O texto abaixo é o Segundo Capítulo da pesquisa que o autor realizou na conclusão do bacharelado em Teologia, em 2015, pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, sob o tema: O Catolicismo e a Revolução Francesa.
A propósito da participação de clérigos, bispos e abades nas instâncias e partidos políticos – que não eram somente os três como se costuma ler nos manuais de História – na época da Revolução, pode-se observar o seguinte, em termos de composição de bancadas:
- Partido Girondino (Girondins): Representava a alta burguesia. Defendia menor participação política dos trabalhadores e o afastamento gradual dos sans -culottes do comando revolucionário. Inspirado em Voltaire, defendia a Monarquia Constitucional, concentrando o poder no Parlamento. Principais lideranças: Jacques-Pierre Brissot (advogado), Jean Marie Roland (economista) e François Buzot (advogado). Eram conservadores. De direita. Ocupavam a ala direita da Assembleia.
- Partido Jacobino (Jacobins): Representava a baixa burguesia e as camadas populares francesas. Defendia maior participação popular no governo. Influência nos ideais igualitários de Rousseau. Favorável ao sufrágio universal, fim da escravidão, divisão dos três poderes e igualdade de direitos. Curiosidade: Reuniam-se no convento de Saint-Jacques, daí a designação do partido. Principais lideranças: Maximilien de Robespierre (advogado), Honoré Mirabeau (jornalista), Louis de Saint-Just, Georges Couthon (advogado) e Nicolas de Condorcet. Eram progressistas. De esquerda. Ocupavam a ala esquerda da Assembleia.
- Partido Republicano (Cordeliers): Era radical. Defendia profundas mudanças na sociedade que beneficiassem os mais pobres. Pregava a extinção da monarquia. Era ligado aos sans-culottes. Fortemente influenciado por Rousseau. Defendia a Reforma Agrária e o fim da propriedade privada. Durante a Revolução, exigiu que o rei fosse julgado e condenado.Principais lideranças: Georges Danton (advogado), Jean-Paul Marat (jornalista) e Camille Desmoulins (advogado e jornalista). É de extrema esquerda.
- Planície ou Pântano (La Plaine): Partido formado por membros do Terceiro Estado que não eram partidários de jacobinos e girondinos, seus membros eram independentes e moderados. Ideologicamente era republicano e lutava pelo fim da monarquia. Era neutro. Por sua posição política movediça e vacilante, ficou conhecido pejorativamente por pântano. Principais lideranças: Henri Grégoire (bispo de Blois) e Bertrand de Vieuzac (jurista). Era de centro. Ocupava a parte central da Assembleia.
- Monarquistas (Feuillants): Partido formado por membros da aristocracia francesa. Em suas fileiras desfilavam nobres, clérigos e membros da alta burguesia. Defendia a Monarquia Constitucional. Ideologicamente era partidário da Monarquia e da manutenção do rei Luís XVI no comando da nação. Após a prisão do rei Luís XVI, foi extinto. A maioria abandonou a França ou foi presa. Na Fase do Terror foram amplamente perseguidos. Principais lideranças: Antoine Barnave (advogado), Marquês de La Fayette, Conde de Vaublanc e Emmanuel Sieyès (abade católico).
- Enraivecidos (Enragés): Grupo de revolucionários radicais. Defendiam a igualdade civil, política e social. Desejavam o aumento dos impostos aos mais ricos. Ideologicamente defendiam a República e o fim da monarquia. Precursores dos ideais socialistas. Principais lideranças: Jacques Roux (padre) e Jean-François Varlet (escritor). Revolucionários radicais de extrema esquerda.
A menção dos partidos políticos, à primeira vista, parece despropositada. No entanto, tratando-se do tema Catolicismo e Revolução Francesa, interessa observar que os clérigos tinham participação ativa na política partidária, eis que três líderes apontados em negrito se destacavam nos três últimos partidos mencionados. Mais notadamente é a presença de oito advogados, dentre eles os mais importantes. Sempre gostaram de Política.
