Jesus, o ungido de Deus que veio ao mundo para curar!

…e Ele andou por toda parte fazendo o bem, e curando a todos…

At 10,38

Assim Pedro manifesta seu testemunho diante dos pagãos, quando da sua visita a Cornélio, na Cesareia. Pedro está fazendo o “primeiro anúncio” àquelas pessoas. O centro do primeiro anúncio (Kerigma) é a pessoa de Jesus Cristo, proclamando o Reino como uma nova e definitiva intervenção de Deus na história humana.

É a Ressurreição de Jesus Cristo (1Cor 15,1-4) o fato que determina a reflexão cristológica do Novo Testamento. A ressurreição, por ser um fato de caráter universal, perpassará e iluminará a leitura que os primeiros cristãos farão da história salvífica da relação de Deus com toda a humanidade. Se a ressurreição aparece na história de Jesus como a última e definitiva palavra de Deus sobre a pessoa humana, a fé cristã, então, dirá que Jesus é o princípio de todas as coisas e o desígnio do projeto salvífico de Deus desde toda a eternidade.

“O Evangelho é a experiência da história de Jesus da maneira como foi captada e compreendida por cada um dos evangelistas…A nossa reflexão da fé sobre a pessoa de Jesus Cristo não é abstrata, pois parte de uma existência histórica concreta: no homem Jesus, os homens e mulheres tocaram no Último e Definitivo; tocaram em Deus…A ressurreição é o evento que determina a reflexão cristológica de todo o Novo Testamento.”

cf. COSTA, 2009, p. 176-178

A prática de Jesus é: processual, encarnada e conflituosa (Ribeiro, 2008, p. 158-177).

As Escrituras mostram que a história crítica de Jesus se inicia muito antes; começa com o Filho de Deus encarnando-se no meio da humanidade. O Evangelho de Lucas, em seus capítulos iniciais, apresenta uma transição da história de Israel para a história de Jesus, mostrando a existência de uma continuidade progressiva na ação do Espírito de Deus, desde o início dos tempos.

Assim, Lucas, em seu Evangelho, vai apresentar Jesus como o Messias Libertador e Salvador. A proposta central de sua obra é levar o leitor a conhecer Jesus de Nazaré e tudo aquilo que diz respeito à sua vida e à sua mensagem, buscando em sua história, o significado e o sentido que leva cada discípulo a fazer seu próprio caminho, sua experiência de fé, singular e única, do encontro pessoal com Jesus Cristo. Experiência de fé pessoal, mas que se vive na relação comunitária. É na comunidade cristã, situada em cada contexto histórico, que se pratica o seguimento de Jesus.

Na consideração do processo histórico da descoberta da verdadeira mensagem de Jesus, estão presentes dois elementos inseparáveis que, para Lucas, configuram a fé cristã. O primeiro elemento é a humanidade de Jesus, isto é, tudo que nele foi se manifestando em sua vida pessoal e no seu relacionamento com as pessoas. O segundo elemento é a compreensão que os seus discípulos vão tendo, ao longo da caminhada com o mestre.

Unindo história e teologia, Lucas mostra que Cristo veio e ainda virá; está fora da história, mas age nela; é elevado e está glorioso no céu, mas ainda atua no tempo por meio do Espírito Santo. Jesus é o Salvador, não de um povo, mas de toda a humanidade. A genealogia remonta à origem da humanidade por “Jesus […] filho de Adão, Filho de Deus” (Lc 3,38).

Mantendo-se fiel à sua proposta, Lucas desenvolve sua obra apresentando variados temas, mas um se eleva acima de todos os outros: A universalidade da Salvação.

A universalidade da salvação está presente em todo o seu Evangelho. O momento atual é parte dos últimos tempos, encerra a salvação, oferecida a todos, não por causa de uma rejeição do povo eleito, mas por uma vontade divina originária. Escatologia, parusia, história da salvação e teologia, portanto, não se contrapõem na obra de Lucas, mas tendem para o verdadeiro centro da teologia lucana, que é a cristologia.

