Santíssima Trindade

Católicos foram e são, por muitos, considerados politeístas, pelo fato da crença em um Deus presente em três Pessoas. É verdade que, racionalmente, não se pode conceber a possibilidade de um ser único também ser três. Portanto, para esses, adoramos a três deuses: o Pai, O Filho e o Espírito Santo.

É pela revelação de Deus na história que o Magistério da Igreja, lá no seu início, estabeleceu uma definição teológica-filosófica – alcançável pela fé – da união do que é distinto, mas que por outro lado tem uma mesma e única origem.

252. A Igreja utiliza o termo «substância» (às vezes também traduzido por «essência» ou «natureza») para designar o ser divino na sua unidade; o termo «pessoa» ou «hipóstase» para designar o Pai, o Filho e o Espírito Santo na distinção real entre Si; e o termo «relação» para designar o fato de que a sua distinção reside na referência recíproca de uns aos outros.

253. A Trindade é una. Nós não confessamos três deuses, mas um só Deus em três pessoas: «a Trindade consubstancial» (DS 421). As pessoas divinas não dividem entre Si a divindade única: cada uma delas é Deus por inteiro: «O Pai é aquilo mesmo que o Filho, o Filho aquilo mesmo que o Pai, o Pai e o Filho aquilo mesmo que o Espírito Santo, ou seja, um único Deus por natureza» (DS 530). «Cada uma das três pessoas é esta realidade, quer dizer, a substância, a essência ou a natureza divina» (DS 804).

Catecismo da Igreja Católica, 252 e 253

Complexo? São Patrício achou que sim, por isso, já no século V, apanhou da relva um trevo para explicar de maneira um tanto simples, pela sua tríplice folha numa única haste, a doutrina da Santíssima Trindade. Quer dizer, um único Deus (uma só haste) em três Pessoas realmente distintas (as três folhas do trevo): Deus Pai, Deus Filho e Deus Espírito Santo.

Vestígios da trindade no Antigo Testamento

A Trindade esteve velada no Antigo Testamento, mas, sem dúvida, presente. Era a vez do Pai, como criador, ser o protagonista de toda uma era. Ainda assim, encontramos vestígios dessa família de amor que são as três Pessoas da Trindade:

  1. No primeiro relato da Criação (Gênesis 1-2,3), Deus aparece com o nome de Elohim (Plural de El = Deus em hebraico), usado quase sempre como o nome próprio de Deus e acompanhado do verbo no singular, ex: Elohim (Deus) abençoou o sétimo dia (Gn 2,3).
  2. Ainda no primeiro relato da criação, logo em Gn 1,2, lemos que o espírito (sopro) de Deus agitava a superfície das águas.
  3. Gn 11 mostra o descontentamento de Deus com a torre de Babel e diz “desçamos” (no plural) do céu para confundir a língua humana.
  4. Em Gn 18,2 Abraão recebe a visita de Javé, porém Abraão vê três homens.
  5. Teólogos se referem ao Salmo 110 como um diálogo do Pai com o Filho.
  6. O quarto cântico do Servo, em Isaías 52,13ss, parece preanunciar o roteiro da Paixão do Cristo.
  7. Em Isaías 63,10 lemos: “Mas eles se rebelaram e magoaram o seu Espírito Santo”.

Atribuições da Trindade

Um exercício de lógica agora: o Pai não é o Filho, o Filho não é o Pai, e o Espírito Santo não é o Filho e nem o Pai, mas os três são um único Deus. Consubstancial entre si, cada Pessoa da Trindade possui uma exclusiva atribuição na história da humanidade:

  • Pai (não gerado, nem criado, mas eterno) atribui-se a Criação.
  • Filho (não criado, mas gerado) atribui-se a Redenção.
  • Espírito Santo (consubstancial ao Pai e ao Filho) atribui-se a Santificação.

Evidências da trindade no Novo Testamento

Enquanto a Trindade esteve velada no Antigo Testamento, no Novo Testamento ela foi desvelada por Jesus. Jesus a todo momento deixava claro que veio ao mundo para fazer a vontade do Pai (Mt 12,50; Jo 5,30) e prometeu, após a sua ascensão, o Paráclito (Jo 14,16; 16,7), esse nome grego que significa defensor é aqui utilizado para definir o Espírito Santo. E, claro, o mandato de Jesus para que todos os povos fossem evangelizados e batizados em nome do Pai, e do Filho e do Espírito Santo (Mt 28,19).

Heresias

Ainda que o conceito sobre a Trindade era (e sempre será) um grande mistério, a comunidade apostólica perseverava na fé e caminhava cada vez mais para uma contemplação mística dessa verdade revelada. No entanto, dentro mesmo da esfera eclesiástica, começaram a surgir novas teorias, pondo em dúvida, por exemplo, a natureza humana de Jesus.

Começaram a aparecer pensamentos heréticos, ou seja, Heresias (palavra grega que significa pegar/roubar uma parte do todo) que questionavam os pilares da fé. Talvez uma das heresias mais famosas foi a do sacerdote Ário (o arianismo), no início do século IV. O arianismo defende que Jesus é criatura do Pai e que, portanto, não possui a mesma substância divina.

Santo Atanásio, numa carta a seu amigo, o bispo Serapião, rebate a heresia de Ário escrevendo uma belíssima síntese: “A nossa fé é esta: cremos na Trindade santa e perfeita que é o Pai, o Filho e o Espírito Santo; nela não há mistura alguma de elemento estranho; não se compõe de Criador e criatura; mas toda ela é potência e força operativa; uma só é sua natureza, uma só é sua eficiência e ação. O Pai cria todas as coisas por meio do Verbo, no Espírito Santo; e deste modo, se afirma a unidade da Santíssima Trindade. Por isso, proclama-se na Igreja um só Deus, que reina sobre tudo, age em tudo e permanece em todas as coisas (Ef 4,6). Reina sobre tudo como Pai, princípio e origem; age em tudo, isto é, por meio do Verbo; e permanece em todas as coisas no Espírito Santo”.