Das lideranças católicas ou citadas como católicas, pode-se comentar: Henri Grégoire, bispo católico, do Partido Planície, foi um dos membros decisivos na reunião do baixo clero e do Terceiro-Estado, Presente durante o famoso “juramento do jogo da Péla” Presidiu a Assembleia Nacional durante o famoso 14 de Julho de 1789, dia da tomada da Bastilha. Foi ele quem redigiu o ato da abolição do Reinado que deu lugar à proclamação da República no dia 22 de setembro 1792. Presidiu a Convenção Nacional, foi deputado e senador durante o Consulado e o Império.
Emmanuel Sieyès (abade católico) vigário do bispo de Chartres em 1787. Favorável às novas ideias, em 1789 publica um panfleto chamado O que é o terceiro Estado? que o faz famoso. Deputado pelo “Terceiro Estado”. Propõe a “Assembleia Nacional”. Redige então o juramento do Jogo da Péla (20 de junho de 1789). No período do Terror, recolheu-se ao ostracismo. Ao lado de Napoleão Bonaparte fomentou o golpe de Estado de 18 de Brumário.
Jacques Roux é considerado pela sua participação na Revolução Francesa como o pioneiro do socialismo na França. Era conhecido como “O cura vermelho”, lembrando-nos do apelido de D. Hélder Câmara – o bispo vermelho. Foi um dos padres juramentados (biografia manchada com certeza). Afirma que a burguesia mercantil era mais terrível que a “aristocracia nobiliária e sacerdotal”. Fazia intransigente combate contra o alto preço dos alimentos que punha três quartos da população sem condições de aquisição. Criticava, por isso, a liberdade pela opressão de uns sobre outros, a igualdade que não existia pois privilegiava os ricos que promovia a morte dos pobres e a República incapaz de sustar o preço dos alimentos.
Roux debatia e discordava de Fauchet, de quem falaremos logo a seguir, porque enxergava na doutrina que pregava, concepção “difusa do amor e a da fraternidade, bem como em sua deferência para com a maçonaria”. Por isso, entendia Roux haver “hipocrisia e complacência” de Fauchet “com algumas alianças aristocráticas”.
O abade Chaix, já citado no início do trabalho, faz um enaltecimento à figura de Claude Fauchet dada a sua condição de vencedor da Bastilha e um sacerdote de muito zelo evangélico, nos termos seguintes:
Ó, tu, gênio sublime (o abade Fauchet, a quem havia sido concedida uma coroa cívica) que, prestando aos Mártires da liberdade a homenagem dos sentimentos da Pátria, sofreste as contrariedades impostas pelos vis mercenários ou pelos covardes aduladores do despotismo, que não hesitaram em citar-te perante o Tribunal da Religião, desfrute para sempre das honras que mereceu tua alma cidadã. Que sejam nova joia da coroa imortal que te prepara a própria Religião, que sempre defendeste com vigor.
Abbé Chaix D’EST-ANGE
Confisco dos bens da Igreja Católica
Insatisfeito com a secularização dos bens materiais, buscou-se a secularização religiosa decretando-se também o fim dos mosteiros e conventos. Inicialmente deu-se a proibição dos votos religiosos pela Assembleia, visando a estancar a crescente renovação da vida monacal. Um decreto muito perspicaz foi aprovado, deixando livres todos os religiosos para voltarem à vida civil, quando bem quisessem. Esse decreto de 13 de fevereiro de 1790 parecia conceder liberdade a quem estava encarcerado. Estranhíssima tal percepção, a nós, que sabemos a liberdade exercida pelos que se confinam em celas por desejo próprio como meio de santificação e entrega total da vida ao Senhor. Em muitos conventos verificaram-se exemplos dignificantes de determinação. À indagação de quem desejava permanecer obediente à regra ou se retirar daquela vida enclausurada, encontraram os magistrados, muitos que permaneceram fiéis aos seus votos, principalmente nas comunidades mais pobres.
Nem tudo, no entanto, deu-se dessa forma edificante. Algumas atitudes, previsíveis em tais contextos de confronto, demonstraram a covardia e a adesão fácil aos detentores do Poder. Por exemplo,
O Prior da Abadia de Preilly assim se exprimia em nome de seus dez religiosos, anunciando a sua fuga em ré maior: “Como todos somos, escrevia ele, meus confrades e eu, zelosos partidários da Revolução atual, só esperamos o primeiro sinal para sair desta casa”. Na diocese de Blois, os religiosos, à primeira notícia do decreto, rasparam a barba, deixaram crescer o cabelo e, diz uma carta do tempo, “passeavam em trajes seculares pela cidade, manifestando vivo desejo de deixar o claustro”.
