A história sobre a solenidade de Corpus Christi

Bendito sejais, senhor, Deus do Universo, pelo pão que recebemos da Vossa bondade, fruto da terra e do trabalho humano: que agora Vos apresentamos e que para nós se vai tornar Pão da vida. Bendito seja Deus para sempre.

Bendito sejais, Senhor, Deus do universo, pelo vinho que recebemos da Vossa bondade, fruto da videira e do trabalho humano: que agora Vos apresentamos e que para nós se vai tornar Vinho da Salvação. Bendito seja Deus para sempre.


A solenidade de Corpus Christi, indo direto ao ponto, é a festa do Corpo de Cristo, presença real de Jesus na Santa Eucaristia. A base fundamental deste mistério de amor (a Eucaristia) se encontra na Última Ceia (Mt 26,26-29), quando o próprio Jesus instituiu, em memória de sua morte, o supremo e magnífico sacramento de Seu Corpo e Sangue, nos dando o seu Corpo como comida e o seu sangue como bebida.

Gosto particularmente quando, na aclamação memorial da liturgia eucarística, respondemos ao Mistério da Fé: “Todas as vezes que comemos deste pão e bebemos deste cálice, anunciamos, Senhor, a vossa morte, enquanto esperamos a vossa vinda!” Essa resposta recorda que a eucaristia é o alimento que anima o fiel a se manter em espera vigilante pela vinda de Cristo, além de também indicar que as coisas ainda se encontram incompletas por aqui. Por isso aguardamos – ansiosos – a vinda definitiva do Cristo.

Embora tenha voltado para o Pai e de lá ampara toda humanidade com o Espírito Santo, Jesus quis se fazer presente na hóstia consagrada. Esse amor de Deus pelo homem (e mulher, claro) é tão grande que, não é exagero perguntar mais uma vez: “Que é o homem para que o Senhor se lembre dele?” (salmo 8,5). Nossa retribuição frente a esse amor é mínima, e acontece de várias formas: como na prática dos sacramentos, nas tentativas de viver o Evangelho e, também, rendendo junto da Igreja um culto de latria a Deus.

Latria, Dulia e Hiperdulia

Podemos considerar essa pequena parte como um apêndice do artigo. Contudo eu acredito que fará bem constar.

A Igreja Católica possui três diferentes formas de culto: um assunto não tão disseminado, embora importante, que se faz necessário conhecer para que se possa dar respostas a questionamentos recorrentes. Vejamos:

  1. LATRIA [adorar] – Culto reservado somente a Deus, pois, somente Deus pode ser adorado. Portanto, o Corpo de Cristo, no sagrado sacramento da Eucaristia, deve ser adorado.
  2. DULIA [venerar] – Culto reservado aos Santos e Mártires, pessoas que viveram a Fé em grau heroico e, por isso, deixam o exemplo com suas vidas.
  3. HIPERDULIA [mais que venerar, sem adorar] – Culto reservado a Maria Santíssima. Por ser Mãe de Deus (Theotokos) foi preciso colocar o culto à Virgem em uma posição acima dos santos, mas sem alcançar o limite reservado somente a Deus, a latria.

Santa Juliana de Cornillon

Retornando à história sobre a solenidade de Corpus Christi, vamos começar do início. No século XII. Juliana, uma figura feminina pouco conhecida, mas à qual a Igreja deve um grande reconhecimento, primeiro pela sua santidade de vida, e também pela participação na instituição de uma das solenidades litúrgicas mais importantes do ano, a do Corpus Christi. Santa Juliana de Cornillon, também conhecida como Santa Juliana de Liège, nasceu entre 1191 e 1192 nos arredores de Liège, na Bélgica, época em que nascia também um grande movimento eucarístico, cujo centro foi a Abadia de Cornillon. Este movimento trouxe muitos costumes novos que foram introduzidos nos nossos ritos, como por exemplo a exposição e bênção do Santíssimo Sacramento, o uso dos sinos durante sua elevação na Missa e, enfim, a própria festa do Corpus Christi. Um movimento formado majoritariamente por mulheres que se dedicavam à oração e às obras de caridade.

Juliana ficou órfã com 5 anos de idade e, junto com a sua irmã Inês, foi confiada aos cuidados das monjas agostinianas do convento de Mont-Cornillon, se tornando também ela uma monja agostiniana. Com 16 anos teve uma primeira visão que, depois, se repetiu várias vezes nas suas adorações eucarísticas. A visão apresentava a lua no seu mais completo esplendor, com uma faixa escura que a atravessava. E o Senhor lhe deu a compreensão da visão: a lua simbolizava a vida da Igreja na terra e a faixa escura representava a ausência de uma festa em que os fiéis pudessem adorar a Eucaristia.

Juliana guardou durante 20 anos o segredo destas visões, partilhando apenas com outras duas fervorosas adoradoras da Eucaristia: a Beata Eva e Isabel. As três mulheres estabeleceram uma espécie de «aliança espiritual», com o propósito de glorificar o Santíssimo Sacramento. Só depois contaram para o padre João de Lausanne, pedindo que teólogos e eclesiásticos pudessem ajudar na compreensão de tudo aquilo.