“Em Lucas, Jesus é o Senhor, na origem da salvação, assim a trajetória terrena de Jesus termina com a sua glorificação concebida como ascensão (analépsis). Os sofrimentos são uma passagem obrigatória para entrar na glória. Jesus realizou plenamente a sua existência, tornou-se o Senhor (Kýrios). A história de Jesus continua na Igreja, assim a entrada de todos no Reino de Deus está condicionada, por Lucas, a um estado de contínua conversão por parte da Igreja. Para alcançar a salvação faz-se necessário um contato frequente com a palavra de Deus, que retira a máscara dos falsos valores representados pelas riquezas e pelos vícios, e uma atitude de oração que imite bem de perto a atitude do mestre a fim de imprimir um novo dinamismo à vida cristã individual e comunitária. Portanto, a escuta da palavra pelo anúncio, o desapego dos bens terrenos, colocar-se em movimento rumo à cruz e à glória, são centrais para a conversão rumo a salvação.”

MARCONCINI, 2012, p. 159-161

A salvação, para Lucas, está ancorada, primeiramente, nas tradições do Antigo Testamento, que retratam Jesus como o Messias esperado pelo povo de Deus da Antiga Aliança. Suas narrativas mostram que Jesus é o enviado esperado, que tem a missão de iniciar a restauração de Israel, profetizada pelos profetas. Mas, também quer mostrar, que o perdão de Deus atinge também os pagãos, mostrando a universalidade da proposta do Reino de Deus.

Jesus é o Profeta de Deus

Jesus é aquele que vem para ser “uma luz para iluminar as nações” (Lc 2,32). Além disso, Lucas expõe que a mensagem de Jesus, proclamada na sinagoga de Nazaré (Lc 4, 18-22), é destinada, prioritariamente, aos excluídos, aos pobres, às mulheres e aos maus afamados, mostrando a preocupação de Deus com os humildes e oprimidos.

“O Espírito do Senhor está sobre mim, porque ele me consagrou pela unção para evangelizar os pobres, enviou-me para proclamar a libertação aos presos e aos cegos a recuperação da vista, para restituir a liberdade aos oprimidos e para proclamar um ano de graça do Senhor.”

Lc 4, 18-22

A manifestação na sinagoga de Nazaré, além de inaugurar oficialmente a missão de Jesus e apresentar seu programa, é fundamental para a compreensão de sua experiência libertadora.

“Para Lucas, é o próprio Jesus quem seleciona uma passagem do profeta Isaias e a lê às pessoas de seu povoado, para que possam entender melhor o Espírito que o anima, as preocupações que traz em seu coração a tarefa à qual quer dedicar-se de corpo e alma.”

PAGOLA, 2012, p. 79

O destaque, a diferença entre a pregação de Isaías e a de Jesus é assinalado pelo advérbio hoje (Lc 4, 21). O que era um anúncio escatológico, agora torna-se realidade histórica. Jesus afirma ter chegado a era há tanto esperada. “Hoje se cumpriu aos vossos ouvidos essa passagem da Escritura”, que ressoa na sinagoga de Nazaré e abre o tempo messiânico, a era definitiva da salvação. Jesus tem claro seu programa: semear a liberdade, a luz e a graça de Deus.

Jesus se sente “ungido pelo Espírito” de um Deus que se preocupa com os que sofrem. É esse Espírito que o impelirá a dedicar toda sua vida a libertar, aliviar, curar e perdoar todos os que o procurarem e o aceitarem. Sua preocupação primeira é com a dor, com o sofrimento humano. Jesus chama seus discípulos a cultivarem uma espiritualidade de responsabilidade absoluta, para atender à dor dos que mais sofrem.

O discurso programático de Jesus é profundamente revolucionário. Restaurar a visão, proclamar a remissão aos cativos e oprimidos, proclamar o ano aceito e trazer a boa-nova, são diferentes maneiras de descrever a libertação. Para Pagola, a “opção pelos pobres” proclamada por Jesus, é a opção do Espírito de Deus, que o animará por toda sua vida. Mas essa opção de Jesus pelos pobres, não significa privilégio, não se trata de um tratamento especial. A posição de Jesus é simples e clara.

