“Theotókos”: Mãe de Deus!

Estamos vivendo o tempo do adventum: esperançosos, ansiosos e alegres, na expectativa da chegada de Nosso Senhor Jesus Cristo.

“Para tudo há um tempo, para cada coisa há um momento debaixo do céu: tempo de nascer e tempo de morrer, tempo de chorar e tempo de rir, tempo de abraçar, tempo de amar e tempo de odiar; tempo de guerra e tempo de paz” (c.f. Ecl 3,1-8). O Advento é o tempo da esperança por criar em nós uma grande e alegre expectativa: esperar Jesus que virá.

Essa é a nossa fé, ainda que vivamos, cotidianamente, momentos difíceis: quer pela possibilidade, cada vez mais real da contaminação pelo Coronavírus, quer pelos desafios que o distanciamento social provoca em nossas relações.

Nas palavras do Cardeal Cantalamessa: “A pandemia trouxe à tona a precariedade e a transitoriedade de todas as coisas. Eis que, de repente, tudo o que dávamos por pressuposto se revelou frágil, como uma fina camada de gelo sobre a qual patinamos alegremente, que, improvisadamente, rompe-se sob os pés e afundamos” (CANTALAMESSA, 2020).

Mas porque temos fé, esperamos e rezamos, clamando ajuda dos céus. Por isso somos, instintivamente, levados, em nossas orações, à presença da Virgem Maria, a Mãe de Deus, aquela que nunca nos abandonou, e que intercede por nós, junto ao seu amado Filho, Jesus.

A mais antiga oração mariana é denominada pelas suas primeiras palavras “Sub tuum praesidium” -à Vossa proteção. Sua composição é, possivelmente, proveniente da região do Egito (Alexandria), datada por volta do século III. Pesquisas indicam que ela foi composta quando a comunidade cristã estava ameaçada por um grave perigo e se refugiou sob a proteção da Mãe de Jesus. Desse modo encontramos uma expressão da confiança dos fiéis que esperam ser atendidos pela Virgem Maria – “não desprezeis as nossas súplicas”, em situação de profunda fragilidade – “livrai-nos sempre de todos os perigos” (COSTA, 2020).

A literatura mariana é, além de vasta, riquíssima. O enfoque que será abordado, neste texto, é sobre Maria, a “Mãe de Deus”, a mulher escolhida, pelo Pai, para gestar, em seu ventre: Jesus.

A Igreja primitiva resumiu a maternidade de Maria em uma única palavra – Theotókos

O título “Mãe de Deus” não significa que Maria, de alguma forma, existiu diante de Deus ou criou Deus, mas que Maria deu à luz, Jesus, que é totalmente Deus e totalmente humano.

“Chamada nos evangelhos «a Mãe de Jesus» (Jo 2, 1. 19, 25), Maria é aclamada sob o impulso do Espírito Santo e, desde antes do nascimento do seu Filho, como «a Mãe do meu Senhor» (Lc 1, 43). Com efeito, Aquele que Ela concebeu como homem por obra do Espírito Santo, e que Se tornou verdadeiramente seu Filho segundo a carne, não é outro senão o Filho eterno do Pai, a segunda pessoa da Santíssima Trindade. A Igreja confessa que Maria é, verdadeiramente, Mãe de Deus «Theotókos»” (CIC 495).

Desde o século V, o termo Theotókos já é usado pela comunidade cristã para se dirigir a Maria. “A contemplação do mistério do nascimento do Salvador tem levado o povo cristão não só a dirigir-se a Virgem Santa como a Mãe de Jesus, como também a reconhecê-la como Mãe de Deus. Essa verdade foi aprofundada e compreendida como pertencente ao patrimônio da fé da Igreja, já desde os primeiros séculos da era cristã, até ser solenemente proclamada pelo Concílio de Éfeso no ano 431” (JOÃO PAULO II, 2017, p.119).

O que significa Theotókos

A expressão Theotókos, que literalmente significa “aquela que gerou Deus”, a genitora de Deus, é uma palavra grega; só é usada em referência à Maria e está presente no vocabulário cristão em todas as línguas. “A resposta da fé da Igreja é clara: a maternidade divina de Maria refere-se só a geração humana do Filho de Deus e não, ao contrário, à sua geração divina. O Filho de Deus foi desde sempre gerado por Deus Pai e é Lhe consubstancial. Nessa geração eterna, Maria não desempenha, evidentemente, nenhum papel” (c.f JOÃO PAULO II, 2017, p.120).

