Nesses tempos bicudos de pandemia do novo coronavírus, em que o distanciamento é visto como sadio e necessário, fica-se um tanto quanto confuso. É preciso frear o impulso a toda a hora!
Se na farmácia ou supermercado você encontra uma pessoa querida que não via há muito tempo, logo quer abraçar ou dar um aperto de mão, mas se controla e faz um aceno ou o cumprimenta com um sorriso. Inevitável um breve comentário sobre esse mal que a todos assola. Inevitável também falar das pessoas queridas ou famosas que partiram por terem sido infectadas pelo vírus destruidor. Todos, sem exceção, possuem conhecidos, colegas e amigos que foram vitimados.
O problema se agrava. Não há perspectivas, em curto prazo, de uma solução sanitária que encontre respaldo da maioria da população. A única certeza é de que o nosso amado país está sendo o mais atingido pela pandemia. As autoridades batem cabeça sem saber o que fazer ou fazendo o que traz penúria e fome a quem não pode ficar em casa. Os que se opõem a tais medidas restritivas não apresentam uma opção razoável que permita a adesão da maioria do povo, virando um deus nos acuda!
A certeza é a de que os vulneráveis precisam ser ajudados enquanto não se tem o controle pandêmico. Precisam de alimento antes de tudo. Vacina contra a fome não existe e nem existirá. Só um desenvolvimento que consiga suprir postos de trabalho a todos com remuneração que propicie vida digna a todos.
Estive pensando cá com os meus botões “Será que a terra que tanto abunda nesse imenso país não poderia oferecer condição de trabalho e sustento a todas as pessoas que vivem abaixo da linha da pobreza?”
Ainda pensando nessa utopia de casa e comida para todos, tomei o elevador e encontrei uma jovem vizinha e o assunto foi o sítio onde costumam passar o fim de semana. Não me lembro como começou a conversa. Uma frase dela: “O sítio fica no meio de nada. Lá não tem torre alguma. Mas é bom. A gente conversa bastante.”
A porta do elevador se abriu no andar da vizinha e o diálogo cessou. Houve a despedida de praxe. Fiquei pensando. Realmente, nesse lugar distante, só podem conversar. Uma boa prosa é antídoto contra a tristeza. Conversa sadia, animada, edificante, anima qualquer família. Se tiver alguém que saiba tocar violão (então!), a alegria fica completa.
O passado longínquo me veio à tona. Nasci e morava na chácara. Distante de tudo. Da escola, da igreja, do cinema e da praça onde fazíamos “footing“. Não media distância para frequentar. Era feliz e sabia. Tínhamos um líder. Amigos com os mesmos ideais.
Refletíamos o Evangelho de João. Havia a certeza de Deus-Amor e Vida. Ajudávamos a construir casas aos sem teto. Gritávamos contra a guerra do Vietnã. Entoávamos canções de protesto, interpretávamos, panfletávamos. Escrevíamos no jornal da região!
Amávamo-nos. Desfrutávamos de uma sadia adolescência. Sem grana, muita gana. “Duros”, pródigos na ajuda ao próximo. Não me lembro de inveja entre nós. Nem de preguiça.
O compromisso permanece: “saber o que quer e querer firmemente o que sabe”. Ensinamento do líder José encarnou em mim. Trouxe-me à cidade grande. Para mim, esse “nada” lá nos cafundós da pequena cidade tudo significou. Hoje também vivemos o outro “nada”. Em meio a tantas torres, antenas nos prédios e telhados, TV, celular, videogames, Netflix, Facebook, WhatsApp, Instagram, enfim, com toda a tecnologia, muitos vivem completamente isolados. Nada de companhia. Nada de festas. Nada de aglomeração. Nada de conversas fiadas nas calçadas. Nada de apoio espiritual presencial.
O conforto vem do diálogo com o Altíssimo que abre os céus, ao passo que tudo aqui embaixo parece fechado. A oração liberta e a alma espairece.
“Tudo posso (suportar) n’Aquele que me fortalece.” É a certeza de que o Senhor nos dota de força para superar o sofrimento diante da pandemia. Não é a promessa de poder ter tudo o que se busca.
Voltando à cidade natal de vívida lembrança. Sem exagero: experiência do Éden na pequena Andradina. Por isso, minha narrativa recorrente sobre o Reino de Deus, aqui e agora. Vem de longe: no tempo e no espaço. Muito sonho na cabeça. Pouca intriga comunitária. Nada de “mimimi”.
“Dentro de mim e de você. O Paraíso pode ser aqui”.