No dia 28 de dezembro, a Igreja celebra a memória dos Santos Inocentes Mártires. Os meninos menores de dois anos que, o Rei Herodes mandou matar em Belém e seus arredores, por sentir-se enganado pelos Reis Magos, de acordo com o relato do evangelista Mateus. “Cumpriu-se, assim, o que fora dito pelo profeta Jeremias: ‘Ouviu-se uma voz em Ramá, muito choro e grande lamentação: é Raquel que chora seus filhos, e não quer ser consolada, porque já não existem” (Mt 2, 17-18).
Desde o início do cristianismo, a festa dos Santos Inocentes associou-se ao nascimento de Jesus, à encarnação do Verbo de Deus na realidade humana. A origem desta celebração é muito antiga. Aparece já no calendário cartaginês, na África do século IV, cem anos mais tarde em Roma e, depois, em toda a Igreja. Hoje, com a nova reforma litúrgica, a celebração tem caráter jubiloso e não mais de luto como o era antigamente.
Os santos inocentes são celebrados como primícias dos mártires
A Igreja honra como mártires este coro de crianças, arrancadas dos braços de suas mães em tenra idade, para escrever, com seu próprio sangue, a primeira página do livro de ouro dos mártires cristãos e merecer a glória eterna, segundo a promessa de Jesus: “Quem perder a vida por amor de mim a encontrará” (Mc 8,35).
Ao venerar essas crianças que proclamaram a glória de Deus, não com palavras, mas com o seu sangue, a Igreja quer, em primeiro lugar, levar-nos à sua imitação, sendo testemunhas de Cristo, através do martírio silencioso do cumprimento do dever quotidiano. Ao lembrar, em plena quadra natalícia, o sacrifício dessas “flores dos mártires que se fecharam para sempre no seio do frio da infidelidade” (Sto. Agostinho), a Igreja quer, também, dirigir um apelo para que se respeite a vida, sempre e em todas as suas manifestações, desde a sua origem até ao seu termo. Como lembrou o Concílio Vaticano II:
“Deus, Senhor da Vida, confiou aos homens a nobre missão de protegê-la: missão, que deve ser cumprida de modo digno do homem. Por isso, a vida, desde a concepção, deve ser amparada com o máximo cuidado: o aborto e o infanticídio são crimes abomináveis”.
cf. GS 51
Papa Francisco, em sua Carta aos bispos, por ocasião da Festa dos Santos Inocentes, realizada em 2016, lembra que:
“A nosso malgrado, o Natal é acompanhado também pelo pranto. Os evangelistas não se permitiram mascarar a realidade para a tornar mais credível ou atraente; não se permitiram criar um fraseado «bonito», mas irreal; para eles, o Natal não era um refúgio imaginário onde esconder-se perante os desafios e injustiças do seu tempo. Ao contrário, anunciam-nos o nascimento do Filho de Deus envolvido também numa tragédia de dor”.
O sangue dos mártires é semente de novos cristãos
O massacre dos inocentes demonstra a potência do mal, que permeia o coração de uma pessoa, quando está cega pelo egoísmo e pela soberba. O sentido de celebrar essa solenidade torna-se claro quando a trazemos à nossa época. Em nossos dias, esse massacre adquire significado especial, porque essas crianças, trucidadas por Herodes, prefiguram os milhões de bebês trucidados no curso de tantos conflitos em todo o mundo.
“Um gemido que podemos continuar a ouvir também hoje, que nos toca a alma e que não podemos nem queremos ignorar ou silenciar. Hoje, entre o nosso povo, ouve-se ainda a lamentação e o pranto de tantas mães, de tantas famílias, pela morte dos seus filhos inocentes. Contemplar o presépio é também contemplar este pranto, é também aprender a escutar o que acontece em redor e ter um coração sensível e aberto à dor do próximo… e é também ser capaz de reconhecer que ainda hoje se está a escrever este triste capítulo da história. Contemplar o presépio, isolando-o da vida que o circunda, seria fazer do Natal uma linda fábula que despertaria em nós bons sentimentos, mas privar-nos-ia da força criadora da Boa Nova que o Verbo Encarnado nos quer dar. E a tentação existe…”
Carta do Papa Francisco dirigida aos Bispos em 2016
Os santos inocentes continuam a falar pela vida de muitas pessoas
Na celebração desta festa está exposto o problema da dor em sua crua realidade. A tristeza, por si mesma e sem a redenção, não serve de purificação, e sim, de morte. Não havia lógica capaz de explicar as atrocidades de Herodes, e geralmente não há lógica para explicar as coisas terríveis que sucedem nesta vida. A única solução jaz no fato de que Deus existe e que a sua permanência é verdade mais firme que a da dor. Agarremo-nos ao grito; “Quem nos separará do amor de Cristo!” (cf. Rm 8,31-39).
Referências: BÍBLIA de Jerusalém. São Paulo: Paulus, 2002. BÍBLIA do Peregrino. São Paulo: Paulus, 3ª edição, 2017. CHAMPLIN, Russel Norman. O Novo Testamento: Interpretado versículo por versículo, v.1, Mateus e Marcos, São Paulo: Editora Hagnos, 2002. LOPES, Geraldo. Gaudium et Spes: texto e comentários, São Paulo: Paulinas, 2011. PAPA FRANCISCO. Carta do Papa Francisco aos bispos na Festa dos Santos Inocentes, 2016