pois Deus espera que cada um assuma o seu compromisso de batizado e batizada, diante do mundo, para transforma-lo no Reino de Deus, aqui e agora. o batismo recebido não é apenas um sacramento que limpa de um pecado, mas faz da pessoa, através da imersão na água, uma pessoa renovada em Cristo, transformando-a em pequeno Cristo, com sua missão específica na história da salvação, e no compromisso de implantar o Reino de Deus, aqui e agora.
Ademais, é necessário e imprescindível seguir as moções do Espírito Santo, seguir a exortação que São Paulo faz os tessalonicenses: “Não extingais o espírito” (1Tes 5,19).
Ao estudar teologia, a fé se torna mais madura, profícua e profunda, assim há uma inspiração para se formar grupos de espiritualidade, com mais consistência, não apenas devocional. Nesses grupos há partilha da fé, conhecimento e vivência religiosa. Assim a ação pastoral se torna mais ativa e ampliada, beneficiando toda a comunidade, criando um efeito cascata, que vai atingindo a diocese, a cidade, e a sociedade toda.
Sonho? Utopia? pode ser, mas o Reino de Deus é utopia. Thomas Morus, em sua obra Utopia, trata de uma ilha, com um sistema sócio político ideal, tal qual Jesus nos mostra através da leitura crítica do seu Evangelho.
Assim, se faz urgente, que o leigo, a leiga, procurem se aprofundar no grande mistério de Deus, através dos estudos teológicos de qualidade. Santo Agostinho dizia:
- Crede ut intelligas, intellige ut credas (creia para compreender, compreenda para crer”. Sermão 43, 9).
- A fé que não seja pensada não é fé (A predestinação dos santos, 2,5).
Só por essas duas frases, percebe-se a necessidade de se estudar teologia.
Portanto não podemos desprezar a solicitação e ensinamento do Santo Doutor, muito menos do Espírito Santo. Os que já passaram pelos bancos escolares, e foram imersos na imensidão do universo teológico, além de aprofundarem os seus estudos, pesquisas e conhecimentos; reconhecendo que a teologia é uma ciência como qualquer outra, e que está em constante renovação, incentivem os quem ainda não experimentaram as delícias da ousadia de estudar Deus.
A Prática
No entanto, uma vez terminado o curso, não se pode “engavetar” ou deixar apenas para si os conhecimentos adquiridos. É necessário a aplicação, daquilo que se adquiriu através da teoria, pô-la em prática. São vários os campos de aplicação, por exemplo: multiplicar os multiplicadores em cursos de formação de lideranças, participar de tarefas evangelizadoras da Igreja, nas suas múltiplas formas: na pregação, nas escolas dominicais, na catequese, nas pastorais sociais, em grupos de oração, círculos bíblicos, círculos de cultura, CBEs. Aqui nos referimos a quem fez um curso para leigos. Aqueles que foram para cursos superiores, além de colaborar com os primeiros, podem assessorar padres, bispos, dar aulas em institutos superiores, dentre outras atividades correlatas.
Findo o curso, ou mesmo no decorrer dele, o/a estudante, que, invariavelmente, já atua em alguma pastoral em sua comunidade, pode assumir, com mais qualidade, outras atividades, ou dar melhor enfoque teológico em sua atuação pastoral, como por exemplo: um olhar mais profundo nas questões sociais, assim temos a visão sócio econômica, sócio ecológica, sócio étnica; há que ter uma maior participação política, não nos referimos a política partidária, embora não há nada contra está atuação, mas é preciso esclarecer que, todo cidadão, cidadã, são agentes políticos na comunidade; podem e devem elucidar, com sabedoria e à luz da Sagrada Escritura, da Tradição e do Magistério da Igreja, a toda a comunidade, para também serem agentes de transformação, trazendo sugestões e propostas de melhorias de políticas públicas, entre outras, a serem aplicadas na comunidade.
Enfim, após ter contato mais profundo com a teologia, é necessário agir de maneira tal que se deixe de ter uma fé alienada, que a mantém distante da realidade, fazer com que as pessoas, também, evoluam, e assumam como verdadeiros cristãos, cristãs o seu compromisso de batizados, batizadas. Pois “A Messe é grande, mas os trabalhadores são poucos.” (Mt 9,36).
A Espiritualidade
Muitos acreditam que ao estudar teologia, a pessoa “perde a fé”; de certo modo, não deixa de ser verdade, perde-se a fé infantil, aquela fé dos “doze anos de idade”, em que se acreditava que Deus tudo vê e castiga ao se fazer alguma “arte”, como diziam os pais, para tentar colocar algum freio nas travessuras de crianças. Por outro lado, perde-se a fé que não era a fé que foi se fortalecendo ao longo da vida, na caminhada com Jesus, com Maria, com o Espírito Santo. Perde-se a fé superficial, a fé que ainda não saiu do comodismo, daquela fé que não se revela em ação; perde-se a fé individualista, que permanece indiferente ao sofrimento do outro e as dores alheias.
Não se perde a fé que é madura, que foi crescendo na medida em que se aproxima de Deus, através da descoberta do amor Dele para com a pessoa.
Não se perde a fé ao estudar teologia, pelo contrário, aumenta-a, solidifica-a, torna-a mais consistente, mais estável, e por certo, mais duradoura. Não mais uma fé apenas devocional, embora, necessária, mas limitada.
No entanto, a fé não se solidifica e aumenta, apenas, ao estudar teologia, ela será mais forte, porque a espiritualidade se torna mais frequente, mais consistente, desde que não se esqueça da primeira lição da primeira aula de teologia: “Teologia se faz de joelhos”. E o Papa Francisco completa a frase na sua audiência de 27 de dezembro de 2017: “fazer teologia de joelhos e com o santo povo de Deus”4. Ou seja: não se pode descurar dos momentos de silêncio, meditação, de reflexão das leituras diárias que nos propõe a Igreja. Aprimorar a Lectio Divina, ser aplicado nos exercícios espirituais diariamente, e principalmente, estar em contato com todo o povo de Deus, especialmente aquele sofrido, excluído, descartado pelo sistema, econômico, político e socialmente injusto.
Sem esses exercícios cotidianos, se perde a fé, pior, se afasta e deixa de ouvir o clamor dos pobres, os preferidos no Pai, é para esses, que a teologia deve, em primeiro lugar, servir.
Conclusão
“A teologia, por sua natureza, tem um lugar dinâmico e prático dentro da Igreja, superando certos engessamentos que podem coloca-la como mera explicitadora da doutrina; nesse lugar, é chamada a dialogar e confrontar-se com as realidades distintas e distantes da fé. Sempre inserida, a teologia se mostra como atividade investida de liberdade e responsabilidade, de crítica e de criatividade na promoção da vida que brota do Evangelho em cada realidade concreta.”5
Notas 1) João Paulo II. Carta Encíclica Fides et Ratio, Preâmbulo. 2) Lumen Gentium n.7 3) Libanio; Murad. 2011. 4) https://www.vaticannews.va/pt/papa/news/2017-12/papa--fazer-teologia-de-joelhos-e-com-o-santo-povo-de-deus.html acesso em 14/06/2020. 5) PASSOS, João Décio. Método Teológico. São Paulo: Paulinas, 2018. Coleção Teologia do Papa Francisco.