Jonas e a misericórdia de Deus

Dois fugitivos

A profecia de Jonas é um dos menores livros das Sagradas Escrituras, possui apenas quatro capítulos. Foi por esse motivo que certa vez o escolhi para fazer um comentário bíblico destinado a meu professor de Profetas I na Faculdade de Teologia. Não me julgue, caro leitor, não foi preguiça a minha conselheira. O que acontece é que na faculdade temos inúmeros trabalhos e leituras para fazer, por isso, cada tempo que conseguimos economizar é precioso.

Não obstante o meu raciocínio possuir uma vontade de fugir do trabalho, mesmo que parcialmente, a Providência me encaminhou para uma descoberta que valeu muito à pena.

De Jonas, até aquele momento, sabia apenas que ele havia recebido uma missão de Deus, fugiu dela e, por isso, fora devorado por um grande peixe, sendo vomitado em terra três dias depois.

O profeta, assim como eu, era um fugitivo. Eu escapava de um livro grande, ele de uma missão. Minha fuga tinha uma razão e eu a conhecia: poupar tempo para outros trabalhos. Porém, não conhecia os motivos de Jonas, foi aquela pesquisa que me fez descobrir. Desejo partilhar a minha descoberta contigo, caro leitor.

Um profeta rebelde

Antes de prosseguir gostaria de mencionar que o diácono Bruno já escreveu sobre o livro de Jonas. Contudo, seu texto traz uma abordagem mais técnica e crítica ao livro. Ao passo que eu me concentro em falar mais do profeta e de sua motivação. Sugiro que o leitor leia os dois artigos.
Como disse acima, a profecia de Jonas possui quatro capítulos. Dentre eles, o capítulo segundo é quase todo um acréscimo posterior, ou seja, o livro originalmente era ainda menor.

No primeiro capítulo encontramos a vocação do profeta: Deus lhe ordena que vá a Nínive denunciar os pecados daquela cidade. O profeta rebelde segue um caminho oposto para se distanciar ao máximo do destino estabelecido por Deus. Por conta de sua rebeldia, é lançado ao mar e acaba engolido por um peixe enorme. Alguém poderia dizer que se tratava de uma baleia, mas não é isso que o texto diz. A ideia de que o monstro era uma baleia, na realidade, é fruto de uma interpretação tardia, a qual pretendia dar mais realismo ao episódio.

Esse fato, a estadia de Jonas no ventre do peixe, indubitavelmente é aquilo que primeiro vem à mente quando nos referimos a ele. Somos confrontados com o episódio de diversas maneiras: além de ter sido usado em Pinocchio e no filme Os Vingadores, também foi apresentado por nosso Senhor Jesus Cristo como um sinal que seria repetido aos seus contemporâneos. Cristo comparou a situação do profeta a sua própria, como sendo o prenúncio de sua saída gloriosa do sepulcro. Além disso, o mestre opunha sua obediência a Deus à rebeldia de Jonas.

Sucesso e fracasso

Embora seja o tema mais lembrado, o ressurgimento de Jonas não é conteúdo principal do livro. Esse último somente é esclarecido no capítulo quarto. Contudo, antes de conhecê-lo, somos conduzidos através do terceiro capítulo pela narração do aparente sucesso de Jonas. Ele chega a Nínive e denúncia seus pecados, proclamando que por causa deles a cidade seria destruída por Deus. Aparentemente a população recebe as palavras do profeta e é por elas transformada, uma vez que “Deus viu as suas obras: que eles se converteram de seu caminho perverso, e Deus arrependeu-se do mal que ameaçara fazer-lhes e não fez” (3, 10).

Que grande trabalho Jonas realizou! Para se ter uma ideia: eram necessários três dias de caminhada para se percorrer todo o território da cidade. O profeta precisou de apenas um dia para realizar a conversão de Nínive. Se competência tivesse um nome, bem que poderia ser “Jonas”.

