Livros à espera de serem lidos

Você pode também escutar esta crônica na voz de “Gilberto Macedo”

Um amigo me “cutucou”:

— Me empresta as lentes que você usa para enxergar coisas tão diferentes no dia a dia? Quero ver se consigo olhar também da forma como você as descreve!

— Não precisa das minhas lentes, basta ler as mensagens que estão expostas no plano mais elevado de cada ocorrência, como se “teleprompter” fosse!

Rimos o riso de amizade de mais de quatro décadas resistente ao tempo. Pensando bem, o segredo todo está na forma de leitura feita.

Outro dia, tarde da noite, vi um ônibus lotado de jovens com mochilas, livros e cadernos. Logo me vieram à memória os tempos em que estudava na Cidade Universitária, nos anos setentas. O ônibus era o meio de transporte mais utilizado no Campus tanto para circulação interna, quanto externa. E foi nele que aprendi a ler e estudar, por falta de tempo disponível. Afinal, trabalhava de segunda a sábado, o tempo para estudos tinha que ser inventado.

Acostumei-me tanto a ler assim, que se tornou um hábito.
Aprecio ler quaisquer sejam as circunstâncias. Há pessoas que dizem não se sentir bem em ler com o veículo em movimento.

Às vezes, no ônibus ou no metrô, me pego, por falta de condições de folhear um livro, revista ou jornal, a ler os livros-pessoas ao meu redor. Como numa estante imensa enxergo, com certa desordem, livros de todo o tipo, revistas e jornais. Livros de vida longa, revistas de curta vida e jornais de existência fugaz.

Livros com a capa esmaecida pelo tempo, outros com cores vibrantes e títulos sugestivos. A curiosidade faz com que sejam abertos e lidos.

Cada pessoa é um livro cujo conteúdo só se revela a quem o abrir, ler página a página. Exige tempo, interesse e dedicação.

Nem sempre lemos os livros necessários por falta de tempo. Se fôssemos além das capas descobriríamos mundos exuberantes e riquíssimos que nos levariam ao prazer do encontro com o Belo e o Sublime.

Muitas vezes, motivados pela bem elaborada plasticidade das capas, defrontamo-nos com conteúdo ruim que pouco nos eleva e muito decepciona. Desistimos no início ou no meio da leitura e o abandonamos na estante. O que consideramos ruim pode ser bom a outros. Nossa seleção é reflexo dos nossos desejos mais profundos – nem sempre tão elevados quanto desejamos. No fundo, agimos como juiz e não como leitor comum.

Outras vezes, folheamos a revista e nos atemos às notícias sensacionalistas, aos dramas vividos por pessoas, antes insuspeitas, que se envolveram na teia do crime e da corrupção, assunto mais disseminado hoje em dia. Leitura desagradável, só trazem angústia e desilusão.

Ao olhar e ler as pessoas que comigo seguem para destinos diferentes, percebo os outros também me observando, lendo, tentando perscrutar meus pensamentos e descobrir o mistério que envolve a minha existência. Ah! Se pudessem me abrir e me folhear, descobririam um coração ávido por conhecer as pessoas, por amar mais e por exigir menos. Que derruba as barreiras do egoísmo e do orgulho, que não se rende às circunstâncias ditadas pelo mundo, nem se conforma em se esconder dos desafios.

Há que mostrar sabedoria no olhar, essência nos escritos, firmeza no agir. Importa imprimir, cada vez mais, coragem persistente nos textos que escrevemos com a vida recheada de bons propósitos, impregnar de amor a nossa alma. Amor que age, que desvenda, que desbrava, que alarga o limite das nossas fronteiras, tirando-nos das trincheiras onde deitam o medo e fraqueza. Amor que arde incessantemente, alternando chama alta e forte com chama bruxuleante e fugidia, sem jamais se apagar.