O Papa Bento XVI escreve que “o que aconteceu com Juliana de Cornillon se repete frequentemente na vida dos Santos: para ter uma confirmação de que uma inspiração vem de Deus, é preciso rezar, saber esperar com paciência, procurar a amizade e o confronto com outras almas boas e submeter tudo ao juízo dos Pastores da Igreja.”

Dom Roberto de Thourotte, bispo de Liège, hesitou no início, mas foi o primeiro a instituir a solenidade do Corpus Christi na sua Diocese. Mais tarde, também outros Bispos o imitaram, estabelecendo a mesma festa nos territórios confiados aos seus cuidados pastorais.

Até aqui tudo ia bem, no entanto as provações não foram poupadas à Juliana. Ela sofreu dura oposição de alguns membros do clero e do próprio superior de quem o seu mosteiro dependia. Então, voluntariamente, Juliana deixou o convento de Mont-Cornillon com algumas companheiras e, durante 10 anos, foi hóspede dos mosteiros cistercienses. Sempre humilde, nunca tinha palavras de crítica ou de repreensão para os seus adversários. Faleceu em 1258. E na cela onde jazia foi exposto o Santíssimo Sacramento.

Transiturus de hoc mundo

Quando Juliana pediu ao seu bispo, Dom Roberto de Thourotte, para que toda a revelação que lhe fora dada pudesse ser submetida aos padres e teólogos, buscando ajuda na compreensão, um desses foi Tiago Pantaleão de Troyes, arquidiácono em Liège e, providencialmente, futuro Papa Urbano IV. O diácono Pantaleão, agora Papa Urbano IV, institui pela bula Transiturus de hoc mundo, de 11 de agosto de 1264, a solenidade do Corpus Christi como festa de preceito para a Igreja universal, na quinta-feira sucessiva ao Pentecostes.

O próprio Pontífice deu o exemplo, celebrando a solenidade do Corpus Christi em Orvieto, cidade onde então residia. Precisamente na Catedral que se conserva – ainda hoje – o corporal com os vestígios do milagre eucarístico ocorrido no ano anterior, 1263, em Bolsena, quando um sacerdote que celebrava a Santa Missa teve dúvidas de que a Consagração da hóstia fosse algo real. No momento de partir a Sagrada Hóstia, viu sair dela sangue, que empapou o corporal (pequeno pano onde se apoiam o cálice e a patena durante a Missa).

A Tradição da Igreja aponta que Urbano IV pediu a São Boaventura e a Santo Tomás de Aquino para que escrevessem um ofício – o texto da liturgia – para a solenidade de Corpus Christi. Quando ambos estavam prontos, o Papa começou a ler, em voz alta, primeiro o ofício feito por Santo Tomás. Enquanto escutava, São Boaventura foi rasgando o seu em pedaços para não concorrer com o ofício de São Tomás de Aquino, o qual achou superior. O ofício de Santo Tomás de Aquino (Tantum Ergo Sacramentum / Tão Sublime Sacramento) é usado desde então (até hoje) pela Igreja e é considerado uma obra-prima, onde se fundem teologia e poesia.


Ofício de Santo Tomás de Aquino para a Solenidade de Corpus Christi: Tantum Ergo Sacramentum

A procissão

Embora cada diocese tivesse suas próprias peculiaridades no rito dessa celebração – sobretudo a partir do século XIV – foi somente no Concílio de Trento (1545-1563) que se alarga e oficializa as práticas mais comuns de como celebrar o Corpus Chisti, especialmente a procissão com o Santíssimo pelas ruas e lugares públicos, para que, dessa forma, os cristãos pudessem se alegrar pela vitória de Cristo sobre a morte, pois ele esta ali, presente no meio de nós.

Quando se pode, é dever do católico participar dessa Procissão por ser a mais importante de todas que acontecem durante o ano, pois é a única onde o próprio Senhor sai às ruas para abençoar as pessoas, as famílias e a cidade.

A tradição dos tapetes

A tradição dos tapetes que ornamentam as ruas por onde passa a procissão de Corpus Christi veio de Portugal. No Brasil, a solenidade de Corpus Christi é celebrada desde a época colonial, usando de muita criatividade e cores, mas foi em Ouro Preto, Minas Gerais, que as ruas começaram a serem enfeitadas para a procissão.

A procissão passa pelo tapete, com o sacerdote a frente, carregando o Santíssimo, recordando a alegria que havia na entrada de Jesus em Jerusalém, embora não haja nenhuma ligação com a procissão de ramos, que antecede a Paixão de Cristo.

O pleno sentido da festa

A exemplo do movimento eucarístico que acontecia em Liège, sobretudo no grupo de mulheres que se dedicavam a oração e as obras de caridade, penso que seja exatamente aí que devemos harmonizar a plena realização da festa do Corpus Christi: adorando (latria) o corpo do Senhor na sagrada eucaristia e amparando o mesmo Senhor em suas necessidades enquanto escondido no próximo.

Referências
http://w2.vatican.va/content/benedict-xvi/pt/audiences/2010/documents/hf_ben-xvi_aud_20101117.html
https://w2.vatican.va/content/urbanus-iv/es/documents/bulla-transiturus-de-mundo-11-aug-1264.html
https://www.a12.com/academia/catequese/sobre-latria-dulia-e-hiperdulia
(www)presbiteros.org.br/historia-da-solenidade-de-corpus-christi/
https://cleofas.com.br/historia-da-festa-de-corpus-christi/

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