311. Os anjos e os homens, criaturas inteligentes e livres, devem caminhar para o seu último destino por livre escolha e amor preferencial. Podem, por conseguinte, desviar-se. De fato, pecaram. Foi assim que entrou no mundo o mal moral, incomensuravelmente mais grave que o mal físico. Deus não é, de modo algum, nem direta nem indiretamente, causa do mal moral (151). No entanto, permite-o por respeito pela liberdade da sua criatura e misteriosamente sabe tirar dele o bem: «Deus todo-poderoso […] sendo soberanamente bom, nunca permitiria que qualquer mal existisse nas suas obras se não fosse suficientemente poderoso e bom para do próprio mal, fazer surgir o bem» (152).
Catecismo da Igreja Católica 311
O mal sempre foi visto como um absurdo, algo que se opõe a racionalidade do homem e que se apresenta à consciência como aquilo que não deveria existir. Também sempre foi considerado um problema central na Filosofia e Teologia. Ambas as áreas se depararam, no decorrer de seu desenvolvimento, com sua problemática.
O mal na Filosofia
Na história da filosofia ocidental, o mal tem sido analisado em três dimensões: o mal metafísico, o mal físico e o mal moral. São três vertentes da mesma raiz.
O mal metafísico tem por referência a finitude do homem. O caráter provisório de tudo o que existe. A predestinação do ser humano à morte. Desde que o homem se apoderou de sua consciência e reconheceu suas faculdades intelectuais existe a busca pela compreensão deste mal, a fim de combatê-lo e superá-lo.
O mal físico se instala na esfera existencial: se apresenta como dor e sofrimento dos animais e, principalmente, do ser humano. O mal, como sofrimento, tem diversas representações e, a cada uma delas, diferentes modos de vivenciá-las. Cada ser humano padece seus próprios males, e sofre de maneira particular, motivo este que torna o sofrimento não passível de ser classificado de maneira geral.
O mal moral, por sua vez, está em conexão com a liberdade e responsabilidade do homem. Podemos resumir que o mal é produto de ações humanas, como a injustiça e a opressão. Dessa forma surge a “maldade” como atributo humano e com ela a consciência da culpa e do pecado. Ao mesmo tempo, e em contrapartida, o anseio pela justiça e o perdão aparecem.
O mal na Teologia
No âmbito religioso, o mal é um elemento presente desde as civilizações mais primitivas. O problema do mal é tão importante nas tradições bíblicas que toca a imagem da divindade, do mundo e do homem. A teologia judaico-cristã têm no mal um importante assunto a ser esclarecido, pois levanta a questão de um Deus bom, mau ou impotente. Ambas as tradições religiosas respondem a um mal que diz respeito a própria identidade do ser divino.
As aspirações do ser humano buscam por algo que dê sentido a realidade e a sua própria história; que possa salvá-lo e, através dos seus esforços e orações, poupá-lo do mal. No entanto, inserido nesta busca, o homem, além do amor, encontra também o medo, ambos experimentados em correlação com a divindade, pois aqui se atribui também a forma humana de experimentar a Deus. E então surge a pergunta: Deus suscita em nós amor e o ódio ou somos nós que projetamos esses sentimentos nele?
Teodicéia
A teodicéia, formulada originalmente por Leibniz, surge como tentativa de conciliar a existência de Deus com o mal, tornando-o compreensível à razão, e ainda como tentativa de responder a clássica formulação de Boécio: “Se Deus existe, de onde provém o mal? Se Deus não existe, de onde provém o bem?”.
Ao longo da incursão histórica, surgiram diferentes modelos de teodicéias, dentre elas quatro paradigmáticas:
- a relativização o mal » Essa relativização minimiza o sofrimento, além de não resolver a questão da origem do mal;
- dualista » O bem e o mal possuem um princípio (divino) constitutivo cada um;
- o peso do mal no homem » O homem se torna um agente do mal e único responsável pelos sofrimentos, que podem ser convertidos em instrumentos de purificação e mérito diante de Deus;
- limitar a onipotência divina » Deus, ao criar, respeita o que é composto de bem e mal.
As quatro soluções acima admitem muitas alternativas, mas fracassam ao explicar o porquê e o para quê do mal. Talvez essa possa ser uma conclusão onde o abandono da teodicéia possa ser a melhor alternativa para a realidade. O homem, e não Deus, é quem tem de se justificar perante o mal. A responsabilidade da teodicéia é transferida para uma antropodicéia, e o homem fracassa não só ao explicar o porquê e o para quê do mal, como também fracassa na intenção e esforço de dominá-lo.
Conclusão
A origem, a substância e o significado do mal não tem uma resposta lógica. São perguntas sem respostas possíveis, mas que o homem não pode deixar de se fazer. O mal resiste a qualquer explicação e permanece como algo não racionalizável. Qualquer especulação acerca do mal se depara com sua dimensão existencial e cai no ridículo à vista do sofrimento. Por isso a teodicéia é inevitável como interpelação e queixa existencial, mas impertinente como resposta. O mal é injustificável não apenas para o homem, mas também para Deus, e é por esta razão que devemos repelir qualquer estratégia que tente conciliá-los, pois implicaria numa legitimação do mal.
Referencia ESTRADA, Juan Antonio. A impossível teodicéia: A crise da fé em Deus e o problema do mal. São Paulo: Paulinas, 2004.