Introdução à Bíblia (Pt 5)

A reconstrução sob os persas (539 a.E.C. a 332 a.E.C.)

O exílio babilônico durou até 539 a.E.C. Nesse ano, Ciro, o rei da Pérsia, conquistou a Babilônia, permitindo que os judeus (e outros povos que ali viviam) voltassem para sua terra natal e refizessem sua vida social e religiosa. Estava começando a reconstrução nacional da observância da lei descrita nos livros de Esdras e Neemias.

Reconstruíram o altar dos sacrifícios, casas e o templo, o qual foi inaugurado em 515 a.E.C. Foram Zorobabel e Josué que comandaram a reconstrução do templo. Mais tarde, a cidade voltou a ter novamente muralhas, erguidas sob comando de Neemias. Esdras comandou a aplicação da observância rigorosa da lei da circuncisão, do puro e do impuro, tornando a observância da lei obrigatória para todos.

Surgiram conflitos entre os que voltaram do desterro e os que permaneciam na terra. Mais tarde, também houve conflito com os samaritanos.

O que era a província babilônica de Judá passou a ser a província persa da Judéia. Apenas trocou de dono. Como não havia mais rei, uma vez que o poder sobre o povo estava nas mãos dos persas, quem assumiu a liderança local dos judeus e com apoio persa foram os sacerdotes a partir do templo.

A defesa da identidade gerou exclusão

A reconstrução se fez em torno do templo e na dependência dos persas (Esd 7,11-26). Não foi fácil. Muitos judeus conseguiram prosperar na Babilônia e por lá ficaram. Os que voltaram encontraram uma situação muito delicada.

Houve conflitos entre os que voltaram do exílio e os que moravam e trabalhavam nas terras. Para proteger a identidade do povo judeu, houve radicalizações. O radicalismo não teve somente a boa intenção de vir em defesa da identidade do povo judeu. Estavam também outros interesses em jogo. Destacamos apenas três aspectos e que saltam aos olhos ao ler a Bíblia desse período. Cada vez mais, os estrangeiros, as mulheres e os camponeses pobres são excluídos, colocados à margem como impuros e ignorantes.

Ideologia da pureza étnica

Antes de prosseguir, vamos ler Esd 9-10 e Ne 13

Os principais motivos dessa exclusão terão sido os interesses de quem voltou do exílio. Seus antepassados, antes de serem levados como prisioneiros de guerra para a Babilônia, eram proprietários de terra. Na ausência, essas terras foram distribuídas aos pobres. Esses camponeses empobrecidos haviam inclusive contraído matrimônio com mulheres estrangeiras.

Na volta para Judá, os filhos ou netos dos antigos proprietários queriam reaver as suas terras. Como concretizaram seu projeto? Um caminho foi a ideologia da “raça pura”. Para ter direito à terra e à pertença ao povo de Israel era necessário ter pureza de raça. Consequência disso foi a expulsão das mulheres estrangeiras com seus filhos.

Mas os camponeses, especialmente os estrangeiros que já estavam integrados na vida do povo, não aceitaram essa discriminação e resistiram. A resistência a esse dogmatismo se espalha, por exemplo, no livro de Rute. Também o livro de Jonas defende a tese de que todas as nações são povo de Deus e não apenas dos judeus. Defende também a ideia de que o Deus cultuado pelos judeus é Deus de todos os povos e não refém de nenhuma nação.

As mulheres resistem

Também as mulheres resistiram. A discriminação das mulheres aumentou nesse período. A imposição da lei do puro e do impuro a partir do templo reconstruído discriminava as mulheres como impuras. Vejamos o que diz Lv 12 sobre essa questão.

A resistência contra as mulheres se espelha, por exemplo, nas novelas bíblicas, onde elas têm papeis de destaque em Rute, Ester, Judite, Cântico dos Cânticos. Aí se ressaltam suas qualidades, sua liderança, sua beleza, sua inteligência, sua solidariedade, sua defesa dos pobres e dos estrangeiros, sua valentia e sua ternura.

