Este é o meu Corpo… Isto é o meu Sangue… fazei isto em memória de mim” (Mt 26,26)
Na próxima quinta-feira, a Igreja Católica Latina celebrará a solenidade de “Corpus Christi”. A festa de “Corpus Christi” é um convite para uma meditação sobre o valor e a importância da Eucaristia em nossas vidas. “Corpus Christi”, vem da língua latina e tem como significado: Corpo de Cristo. É uma festa que celebra a presença real de Cristo na Eucaristia.
“Corpus Christi” é celebrado 60 dias após a Páscoa e deve acontecer em uma quinta-feira. Essa obrigatoriedade é uma referência à última ceia, que aconteceu em uma quinta-feira. Um sinal importante para se definir a data de “Corpus Christi” é o Domingo da Santíssima Trindade, celebrada oito semanas depois da Páscoa. Na quinta, após o Domingo da Santíssima Trindade, acontece a festa de “Corpus Christi”. É celebrada por católicos e por algumas igrejas anglicanas, mas não faz parte do calendário religioso de cristãos ortodoxos e de outras igrejas cristãs.
É uma festa de preceito, isto é, os fiéis devem participar da celebração da Missa nesse dia. A procissão, pelas vias públicas, atende a uma recomendação do Código de Direito Canônico (Cân. 944) que determina ao Bispo diocesano que a providencie, onde for possível, “para testemunhar publicamente a veneração para com Santíssima Eucaristia, principalmente na solenidade do Corpo e Sangue de Cristo”. Em muitas cidades é costume ornamentar as ruas por onde passa a procissão com tapetes de colorido vivo e desenhos de inspiração religiosa. Esta festividade, de longa data se constitui em uma tradição no Brasil, principalmente nas cidades históricas, que se revestem de práticas antigas e tradicionais e que são embelezadas com decorações de acordo com costumes locais (cf. TEMPESTA, 2019).
Esta solenidade litúrgica do Corpo e Sangue de Cristo foi instituída no século XIII pelo Papa Urbano IV (1264), através da bula “transiturus”, de 11 de agosto de 1264. Surgiu numa época em que a maioria dos cristãos já havia perdido a compreensão do mistério presente na Eucaristia, e a entendia, quase unicamente, como um rito para mostrar que Cristo estava presente no meio de nós. A festa de Corpus Christi entra no calendário litúrgico da Igreja Católica para evidenciar e enfatizar a presença real do Senhor Jesus no pão e no cálice consagrados.
Eu sou o pão vivo descido do céu…
O texto bíblico mais evidente e claro sobre a doutrina da Eucaristia é o capítulo 6 do Evangelho de João. É um discurso Eucarístico de Jesus, que disse: “Eu sou o pão vivo descido do céu. Quem come a minha carne e bebe o meu sangue permanece em mim e eu nele” (Jo 6,56). A Eucaristia é a realização dessa promessa de Jesus: “Eis que estarei convosco até a consumação dos séculos” (Mt 28).
Santo Tomás, falando sobre a Eucaristia, afirma: “Nenhum outro sacramento é mais salutar do que a eucaristia. Pois, nele os pecados são destruídos, crescem as virtudes e a alma é plenamente saciada de todos os dons espirituais”. A finalidade da Eucaristia não é fazer Cristo presente, como se, do contrário, não estivesse presente na Igreja; é fazer, de nós, o Corpo de Cristo.
A “Constituição Sacrosanctum Concilium Sobre a Sagrada Liturgia”, nº 7 diz, muito claramente, que há vários modos da presença de Cristo na liturgia. Cristo está presente, substancialmente, nas espécies eucarísticas do pão e do vinho. Está também presente na pessoa do padre que preside, porém, o verdadeiro celebrante da missa é o próprio Cristo, o padre é seu ministro, seu instrumento visível, e como tal, deve “desaparecer” para que Cristo transpareça.