Discurso preparado para a bênção dos estandartes do distrito de São Victor. apud: SABORIT I.
O decreto que confiscara os bens da Igreja deu margem a invasões de mosteiros e igrejas . Multidões desvairadas, como não poderia deixar de ser, adentravam os edifícios religiosos e saqueavam tudo o que era possível. O sagrado era vilipendiado pelos saqueadores, estátuas, imagens e vitrais destruídos de maneira selvagem. Registros indicam que até as esculturas e estátuas dos reis de Israel, de alto valor bíblico e artístico, foram destruídas. Verdadeiro ato de vandalismo.
Uma das exigências da Revolução Francesa era a necessidade de rever a questão da propriedade. Havia por exemplo uma crítica do número de mosteiros em relação desproporcional a pequenas comunidades. As avaliações com relação à questão das propriedades mostravam que um sexto do solo francês estava nas mãos da Igreja.
Fora a questão católica, houve destruição de todos os privilégios do Rei, do Clero e da Nobreza pelos girondinos e posteriormente jacobinos. A Assembleia faz a Declaração dos Direitos do homem e cidadão. Este documento reconheceu o direito de resistir a tirania e opressão; o direito à igualdade jurídica; o direito à propriedade e a liberdade. Direitos estes que estavam ausentes na sociedade de Antigo Regime. Outra medida da foi revogação dos privilégios da Nobreza, os nobres não tinham mais o direito de explorar os servos, fim da isenção de impostos para o Clero e a Nobreza.
Constituição Civil do Clero: golpe contra a Igreja Católica
Todos os episódios narrados relativos à secularização dos bens da Igreja bem como a luta contrária à vida nos conventos eram bastante constrangedores, porém significaram apenas a preparação. O que viria depois representava o verdadeiro golpe contra a Igreja Católica: a Constituição Civil do Clero.
Bem ilustrativo do envolvimento católico nos eventos da Pátria é a narração que observamos de um antigo historiador, a respeito da bendita Constituição:
Quando os bens do clero foram nacionalizados, as vendas se multiplicaram. Os franceses tomavam posse do seu solo. Em junho, consequência lógica do confisco dos seus bens, a Assembleia votou a Constituição Civil do clero a qual tendia a libertar a Igreja francesa do poder de Roma – velha tese gálica dos burgueses da França e dos seus Parlamentos. Neste ínterim, erguem-se no Campo de Marte tribunas para 200.000 pessoas e entre as bandeiras tricolores, ao pé do altar da Pátria onde se celebra uma missa, todo um povo, vindo das províncias mais longínquas, repete o sermão que La Fayette…
RIBARD, André.
Totalmente anticatólica a Constituição Civil do Clero. Publicada em 12 de julho de 1790, era de um galicanismo extremo. Inteiramente subordinada ao poder do Estado, totalmente nacional, não há qualquer menção ao papa. Todos os bispos e padres a têm de jurar, sem o que ficam impedidos de exercer o ministério. Provocou um cisma entre os clérigos, dividindo-os entre os que eram favoráveis ao juramento previsto conforme os cânones da Constituição e os que se punham contra, por permanecerem fiéis ao papa. Mostrava-se contrariado o papa com tudo isso, ainda mais, considerando a perda dos bens e possessões territoriais. Em março de 1791 o papa Pio VI proibiu o juramento previsto na Constituição Civil, pelo breve Quod Aliquantum. Considera-se que a referida Constituição Civil do Clero foi a gota d’água que provocou a ruptura entre a Igreja e a Revolução Francesa. Alguns fatos configuraram uma contrarrevolução, por exemplo, na Vendeia e a guerrilha camponesa dos Chouans, Chouannerie, da qual participaram o clero refratário – que discordava da Constituição Civil do Clero e a aristocracia.