Também os pobres resistem

Outro grupo marginalizado pelos que voltaram do exílio foi dos pobres. Como desconhecem a lei e não tinham condições práticas para absorve-la, eram colocados à margem e considerados impuros e ignorantes. Em Ne 5,1-13, o texto mostra a situação dos camponeses empobrecidos na época persa; mas mostra, também, que os pobres não ficaram de braços cruzados. Resistiram. Também o livro de Jó é resistência contra aquela teologia que acusava pobres e doentes de serem causadores de sua própria desgraça, de serem merecedores do castigo divino. Igualmente o livro de Rute defende o direito dos pobres e dos estrangeiros.

A dominação grega (332 a.E.C. a 142 a.E.C.)

O império grego venceu os persas em 331 a.E.C. com Alexandre, o Grande. A cultura grega se expandiu com muita força. A opressão e escravidão se abateram sobre todos os territórios dominados.

Depois da morte de Alexandre, o império foi dividido entre seus generais. O Egito ficou com Ptolomeu (Lagi), enquanto a Síria e a Babilônia ficaram com o general Selêuco I. A Judéia ficou sob fogo cruzado das guerras entre Ptolomeu, no Egito e os Selêucidas na Síria.

Muitos judeus emigraram, reforçando a diáspora que já começara no exílio babilônico, quando nem todos voltaram para a Judéia. Diáspora é a dispersão e a organização de colônias judaicas fora da Judéia.

A dominação dos Ptolomeus foi de 323 a.E.C. a 198 a.E.C. Já os Selêucidas dominaram a partir de 198 a.E.C. A opressão brutal do rei Antíoco Epífanes impôs a cultura grega a ferro e fogo, reprimindo violentamente os costumes judaicos. Decretou em 167 a.E.C., a proibição do culto judaico e dedicou o templo de Jerusalém a Zeus Olímpico. Tudo isso provocou a revolta dos Macabeus, que a partir de 166 a.E.C., organizaram, armaram e lideraram as forças do povo. Depois de uma guerra violenta, finalmente conseguiram em 142 a.E.C., a autonomia da Judéia. Os relatos sobre a resistência contra a opressão selêucida estão nos dois livros dos Macabeus, que estão na “Bíblia católica”.

Qual a novidade que os gregos trazem aos judeus

Vencidos os persas pelos gregos, estes implantaram seus métodos de organização e administração. Os gregos introduziram o escravagismo na região. A pobreza aumentou. A escravidão repercutiu profundamente na vida, no dia-a-dia. Para o povo judeu era inconcebível voltar a ser escravo como no Egito. O escravo não trabalha para si, mas para o dono. A produção não fica para quem produz. Vai para o dono. Ele come, bebe, goza do bem-estar às custas do trabalho alheio.

E o povo reage, O livro de Eclesiastes reflete essa resistência. É uma crítica à dominação grega e propõe a volta a uma sociedade em que possa viver feliz, comendo, bebendo e gozando o bem-estar, fruto do próprio trabalho e não do suor dos escravos. As citações de Ecl 2,24; 3,12-14.22; 5,17; 8,15; 9,7-10, mostra como os autores insistem num novo tipo de convivência, numa vida feliz com liberdade.

Os gregos também impõem a cultura da Grécia. Ela valoriza o corpo, os jogos olímpicos, os ginásios, os grandes heróis, a vida urbana, o trabalho intelectual. Os judeus piedosos fazem frente à imposição cultural. Vejamos no livro do Eclesiástico ou Sirácida 42-50, que consta apenas na “Bíblia católica”, como apresenta “heróis” de sua história em oposição aos heróis gregos

Um período de autonomia (142 a.E.C. a 63 a.E.C.)

Depois de séculos de dominação estrangeira, a Judéia chegou a ter independência, com a restauração das leis e instituições judaicas. Essa autonomia, que teve lugar durante o governo da dinastia dos Hasmoneus, da família dos Macabeus, durou até 63 a.E.C. Houve muita corrupção e politicagem no governo hasmoneu, que incentivou os romanos para intervir na região. Em 63 a.E.C., Pompeu, general do exército romano, se apoderou de Jerusalém.

A dominação romana (63 a.E.C. até +- 476 d.E.C.)        