A Palavra de Deus […] foi gerada de alguma forma inefável (para além de toda compreensão) […] concebida como o próprio Deus gerador, pois é por isso que ele também é chamado Filho de Deus […]. Ele foi feito, portanto, homem, passando por um nascimento segundo a carne por meio de uma mulher; mas, por causa de sua assunção, a Virgem Santa acabou se unindo a ele na verdade: por essa razão que se diz que a virgem santa é Theotókos, pois esta forneceu a ele um corpo carnal e uma sabedoria humana […] Portanto, o verbo era Deus, mas também se fez homem, uma vez que Ele nasceu segundo a carne, em virtude da natureza humana, por meio de Theotókos.

CAMPOS, 2015
Theotókos é a garantia da realidade da Encarnação.

A Encarnação de Jesus, compreendida como uma iniciativa divina, inaugurou a “plenitude dos tempos”. Maria surge, nesse momento, como a representante mais digna de toda a humanidade, sobre a qual o Espírito de Deus pousou e fez frutificar o mistério. Ela é a mulher, ao mesmo tempo, mãe e esposa: ponto de origem do homem novo, figura referencial de toda a natureza e missão da Igreja. Com efeito, Deus trata Maria como pessoa livre e responsável, e não realiza a Encarnação de seu Filho, senão depois de ter obtido o seu consentimento.

A ação da Encarnação está vinculada, eternamente, à Redenção. São um só ato do amor divino, que redime o ser humano no Filho e pelo Filho, o “Fiat” de Maria a vinculou, inseparavelmente, a essa iniciativa de Deus. Sua colaboração vai continuar até que a “plenitude dos tempos” atinja sua parusia, quando tudo e todos estiverem reconciliados e recapitulados em Cristo (Col 1,12-20).

“Quando, porém, chegou a plenitude do tempo, enviou Deus seu Filho, nascido de mulher, nascido sob a Lei, para resgatar os que estavam sob a Lei, a fim de que recebêssemos a adoção filial” (Gal 4,4-5). O protagonista é o próprio Deus, que em sua livre iniciativa, enviou o seu Filho e com ele o Espírito Santo, aos nossos corações. O Filho de Deus se integrou plenamente ao processo de geração e à história da humanidade. Sua humanização não é um fim em si mesma. A finalidade é levar o homem a uma radical mudança, transformando a vida humana, a partir de dentro, dos corações, participando-nos o ser de Filho de Deus. “Fez-se como nós para fazer-nos como ele: filho no Filho; portanto homens livres”.

BARBAGLIO, 1991, p. 85

Lucas, em seu Evangelho, vai apresentar Jesus como o Messias Libertador e Salvador. Na narrativa do nascimento de Jesus, Lucas compreende que não seria possível que o Filho de Deus viesse ao mundo, de maneira que todos pudessem vê-lo e compreendê-lo, sem a colaboração humana. Maria, uma mulher virgem, de Nazaré, uma pequena cidade da Galileia, encontrou graça junto de Deus. O próprio Deus a visita, através do anjo Gabriel, anunciando-lhe seu plano: Conceber em seu seio, pelo poder do Espírito Santo, o Filho de Deus. Maria, radiante, diz sim a Deus.

A narrativa da Anunciação (Lc 1, 26-38)

“No sexto mês, o anjo Gabriel foi enviado por Deus […] a uma virgem […] o nome da virgem era Maria. Entrando onde ela estava, disse-lhe: “Alegra-te, cheia de graça, o Senhor está contigo”! Ela ficou intrigada […]. O Anjo, porém, acrescentou: “Não temas, Maria! Encontraste graça junto de Deus. Eis que conceberás no teu seio e darás à luz um filho, e o chamarás com o nome de Jesus. Ele será grande, será chamado Filho do Altíssimo […]. Maria, porém, disse ao anjo: “Como é que vai ser isso, se eu não conheço homem algum”? O Anjo lhe respondeu: O Espírito Santo virá sobre ti e o poder do Altíssimo vai te cobrir com sua sombra; por isso o Santo que nascer será chamado Filho de Deus […]. Disse, então, Maria: Eu sou a serva do Senhor; faça-se em mim segundo tua palavra”! E o Anjo a deixou”.

c.f. Lc 1, 26-38

Na narrativa do anúncio do nascimento de Jesus, dois aspectos merecem destaque: a concepção virginal de Maria e a ação do Espírito Santo (Lc 1,34-35). Os dois aspectos remetem ao protagonismo de Deus que se revela na história humana. O profeta Isaias afirma que a presença de Deus, muitas vezes, se dá de forma escondida, presente no insignificante e anônimo. Mas a morada de Deus, na história, não se opera de forma simples e óbvia, de tal maneira que se possa encontrá-la rápida, direta e explicitamente. Deus está na história humana, em meio a suas tensões, sofrimentos, êxitos e conflitos, mas encontrá-lo supõe desejo, busca.