O sacramento da Eucaristia é a síntese e o cume para onde tendem todos os mistérios
O centro de nossa fé é o mistério pascal de Cristo: sua paixão, morte e ressurreição. Ora, a Eucaristia é o memorial dessa Páscoa de Cristo, o sacramento que nos faz participar desse momento culminante de toda a história da salvação. A Eucaristia é o alimento que nos permite crescer como Corpo de Cristo. A propósito, diz Santo Agostinho num sermão dirigido aos recém-batizados:
“Este pão que vedes sobre o altar, santificado pela palavra de Deus, é o corpo de Cristo. Este cálice, ou antes, o que o cálice contém, santificado pela palavra de Deus, é o sangue de Cristo. Cristo Senhor quis, por meio destas coisas, deixar-nos o seu corpo e o seu sangue, que por nós derramou em remissão dos pecados. Se o recebestes bem, sois o que recebestes. Diz, com efeito, o Apóstolo: ‘Somos muitos, mas somos um só pão e um só corpo’. Assim expus o sacramento da mesa do Senhor: ‘Somos muitos, mas somos um só pão e um só corpo’. Com este pão se vos mostra quanto deveis prezar e amar a unidade”.
Agostinho de Hipona, 412 p,918
Ao dizer “sois o que recebestes” e, imediatamente passar ao “somos um só pão e um só corpo”, o bispo de Hipona representa a grande tradição patrística, que compreende a eucaristia e o efeito de graça que causa em cada fiel em profunda relação com a unidade eclesial. Ao celebrar e consumir, em comum, o corpo sacramental de Cristo, os crentes são assimilados ao Salvador, constituem seu corpo eclesial e integram-se no perfeito oferecimento que Cristo faz de si mesmo ao Pai. Consequentemente, os frutos espirituais colhidos pelos fiéis na participação destes mistérios, segundo Agostinho, ligam-se diretamente à vivência da comunhão eclesial, como seu reforço ou fruição: concórdia, justiça, saciedade, misericórdia e paz (cf. COLA, 2014, p.58).
É na Eucaristia que fazemos a experiência de ser curados das nossas enfermidades. “É no sacrifício eucarístico, fonte e ponto culminante de toda a vida cristã, que nos oferecemos a Deus, a Vítima divina, e a nós mesmos, com ela, por Cristo” (LG 11). É o momento propício para nos deixarmos ser amados e tocados por Jesus Cristo, e aí, nesse momento, acontece um milagre.
A propósito do milagre, o Papa Bento XVI dizia que é na Eucaristia que se dá o momento decisivo do encontro pessoal e direto, entre o Senhor e o homem que sofre. Encontram-se um diante do outro: Deus com a sua vontade de curar e o homem com o seu desejo de ser curado. Duas liberdades, duas vontades convergentes. Quando essas duas vontades se encontram, acontece o milagre.
Que nesse dia possamos, diante do Sacrário, adorar o Cristo presença-presente e levá-lo para a nossa vida, santificando o mundo, fazendo de todos os batizados, autênticos discípulos-missionários para que todos possam experimentar a vida plena que brota do amor de Deus que se dá a nós, sem mérito algum nosso, o Pão da Vida Eterna.
Referências: ADAM, Adolf. O Ano Litúrgico. São Paulo, Edições Paulina, 1982. AGOSTINHO DE HIPONA, “Sermão 227”. In: AL, p. 918. BÍBLIA de Jerusalém. São Paulo: Paulus, 2002. BÍBLIA do Peregrino. São Paulo: Paulus, 3ª edição, 2017. COLA, Gustavo Correa. A reunião cristã como sacramento do desígnio divino de salvação: teologia da assembleia litúrgica. Atualidade Teológica, Rio de Janeiro, v.46, p. 195-212, jan./abr.2014. CONSTITUIÇÃO PASTORAL Lumen Gentium. Documentos do Concílio Ecumênico Vaticano. São Paulo: Paulus, 1997. PAGOLA, José Antonio. O Caminho aberto por Jesus: Marcos. Petrópolis: Vozes, 2013. TABORDA, Francisco. Valorizar o sentido mais profundo da Eucaristia. Revista Vida Pastoral - ano 54 - número 291. TEMPESTA, Cardeal Orani João. CORPUS CHRISTI. >https://www.cnbb.org.br/corpus-christi-6/> Acesso em 20 de maio de 2021.