Todavia, o êxito não trouxe alegria ao profeta, pelo contrário: ele se entristeceu profundamente. E submerso no desgosto, revelou o porque fugira da missão confiada por Deus (4, 2). Havia fugido, pois, sabia que, ao denunciar os crimes da Grande Cidade, surgia a possibilidade dela se converter. Era isso que temia desde o princípio. Ora, mas não é justamente essa a função do profeta: proporcionar a conversão daqueles que erram? Sim, sem dúvida nenhuma! Porém, Jonas sabia que, se Nínive se convertesse, então Deus poderia perdoá-la e, perdoando-a, não mais haveria castigo contra ela. Eis a motivação de Jonas, tanto para sua fuga quanto para seu desgosto: ele desejava o castigo da cidade, queria que Deus realizasse a vingança. Sim, pois a Grande Cidade, capital da Assíria, era o símbolo máximo da opressão sofrida pelos israelitas. Ver os pecados de Nínive recebendo perdão era insuportável, de tal sorte que o profeta preferia a morte (4, 3) do que ver como Deus tratava os ninivitas com misericórdia.

A mamoneira e a esperança frustrada de Jonas

Mesmo açoitado pela tristeza, Jonas se deslocou para o leste da cidade e ali construiu uma tenda, de onde pretendia ver qual destino encontrariam os ninivitas. Talvez tivesse a remota esperança de que Deus se arrependeria de se arrepender e destruísse a cidade afinal.

Deus fez surgir uma mamoneira, a qual passou a fornecer sombra ao profeta. A planta trouxe algum alívio a ele, tanto para o corpo quanto para o ânimo. Porém, no dia seguinte um verme, sob as ordens do Altíssimo, mordeu a mamoneira, a qual morreu e secou imediatamente.

Jonas mais uma vez frustrou-se e desejou a morte (4, 8). Deus, no entanto, usou esse acontecimento fortuito para ensinar o profeta: a mamoneira, a qual surgiu num dia e morreu noutro, a qual trouxe alegria fugaz a um profeta entristecido, pela qual o mesmo profeta sentiu afeto, mesmo que ela não fosse obra de suas mãos, essa mamoneira valia muito menos que os cento e vinte mil seres humanos que habitavam em Nínive. Esses mesmos seres humanos eram obras das Mãos de Deus e, não obstante tenham caminhado nas Trevas por algum tempo, foram resgatados para Ele. Se fazia sentido que Jonas se apiedasse da mamoneira, muito mais sentido era Deus manifestar a sua Misericórdia a suas criaturas.

Universal é a Misericórdia Divina

A grande mensagem que subjaz na narrativa do livro de Jonas é a Misericórdia de Deus, a qual se destina a todos os seres humanos, independente de quem eles sejam. Tanto faz se você é um Eleito, como era o caso de Jonas, ou não. Isso porque a Misericórdia Divina é universal, para Ela não existem barreiras. Além disso, Deus pode escolhê-La como forma de cumprir a Justiça, Ele possui Suas próprias medidas. Diferente de nós, não percebe somente a punição aos que erram como caminho de restituir o que é justo.

Aos escolhidos, compete cumprir a vontade de Deus e servir de instrumento para que a Misericórdia alcance a todos. Vejamos o exemplo de Jonas: duas vezes foi escolhido; a primeira por herança, pois era descendente de Abraão; a segunda para uma tarefa específica. Pensou que a Eleição da qual fazia parte lhe garantia exclusividade. Pensou que era uma propriedade, sua e de seu Povo. Contudo, a Eleição não é prêmio exclusivo de um grupo, ela é missão e serviço para que todos sejam conduzidos a Deus. A Eleição gera responsabilidade.

Este também é um “Sinal de Jonas” para nós. Quando Jesus usou essa expressão fazia alusão a sua Ressurreição. Entretanto, entendamos também como a história do profeta pode nos servir como exemplo para que possamos compreender melhor a Eleição que recebemos no batismo, não como pertencimento exclusivo da Salvação, mas como serviço a toda humanidade, como instrumento da Divina Misericórdia. Que possamos sair do ventre dos monstros que podem estar nos aprisionando e, mais semelhantes a Cristo do que a Jonas, façamos valer o nosso profetismo neste mundo sofrido.

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