A busca é um profundo tema espiritual em toda a abordagem do itinerário para chegar a Deus, em toda reflexão sobre os caminhos, sempre inéditos, de aceder a esse Deus oculto, cuja obra salvífica se dá, o mais das vezes, por caminhos que não são os nossos, como diz o profeta “Com efeito, meus pensamentos não são vossos pensamentos, e vossos caminhos não são meus caminhos” (Is 55,8). Encontrar o Deus atuante na história implica de nossa parte uma atitude de fé, aberta à novidade e ao mistério.

GUTIÉRREZ, 1992, p.112

A habitação de Deus na história atinge a plenitude da Encarnação do Filho de Deus em Maria. Na narrativa da anunciação, observa-se, em Maria, a demonstração de uma fé madura, responsável e, com certeza, ela não estava pensando somente em si mesma, mas também no seu povo que aguardava a vinda do Messias.

A fé é fundamentalmente uma atitude interior daquele que crê, daquele que confia. Santo Tomás de Aquino considera a fé como sendo o primeiro bem necessário a todo cristão, porque é pela fé que o cristão é conduzido à união com Deus. A graça não poderia agir, se faltasse fé a Maria. É pela fé que nos tornamos disponíveis a graça. A fé é a base de tudo é a primeira obra a ser cumprida. “A obra de Deus é que creiais naquele que ele enviou” (Jo 6,29). Graça e fé são os dois pilares da salvação “Pela graça sois salvos, por meio da fé, e isto não vem de nós é dom de Deus” (Ef 2,8).

IWASHITA, 2014, p.324-325

Seguindo o exemplo dos antigos cristãos do Egito, os fiéis, de todos os tempos entregam-se àquela que, sendo Mãe de Deus, pode obter do divino Filho as graças da libertação dos muitos perigos que nos rodeiam.

Peçamos à nossa mãe que interceda por nós, junto a seu Filho, rezando: “Sub tuum praesidium” – à Vossa proteção:

“À vossa proteção recorremos Santa Mãe de Deus. Não desprezeis as nossas súplicas em nossas necessidades, mas livrai-nos sempre de todos os perigos, ó Virgem gloriosa e bendita!”.

Amém!

Referências
BARBAGLIO, Giuseppe. As cartas de Paulo II. São Paulo, Loyola, 1991.
BÍBLIA de Jerusalém. São Paulo: Paulus, 2002.
BÍBLIA do Peregrino. São Paulo: Paulus, 3ª edição, 2017.
Cantalamessa, Fr. Raniero. Segunda pregação do Advento de 2020. https://www.vaticannews.va/pt/vaticano/news/2020-12/segunda-pregacao-advento-2020-raniero-cantalamessa.html. Acesso em 12 de dezembro de 2020.
CAMPOS, Ludimila Caliman. Da catacumba à basílica: Hibridismo cultural, domesticação do sagrado e conflito religioso no contexto de emergência do marianismo (séc. III-V). 2015. http://portais4.ufes.br/posgrad/teses/tese_8791_TESE%20DE%20DOUTORADO%20OFICIAL.pdf. Acesso em 8 de dezembro de 2020.
COSTA, Fr. Jonas Nogueira da Costa. A Devoção Mariana em Tempos de Pandemia. 2020. https://www.cnlb.org.br/?p=4868. Acesso em 4 de dezembro de 2020.
GUTIÉRREZ Gustavo. O Deus da Vida. São Paulo: Loyola, 1992.
IWASHITA, Pedro K. Moral e ética cristã: caminho de sabedoria em um mundo fluido e em conflito. In: Revista de Cultura Teológica. n. 84, 2014.
PAULO II, Papa João. A virgem Maria – 58 catequeses do Papa sobre a Nossa Senhora. Lorena: Cleófas, 2017.

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Uma resposta em ““Theotókos”: Mãe de Deus!”

Muito boa a abordagem sobre Maria, principalmente quando frisa que Ela se fez mãe da parte humana de Jesus; sem Ela não teria dado o inicio da historia da redenção, sem Ela…nada seríamos!
Viva nossa Mae!

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