Será que estamos livres, enfim, de modelos de governo do passado que se mostraram um mal para o mundo? A sombra do tão falado partido nacionalista alemão foi de fato apagado das nossas mentes no sentido de nunca mais vermos algo assim? A Democracia conseguiu acalentar corações desejosos de uma representação em nível de sociedade?
Se para todas as perguntas acima conseguimos responder que ‘sim’, então não há com o que se preocupar. Mas, se houve algum ‘não’, ah, segure-se em seu assento, pois a calmaria do seu lindo mar azul poder-se-á transformar em agito tenebroso a ponto de fazer a embarcação naufragar.
O filme ‘A Onda’ (nome original ‘Die Welle’ – aconselho assistir) apresenta-nos uma possível realidade e, portanto, levanta um questionamento inquietante: como seria possível nos dias de hoje, com tanta informação e exemplos de um passado não tão longínquo, ainda emergir um regime de governo radical e autoritário, endossado pelo povo? A resposta pode não ser tão óbvia como parece.
Para adentrarmos na reflexão sobre a proposta que o filme aponta, fazendo uma contextualização mais atual – e sem induzir a comparações polêmicas com o atual governo brasileiro –, poderíamos tranquilamente empregar que a busca a todo custo pelo capital se tornou o nosso novo “Führer”1 (ou será que sempre foi?). E para melhor compreender o quanto este desvio nos afasta do plano original do Criador, basta lembrar que “Deus destinou a terra, com tudo o que ela contém, para o uso de todos, com equidade, sob as regras da justiça, inseparável da caridade.”2
O capital consegue reunir e prostrar pessoas se travestindo como a meta das metas. Já não é mais um meio, mas um fim de toda criatividade e esforço. Nossa luta é pela conquista do capital. Nossas ações visam o capital. Se somos generosos, é porque participamos da dinâmica da reciprocidade, ou seja, já não se leva em consideração a regra de ouro – fazendo aquilo que gostaria que fizessem a mim –, faço, na verdade, aquilo pelo qual terei um retorno de igual medida ou maior. O capital passa a ter o espaço de um ditador; onde seguimos cegamente suas ordens. Passamos, sem perceber, a fazer parte de uma espécie de ‘clube’, no qual compartilhamos a mesma bestial meta do falso sucesso.
No filme, quem não pertencesse a ‘onda’ não tinha os mesmos privilégios daqueles que pertenciam. A busca insana pelo que move o grupo significa também o desejo do poder, que acaba por excluir as classes mais fracas que não tem ou não conseguem o mesmo empenho – ou as mesmas oportunidades. Em outras palavras, a pessoa humana passa a não ter mais o valor originário, valor de criação semelhante ao seu Criador; passa a ser um produto de descarte. A dignidade do ser humano passa antes pelo crivo dos interesses, sendo irrelevante se para isto vidas sejam usadas. Afinal, o capital (ou a visão de mundo de um grupo específico) é o mais importante. Não nos esqueçamos disso. Quem não entende essa nova ótica está desfocado, fora de seu tempo, sendo um grito abafado entre a marcha dos seguidores do Führer.
A sociedade entorpecida pela ideia de que ‘tudo é normal’ participa deste processo. É como se tivéssemos sido doutrinados a não mais contestar e seguir adiante com uma dinâmica excludente e assassina. Grandes atrocidades voltam a figurar o cenário da contemporaneidade sem causar desconforto. Se tornou banal e normal assistir a TV e verificar a fome na África, a livre matança no Oriente Médio em prol de uma religiosidade pura. Tudo se faz normal desde que não atinja quem assim pensa.
A representação política fica a cargo do nosso Führer, o capital. Quem o tem, pode mais. A economia é facilmente manipulada para beneficiar os interesses, contribuindo para os adeptos do ‘clube’ e jogando na miséria os não adeptos.
Ufa! Se você leu até aqui, provavelmente terá a impressão de que tudo está perdido e corrompido. E de certa forma é isto mesmo. Desculpe a sinceridade. Mas, não perca a esperança. Existe uma (e mais…) parcela significativa – de fora do clube – que ousa levantar a voz contra o temido Führer e seus adoradores, e você bem a conhece: com vocês, a Igreja Católica, thanannn! (e isto não é uma ideia proselitista!).
Sem ideologizar, você precisa concordar comigo que a Igreja Católica, desde sua origem embrionária, esteve ao lado dos injustiçados, dos excluídos e daqueles que não tinham o perfil exigido para adentrar nos diversos ‘clubes’. É principalmente esta instituição que, ao lutar pelos menores, quer restituir a imagem de Deus presente em cada um deles. Uma luta difícil, injusta e ousada. Mas com um elemento transcendental, que impulsiona a uma reação, não permitindo que a anomalia se torne coisa comum.
Se ficou complexo (aconselho mais uma vez) assista ao filme. Depois, a você cristão, eu pergunto: qual a sua aposta? Führer vs Evangelho de Jesus Cristo. De que lado estou? Já se fez esta pergunta?
Notas 1) Führer em alemão, o "condutor", "guia", "líder" ou "chefe". Deriva do verbo führen “para conduzir”. 2) cf. GS 69 / Vat II 430
Uma resposta em “A onda (Die Welle)”
Excelente reflexão