O Brasil, ao longo das últimas décadas, tem obtido resultados relativamente bons na tentativa de garantir o acesso à escola para todos. Contudo, a qualidade do ensino oferecido é muito baixa, comprometendo o futuro dos estudantes e o desenvolvimento tanto econômico quanto social do País. Ainda que os problemas de acesso não estejam definitivamente superados, a qualidade é o grande desafio atual da escola brasileira.
Um desafio político
Oferecer educação de qualidade a todos é uma tarefa objetivamente desafiadora para o Estado brasileiro. A doutrina social da Igreja não defende Estado mínimo ou Estado máximo, defende o Estado com o tamanho necessário para cumprir suas obrigações sociais. Pois bem, em termos educacionais, o Estado brasileiro é até menor do que precisaria ser. A falta de recursos exige uma gestão eficiente e eficaz dos recursos materiais e humanos disponíveis, que esbarra principalmente nas práticas patrimonialistas de nossa elite política. O termo patrimonialismo está sujeito a muitas críticas – e concordo com boa parte delas – mas refere-se a um processo que é bem conhecido de todos nós: a tomada de decisões políticas em função de interesses particulares dos próprios políticos, em detrimento dos interesses maiores tanto do bem comum quanto do desenvolvimento econômico e social da Nação.
A universalização da educação se ajusta bem aos interesses patrimonialistas. O político pode usar o aumento do número de vagas, do tempo de permanência na escola, da distribuição de merendas, para mostrar seu trabalho e ganhar votos. A qualidade do ensino é mais difícil de ser capitalizada. Os pais muitas vezes têm menos escolaridade que seus filhos, não conseguem acompanhar o trabalho dos professores e nem têm a percepção clara das oportunidades que os jovens estão perdendo por um ensino falho. A má qualidade caminha lado a lado, por exemplo, com a desindustrialização da economia brasileira das últimas décadas. Impacta a produtividade, a oferta de postos de trabalho e até o aumento do custo de vida, mas esses são efeitos menos percebidos, com menor impacto eleitoral. Ainda que um ensino de qualidade seja fundamental para o futuro dos jovens, das comunidades e do País, ele é pouco determinante na defesa dos interesses eleitorais de grande parte dos políticos.
Essa situação só pode ser revertida com o amadurecimento político da população e com o próprio desenvolvimento socioeconômico do País, que bem ou mal vai evidenciando os problemas e permitindo o crescimento dos movimentos sociais que pedem mudanças. O Papa Francisco refere-se a essa necessária paciência histórica ao dizer que o tempo dos processos é superior ao espaço dado pelas conjunturas.
O espaço da conjuntura nos limita, os processos ao longo do tempo nos libertam. Mas esse caminho – apesar de necessário – não leva a mudanças a curto prazo. Resta-nos assim a pergunta: o que fazer agora, como educadores, políticos ou cidadãos comprometidos com o bem comum, para enfrentar os desafios que temos nesse momento?
Superar o isolamento com a solidariedade e o compromisso
O político e o professor têm algumas características em comum. A primeira é que suas atividades são potencialmente cheias de idealismo, estão entre as mais nobres para a construção do bem comum, mas na prática frequentemente parecem se tornar o lugar onde os ideais morrem, assassinados pela corrupção, pelo fisiologismo ou pelas más condições de trabalho. A segunda é que ambos, político e professor, estão sozinhos em meio a uma ação coletiva. O professor é único diante de seus alunos, o político é único diante de seus eleitores ou de seus colegas de trabalho, que muitas vezes são seus adversários ou mantém pactos interesseiros e não confiáveis.
Diante disso, creio que existem duas atitudes fundamentais, tanto na esfera pessoal quanto ao nível da ação pública:
- A primeira é não ficar sozinho, nem deixar que o outro fique sozinho. Manter um vínculo com aquela comunidade ética que nos despertou o ideal e que agora deve nos sustentar na caminhada é um compromisso de sobrevivência tanto para professores quanto para políticos. É um compromisso para cada um de nós, que não somos professores ou políticos, mas devemos ser seus companheiros, apoiadores, críticos e incentivadores.
- A segunda atitude é sempre ter para onde olhar. Deus – agora falo em primeira pessoa, não como analista, mas como testemunha – não nos abandona, sempre nos dá um lugar, uma experiência, uma ou mais pessoas para onde olhar. Com essas pessoas, nesses lugares, que podem ser surpreendentes, aprendemos a enfrentar as dificuldades, redescobrimos o sentido das coisas, encontramos os novos caminhos a trilhar.
Construir um sujeito educativo
Além disso, no caso da escola, sempre existem experiências muito bonitas, criativas e capazes de superar as dificuldades estruturais da educação no Brasil. Elas têm em comum, a meu ver, a emergência de um sujeito, individual ou comunitário, que “faz a diferença”.
Esse sujeito pode ser um gestor, um grupo de professores, uma organização não-governamental, mas em toda experiência bem-sucedida encontramos esse agente catalisador dos processos de mudança que superam os desafios encontrados. Temos que procurar sempre construir ou apoiar a construção desses verdadeiros sujeitos educativos em nossas escolas e comunidades.
Esses sujeitos conseguem perceber de forma objetiva quais são os problemas reais encontrados na escola e reunir as pessoas num esforço de superá-los. Partem de uma percepção objetiva, não ideológica, dos problemas, pois muitas vezes damos respostas esquemáticas e falsas aos problemas por não querermos vê-los tais quais são. A partir daí, formam uma comunidade de aprendizado, unida pelo ideal de melhoria da educação, vínculos afetivos e de amizade. Criam soluções originais e práticas para os problemas.
O Pacto Educativo Global
O Papa Francisco vem chamando para um Pacto Educativo Global, que é urgente e necessário, sem dúvida. Em nossa realidade brasileira, quero insistir que um pacto educativo que não parta desses sujeitos educativos e do apoio a eles, se tornará fatalmente mais um instrumento demagógico a serviço de estratégias patrimonialistas.
Esse caminho passa pela união, não pela oposição. Num processo formativo, até as contraposições precisam ser apresentadas num contexto orgânico, para que o educando não se confunda. Consegue melhores resultados quem converte os demais, não quem se contrapõem aos demais. Nesse sentido, entendemos a insistência do Papa Francisco na construção de diálogos que levem a um verdadeiro encontro, que gera um compromisso de caminhar juntos, não um simples acordo tático que só vale enquanto nos interessa – como costumam ser os pactos políticos brasileiros.
A identidade católica: uma força e não um limite
Nesse aspecto, a identidade católica deveria ser uma riqueza que atrai aos demais. Nosso problema é que temos frequentemente uma visão normativa e moralista ou ideológica do que seja essa identidade católica.
O catolicismo deve ser, para nós, uma paixão pelo humano que contagia toda a realidade. Por isso, deveria nos abrir para o encontro com qualquer um, permitir entender e amar a qualquer um, acolhendo e corrigindo na medida do necessário. Deveria ser um fascínio pelo mundo que descobre o que existe de belo e verdadeiro em qualquer disciplina, em qualquer conhecimento.
Essa paixão pelo humano, esse fascínio pela realidade são a chave para uma educação que seja ao mesmo tempo eficiente, criativa e transformadora da sociedade.
A Quaresma está terminando, mas nosso compromisso com a educação continuará necessário…
Uma resposta em “A Campanha da Fraternidade 2022 e o Pacto Educativo Global”
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