Lendo e escrevendo, aprendendo e ensinando… A partilha de pensamentos, princípios, valores e vivência sempre leva ao crescimento e ao aperfeiçoamento.

Descansemos na estante como livro à espera de alguém que nos encontre e nos folheie para descobrir o conteúdo. Alguém interessado em ir além da capa. Descobrir o significado e o pensamento contidos em cada frase.

Ao folheá-lo, o desejo é que encontre revelada em todas as páginas, não o barro e o pó, mas a especial obra da Criação “… Façamos o homem à nossa imagem e semelhança.” (Gênesis 1, 26)

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18 respostas em “Livros à espera de serem lidos”

Belíssimo texto caro Irineu !!
Viajei no tempo e espaço! Li muitos desses ” Livros ” nas minhas idas e vindas da escola. Acho que fui pouco lido, nunca se sabe. A capa não era muito interessante talvez.
Parabéns, novamente !
Continue a nos brindar com essas pérolas .
Abraço

“Tudo vale apena se a alma não é pequena…” -FP.
Parabéns meu caro, meu amigo. Não me vejo bom leitor, mas amo a disciplina do escritor ( I.U).

Primeiro; meu obrigado! Caríssimo irmão Irineu. Quanta vida descoberta nas poucas linhas “sua” que já li… “de um livro pra outro livro; nunca há mistério, mas um gosto do apreciador que se difere…” Amei o texto que finda com Gênesis

E como ralou o o amigo Irineu e fico pensando que tem muita gente que pode estudar e não estudam e nem querem trabalhar querem ficar nas costas do papai etc rsrsrs

Parabéns, Irineu 👏🏼👏🏼👏🏼 texto fantástico…
Lembrei do tempo que eu devorava livros, e viajava com eles, hoje nem tanto, mas gosto muito de leitura….
Começo com a capa, contra capa, introdução…. gosto de saborear minhas leituras…
Seus textos, estou colecionando 🤗

Parabéns, Irineu e Rodrigo ! Pai e filho conseguem fazer uso das palavras de uma forma atraente e denotadora de suas belas e firmes personalidades.Sou fã de vocês!!!

Parabéns. O pai e o filho conseguem expressar-se muito bem, brincando e manipulando as palavras que são retratos fidedignos de suas belas personaldades. Sou sua fã, Irineu e sou também sua fã, querido filho Rodrigo!

Excelente texto! Muita sabedoria, “amar mais e cobrar menos”, amar o próximo hoje em dia ficou tão distante, no mundo em que vivemos. Sempre nos surpreendendo, Parabéns!

No mundo em que vivemos não sei se “ler os livros-pessoas ao meu redor” seria tão belo e gratificante como esperado. Aliás, até sei e por isso que sonharia com essa possibilidade quando estivermos ao lado de nossos irmãos e irmãs da fé cristã, na vida eterna! Hoje em dia, infelizmente, os “livros-pessoas” estão mais para “robôs-virtuais”, sem conteúdos, sem princípios e sem amor ao próximo. Talvez por isso a importância de construir e fortalecer, cada vez mais, as famílias para que cada membro seja um livro aberto ao outro, sem página marcada, rasurada ou mofada e com a possibilidade de deixá-lo, como exemplo de leitura, para os herdeiros e/ou sucessores. Parabéns Pai!

Livros só, não instruem a gente, faz entendermos q somos a própria inspiração das revelações em seus conteúdos. Os mistérios e segredos guardados a leitura ajuda desvendar. Parabéns Irineu

Olá Irineu! Continue a demonstrar sabedoria no olhar e coração avido! Sem desistir nem no meio mem no fim, isto o fará crescer e aperfeiçoar sempre! Parabéns amigo!

Livros podem tratar de mistérios e uma vez lidos podem revelar tais mistérios, ainda que nas últimas páginas. As pessoas são mais complexas, mais misteriosas. Não sei se conseguimos decifrá-las. Mas é um bom exercício tentar.

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