A partir da conquista de Jerusalém por Pompeu e do controle dos romanos, toda a região passa a ser chamada de Palestina. São vários séculos de história com expropriação de pesados tributos, com muita violência e com grandes guerras.

Herodes, o Grande, reina na Palestina de 37 a.E.C. a 4 a.E.C. foi no reinado dele, que pelo ano 6 antes do ano 1 da era cristã, que Jesus nasceu.

Movimentos rebeldes pipocavam por toda parte, sobretudo na Galiléia, terra de Jesus. Desde o período de sua infância, os movimentos rebeldes tinham se intensificado. Quando Jesus é executado pelo ano 30, Pôncio Pilatos é o procurador romano na Judéia e Samaria.

A primeira grande guerra com Roma aconteceu de 66 a 73. Entre rebeldes, o movimento dos zelotes era o mais importante. Chegaram a governar em Jerusalém de 67 a 70, quando foram vencidos pelo general Tito, que destruiu a cidade e com ela o templo. Era o fim do estado judeu. Em 73, foi vencida a última resistência dos judeus com a queda da fortaleza de Massada próxima ao mar Morto.

A segunda grande guerra com Roma foi de 132 a 135 com a derrota para os romanos, o povo judeu passa a existir apenas como nação e comunidade religiosa espalhada pelo mundo, na diáspora, e não mais como estado politicamente organizado.

Diferentemente dos gregos, os romanos usaram outra estratégia. Aceitaram como “lícita”, isto é, legal, permitida, a religião dos judeus. Deram-lhes certa liberdade de seguir seus costumes e tradições. No entanto reprimiam brutalmente qualquer movimento de rebeldia. Cobraram pesados impostos, aumentando ainda mais a pobreza. O ponto alto da dominação romana foi a total destruição de Jerusalém no ano 70.

É admirável que o povo judeu, com tudo o que sofreu e privado de seu território, tenha conseguido sobreviver como “nação”, mesmo espalhado por muitos países do mundo.

Lembrando

É importante ler a Bíblia como um documento que pretende revelar a presença de Deus na vida. Ela, antes de tudo, é uma reflexão de fé sobre a história do povo e a ação de Deus na história. Neste sentido, os textos sagrados não são simples relatos históricos. São antes uma leitura teológica, isto é, uma reflexão de fé sobre a vida, sobre a presença de Deus nos acontecimentos.

Isto não significa que não haja elementos históricos nos textos bíblicos, certamente os há, mas isso não quer dizer que sejam uma crônica, uma filmagem dos fatos, querem, sim, mostrar o sentido dos fatos.

Um exemplo é o livro de Josué, onde se relata a libertação e a partilha da terra entre tribos tenham sido tal e qual como são relatadas. É verdade que esse livro contém história muito antigas. Mas não foi escrito de uma só vez. Em cada época diferente, a redação criou uma visão dos fatos. E só chegou a ser definitivamente escrito pelo Século 4 a.E.C., depois do exílio na Babilônia. Isso quer dizer uns 900 anos separam os fatos históricos de sua descrição final no livro de Josué, uma vez que eles aconteceram ao redor de 1200 a.E.C. Esses eventos quando descritos, a intenção dos redatores foi teológica, como testemunho de fé.

Mais do que aprender a Bíblia, importa aprender dela o jeito de Deus.

Referências
BÍBLIA DE JERUSALÉM. Paulus Editora, São Paulo, 2002.
BÍBLIA DO PEREGRINO. Paulus Editora, São Paulo, 2ª Ed. 2006.
BROWN, Raymond E. FITZMYER, Joseph A. MURPHY, Roland E. (Orgs.) Novo Comentário Bíblico São Jerônimo – Antigo Testamento. Ed. Academia Cristã, Santo André; Paulus Editora, São Paulo, 2012.
GASS, Ildo Bohn. Uma introdução à Bíblia – porta de entrada. Centro de Estudos Bíblicos. São Leopoldo, 2002. Paulus. São Paulo, 2002.
TEB – Tradução Ecumênica da Bíblia – Ed. Loyola. São Paulo, 1994.
História da Tradução da Bíblia - Sociedade Bíblica do Brasil (sbb.org.br) A tradução da Bíblia por João Ferreira de Almeida - InfoEscola

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