Em nome da Revolução levou-se a cabo na França um verdadeiro extermínio, especialmente de católicos, sobretudo no oeste e em La Vendée. No caso de La Vendeé, foi dada a ordem de eliminar as mulheres para que não pudessem trazer filhos ao mundo e mutilar os meninos para que quando maiores não se tornassem guerrilheiros. A Revolução suprimiu, sem cerimônia, o papel da Igreja na ordem social dos séculos XVIII e XIX: com o desaparecimento dos conventos e execução de milhares de sacerdotes, apesar de que, em 1789, os elementos do baixo clero tinham se unido aos Constituintes que derrubaram a antiga ordem social, desapareceram hospitais, asilos, casas de caridade, albergues, escolas. A retórica das leis humanitárias não pôde evitar que, na França, dos seus dezesseis milhões de habitantes em idade ativa, dois milhões fossem mendigos.
CRUZ, Juan.
Ainda sobre o mesmo evento, para ressaltar a crueldade praticada contra o povo católico que só queria se manter fiel à religião que sempre professara, nada mais que isso, eis um relato intitulado apropriadamente como genocídio franco-francês, que pode ter servido de inspiração aos carrascos de Adolf Hitler em sua sanha contra os judeus:
Em 1793 começa a guerra da Vendeia. A chouannerie, antes que monárquica é católica, como diz um camponês angevino ao juiz Clémenceau: “Je ne demandons point de roi. Mais je voulons nos bons prêtres”. É a recusa das consciências de aderir à religião do Estado, o direito de prestar culto a Deus de acordo com as próprias convicções que os chouans defendem. Para os vencer, é preciso “incendiar tudo”, como diz Tourreau, general-chefe do Exército do Oeste, em carta ao Comité de Salut Publique de 17 de Janeiro de 1794. E a 11 de Fevereiro o comité dá a ordem: “Écrasez totalement cette horrible Vendée”. É a hora das Colunas Infernais, que recebem do general Grignon a proclamação demencial: “Entregar às chamas tudo o que puder ser queimado, e passar ao fio da baioneta todos os habitantes. Bem sei que pode haver alguns patriotas nesta região: é igual, devemos sacrificar tudo”.
O “carniceiro de Vendeia”, Westermann, escreve a 23 de Dezembro de 1793: “Fizemos uma carnificina (boucherie) horrível. Já não há Vendeia: exterminei tudo. Deixamos de fazer prisioneiros: a piedade não é revolucionária”.
Não se trata dos excessos habituais da soldadesca. É a minuciosa execução, se ouso dizer a palavra, dos decretos da Convenção de 1 de Agosto e de 14 de Outubro de 1793: “Enviar um exército incendiário, de modo a que nenhum homem nem nenhum animal possa subsistir sobre esse solo”. Do horrível massacre, que dura quase um ano, recordemos apenas uma data: 28 de Fevereiro de 1794, quando na Igreja des Lucs os exércitos da Convenção chacinaram até a última das 110 crianças com menos de oito anos de idade.
Bibliografia (de toda a pesquisa)
Livros:
BIHMEYER,K.; TUECHLE, H.; MONS. CAMARGO, P. F. da Silveira. HISTÓRIA DA IGREJA. Vol. 3º. São Paulo: Edições Paulinas, 1964..
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FLAKE, Otto. Revolução Franceza. Tradução de Alcides Rossler. Porto Alegre: Edição da Livraria do Globo, 1937.
KNOWALES, M.D. Nova História da Igreja – IV. 2.ed. Sob direção de L.J. R. Aubert. Petrópolis: Editora Vozes, 1984.
MATOS, H. C. José. Hstória do Cristianismo – Estudos e Documentos – vol IV. Belo Horizonte, 1990.
RIBARD, André. História do povo francês. Tradução de Elias Chaves Neto. São Paulo: Editora Brasiliense Limitada, 1938.
SABORIT, I. Terradas, Religiosidade na Revolução Francesa. Rio de Janeiro: centro edelstein de pesquisas sociais, 2009.
VOVELLE, M. A Revolução Francesa, 1789 – 1799; Tradução de Mariana Echalar. São Paulo: Editora Unesp, 2012.
Web-sites:
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FIGUEIRAS, André. TOMAZINE, Daniel. CASAZZA,Ingrid. A Revolução Francesa e a Religião Católica.Disponível em www.historia.uff.br. Acesso em 26.abr.2014.
JORGENSEN, Diego de Quadros. Os caminhos do sagrado e a construção da modernidade jurídica. Disponível em
http://dspace.c3sl.ufpr.br/dspace/handle/1884/31053. Acesso em 26.abr.2014.
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