Concílios

Além do arianismo, outras heresias trinitárias (a respeito da Santíssima Trindade), cristológicas (a respeito de Cristo) ou pneumatológicas (a respeito do Espírito Santo) confundiam a Igreja e dividiam opiniões. E para resolver esses embates, a Igreja se reunia em grandes reuniões, chamados de Concílios. E foi logo no primeiro concílio, de Nicea (325), se estendendo para o segundo, em Constantinopla (381), que o dogma da Santíssima Trindade foi instituído. A partir desses dois concílios a Igreja formulou o Credo Niceno-Constantinopolitano.

PROFISSÃO DE FÉ

Creio em um só Deus, Pai todo-poderoso, criador do céu e da terra, de todas as coisas visíveis e invisíveis.

Creio em um só Senhor, Jesus Cristo, Filho Unigênito de Deus, nascido do Pai antes de todos os séculos: Deus de Deus, luz da luz, Deus verdadeiro de Deus verdadeiro, gerado, não criado, consubstancial ao Pai! Por ele todas as coisas foram feitas. E por nós, homens, e para nossa salvação, desceu dos céus, e se encarnou pelo Espírito Santo no seio da Virgem Maria, e se fez homem. Também por nós foi crucificado, sob Pôncio Pilatos; padeceu e foi sepultado. Ressuscitou ao terceiro dia, conforme as Escrituras, e subiu aos céus, onde está sentado à direita do Pai. E de novo há de vir, em sua glória, para julgar os vivos e os mortos; e o seu reino não terá fim.

Creio no Espírito Santo, Senhor que dá a vida, e procede do Pai e do Filho; e com o Pai e o Filho é adorado e glorificado: ele que falou pelos profetas.

Creio na Igreja: una, santa, católica e apostólica. Professo um só batismo para remissão dos pecados. E espero a ressurreição dos mortos e a vida do mundo que há de vir. Amém.

Símbolo Niceno-Constantinopolitano

Festa da Santíssima Trindade

A Tradição da Igreja aponta que os primeiros testemunhos de uma festa litúrgica à Santíssima Trindade aparecem somente no século XI. Sobretudo aparece pela oposição do Papa Alexandre II à festa, com a justificativa de que “não é costume de Roma dedicar um dia especial ao culto da Santíssima Trindade, porque, a bem da verdade, todos os dias são a ela consagrados. Alguns desenvolveram o costume de celebrar a festa da Santa Trindade na oitava de Pentecostes, outros, no último dia do ano eclesiástico. Este não é o costume da Igreja romana”1. A festa, no entanto, caiu no gosto do povo e foi sendo celebrada até que o Papa João XXII, em 1334, aprovou-a, fixando sua celebração para o domingo depois de Pentecostes.

O consolo que vem de Agostinho

“Onde existe o Amor, existe a Trindade: um que ama, um que é amado e uma fonte de amor.” Sto Agostinho

Ainda que tenhamos falado muito e pouco compreendamos sobre o mistério da Santíssima Trindade, resta-nos um consolo, que vem de Santo Agostinho:

Aconteceu que num lindo dia de verão Santo Agostinho estava andando sozinho pela praia.

O sol brilhava no oceano e na areia branca. De vez em quando uma gaivota voava no céu ou tirava um rasante das ondas. Pequenos flocos de nuvens macias flutuavam no azul do céu, e o sussurro das águas era o único barulho.

Agostinho, solitário, refletia profundamente sobre um assunto que nem ele podia entender, embora fosse um dos homens mais inteligentes e cultos. Ponderava sobre os atos de Deus, tentando ver o interior de seu significado oculto. Lutava para compreender o Plano Divino por trás dos acontecimentos, e seu coração se enchia de frustração e angústia por não conseguir encontrar explicações claras.

De repente ele se aproximou de um menininho que cavara um buraco na areia. Ele enchia um pequeno balde na beira da praia, corria e o esvaziava no buraco, então retornava para buscar mais água do mar. Balde após balde, ele derramava no buraco.

– O que está fazendo, menino? – perguntou Agostinho.

A criança não mostrou nenhuma surpresa com a pergunta, nem mesmo ergueu a cabeça.

– Vou esvaziar a água do mar por este buraco, – respondeu ele.

– Isto é impossível, meu pequeno! – exclamou o santo, com um sorriso.

O menino olhou para o seu rosto.

– Da mesma forma que não dá para entender todos os mistérios de Deus, – respondeu baixinho.

Santo Agostinho foi atingido pela verdade daquelas simples palavras. Seu coração estava humilhado. Nesse instante a frustração deixou sua mente. Ele cobriu os olhos com as mãos e sentiu-se agradecido, pois a fé pôde preencher o vazio onde o entendimento não se bastava.

Ao levantar a cabeça depois de alguns instantes, deu-se conta de que estava só, com o céu e o mar. O menino não estava mais ali.

Notas
1) http://arquidioceselondrina.com.br/2017/06/09/solenidade-da-santissima-trindade/ acessado em 02/06/2020 às 00:40
Referências
CATECISMO DA IGREJA CATÓLICA. São Paulo: Loyola, 2000.
RODGERS, Pe. Jack. São Patrício. Uma vida missionária. São Paulo: Artpress, 2006
BENNETT, William J. O livro das virtudes. Rio de Janeiro: Editora Nova Fronteira, 1995.

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