“Jesus nunca afirmou ou louvou os pobres, pelo fato de serem pobres, por suas virtudes ou qualidades. Provavelmente aqueles camponeses não eram melhores do que os poderosos que os oprimiam; também eles abusavam dos mais fracos e exigiam o pagamento das dívidas sem compaixão alguma. Se Deus se põe do lado deles, não é porque o mereçam, mas porque precisam, são oprimidos, necessitados de justiça e, Deus, não pode reinar senão defendendo a sorte dos injustamente maltratados, fazendo justiça sobretudo àqueles a quem ninguém faz.”

PAGOLA, 2014, p. 131

Jesus revela Deus, amigo da vida

Deus quer libertar as pessoas de tudo quanto as desumaniza e as faz sofrer. Deus defende aqueles que ninguém defende! Jesus está dizendo aos seus familiares, aos seus amigos e a todos, que as coisas precisam mudar. A irrupção de Deus está pedindo uma mudança profunda, é preciso mudar a maneira de pensar e agir.

“Jesus não tem nenhuma dúvida: o que preocupa a Deus é o sofrimento dos mais desgraçados; o Deus que quer reinar entre os homens e mulheres é um Deus que cura (Ex 15,26). As fontes cristãs o afirmam unanimemente: “Percorria toda a Galileia[…] proclamando a boa notícia do reino e curando toda enfermidade e doença entre o povo” (Mt 4,23; Mc 1,39; Lc 6,18).

PAGOLA, 2014, p. 191

Trabalhando o coração dos enfermos, Jesus vai ajudando-os a acolher Deus no interior de suas experiências dolorosas, libertando-os das dores e das possessões causadas pelas enfermidades físicas e psíquicas.

“Jesus não se limitou a aliviar o sofrimento dos enfermos e endemoninhados, mas deu à sua atividade curadora uma interpretação transcendente: vê em tudo isso sinais de um mundo novo. Diante do pessimismo catastrófico que impera nos setores apocalípticos, para os quais tudo está infestado pelo mal, Jesus anuncia algo sem precedentes: Deus está aqui e reina no meio dos homens”.

PAGOLA, 2014, p. 212

Jesus sonhava com um “ser humano novo”, um ser empenhado em transformar a vida e torná-la melhor; um ser chamado a desfrutar a vida eterna aqui e agora. Jesus é um apaixonado pela vida. Sua palavra e sua atuação estão inspiradas por um só desejo: “Eu vim para que todos tenham vida” (Jo 10,10). É este seu objetivo: renovar a vida, transformá-la, torná-la mais digna e feliz para todos (cf. PAGOLA, 2012, p. 145).

Nesses tempos difíceis que estamos vivendo, não podemos nos esquecer, nem por um minuto sequer, que Deus está aqui e reina no meio de nós. É Ele que curará nossas enfermidades. Não estamos só. Não nos esqueçamos nunca de suas Palavras: Não temas! “No mundo passareis tribulações; mas tende ânimo, pois eu venci o mundo” (Jo 16,33).

Referências
BÍBLIA de Jerusalém. São Paulo: Paulus, 2002.
BÍBLIA do Peregrino. São Paulo: Paulus, 3ª edição, 2017.
COMBLIN, José. Atos dos Apóstolos. São Paulo: Fonte Editorial, 2012.
COSTA, José Anchieta Lima. Conhecer Jesus: A Cristologia ao Alcance de Todos. São Paulo: Loyola, 2009.
GUTIÉRREZ, Gustavo. O Deus da Vida. São Paulo: Loyola, 1992.
MARCONCINI, Benito. Os Evangelhos Sinóticos: Formação, Redação, Teologia. São Paulo: Paulinas, 2012.
PAGOLA, José Antonio. O Caminho aberto por Jesus: Lucas. Petrópolis: Vozes, 2012.
__. Jesus: aproximação histórica. Petrópolis: Vozes, 2014.
RIBEIRO, Claudio de Oliveira. Meus inimigos estão no poder: uma leitura do evangelho de Marcos a partir do conflito de Jesus com o centro. Estudos de Religião, Ano XXII, n. 35, p. 158-177, jul/dez. 2008

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