A palavra “Teologia” vem de dois termos: Théos + logía | Deus + ciência. Em outras palavras significa um estudo ‘de’ ou ‘sobre’ Deus, mais precisamente um estudo sobre a fé. Assim, toda e qualquer reflexão teológica se remete de alguma maneira a Deus, que somente é acessível pela fé.
O termo “teologia” foi aos poucos sendo aceito na sua longa história, tendo suas raízes no mundo grego pagão. Platão a usava para exprimir o discurso sobre os deuses. Aristóteles separa para a teologia um determinado campo do saber. Agostinho mais tarde divide a teologia no sentido mítico (fabulosa), no sentido físico (naturalis) e no sentido civil (civilis). Para exprimir outros aspectos da teologia, na Idade Moderna surgiram as seguintes distinções: teologia mística, teologia ascética, teologia moral, apologética, teologia positiva e teologia escolástica. Da ramificação da antiga “teologia”, restou hoje o que se chama de “teologia dogmática ou sistemática”.
O conceito de “teologia” está numa sequência de movimentos que sempre terminam em Deus. É, antes de tudo, uma operação intelectual humana na busca pela compreensão da fé. E a fé termina em Deus e não nos enunciados a respeito de Deus, como explica Santo Tomas: “Actus credentis non terminatur ad enuntiabile, sed ad rem” (O ato de crê não termina no enunciado, mas na coisa). Neste sentido, a teologia trata de Deus, mas mediado pela fé. Por isso, é certo dizer que não há teologia sem fé, como não há fé sem um mínimo de teologia.
Os Fundamentos da Teologia
Quem tem fé vive em busca da compreensão daquilo em que acredita. A fé possui em si a curiosidade. Ela quer saber de si mesma. Santo Anselmo diz: “Desejei ver com a inteligência o que acreditei”. E quando a fé seduz a razão, então nasce a teologia.
No entanto, ainda que todas as técnicas modernas de estudo científico sejam aplicadas em busca do conhecimento de Deus, a teologia não chegará a nenhuma conclusão indiscutível sobre este mistério.
O conhecimento de Deus é um desconhecimento. A cada passo que avançamos sobre prováveis verdades, outras acabam ficando questionáveis. De qualquer forma, este é um caminho que nos livra da ilusão, do imaginário, e nos aproxima da nossa razão mais profunda. É também o livramento dos falsos deuses que fabricamos todos os dias.
Em vista da complexidade que o estudo de Deus gera, foi preciso tomar alguns cuidados em relação a metodologia e o entendimento. Se por um lado, ao ler as Sagradas Escrituras, corre-se o risco de interpretá-las de forma literal (fundamentalista), por outro pode fazer com que a fé seja perdida, dando espaço tão somente às explicações científicas. Dada as circunstâncias, a teologia cristã católica se solidifica em três grandes pilares para uma compreensão mais abrangente do que se refere a Deus: A Sagrada Escritura (Revelação de Deus ao homem), a Tradição (transmissão da fé recebida pelos apóstolos) e o Magistério (Papa e bispos que guardam e regem a Tradição).
A Sagrada Escritura
Deus, na sua bondade, sabedoria e amor, quis se revelar e dar a conhecer o mistério da sua vontade. Esse mistério quer trazer ao homem, por intermédio de Cristo, o acesso ao Pai no Espírito Santo, para que assim possam participar da natureza divina. Por esta revelação, Deus fala aos homens como amigos e convive com eles. Este processo se realiza por meio de atos e palavras, de tal maneira que as obras, realizadas por Deus na história da salvação, manifestam e confirmam o ensinamento; e as palavras, por sua vez, declaram as obras e esclarecem o mistério nelas contido. Mas, somente em Cristo teremos a verdade última a respeito de Deus e da salvação dos homens. Por muito tempo e de muitos modos Deus falou pelos profetas, mas é em Cristo que Deus se revela em plenitude.
A Tradição
Era preciso conservar a pregação e o testemunho dos Apóstolos, dando a eles uma sucessão contínua (os bispos são os sucessores dos apóstolos), até à consumação dos tempos. Por isso, os Apóstolos, transmitindo o que eles mesmos receberam de Jesus, advertem os fiéis a observarem as tradições que tinham aprendido, quer por palavras, quer por escrito: “Portanto irmãos, ficais firmes; guardai as tradições que vos ensinamos oralmente ou por escrito”1. O que foi transmitido pelos Apóstolos contribui para a vida santa do Povo de Deus e para o aumento da sua fé; e assim a Igreja, em sua doutrina, vida e culto, perpetua e transmite a todas as gerações tudo aquilo que ela é e tudo quanto acredita.
Esta tradição apostólica progride e é acompanhada na Igreja sob a assistência do Espírito Santo. Assim como também progride a percepção e reflexão da Igreja em tudo o que foi transmitido nos primórdios, tanto dos eventos como das palavras.
O Magistério
A constituição dogmática Dei Verbum, do Concilio Ecumênico Vaticano II, define que a Sagrada Tradição e a Sagrada Escritura constituem um só depósito sagrado da palavra de Deus, confiado à Igreja; aderindo a este, todo o Povo santo persevera unido aos seus pastores na doutrina dos Apóstolos e na comunhão, na fração do pão e na oração.
Porém, o ato de interpretar autenticamente a palavra de Deus, escrita ou contida na Tradição, foi confiado só ao magistério vivo da Igreja, cuja autoridade é exercida em nome de Jesus Cristo. Este magistério não está acima da palavra de Deus, mas ao seu serviço, ensinando apenas o que foi transmitido, enquanto, por mandato divino e com a assistência do Espírito Santo, a ouve piamente, a guarda religiosamente e a expõe fielmente.
É claro, portanto, que a Sagrada Tradição, a Sagrada Escritura e o Magistério da Igreja, segundo o desígnio de Deus, se unem e se associam de tal modo que, um sem os outros não se mantém, e todos juntos, cada um a seu modo, sob a ação do mesmo Espírito Santo, contribuem para a salvação das almas.
A Origem
Desde os tempos de Santo Anselmo, a teologia foi configurada como “fides quaerens intellectum” (a fé em busca do entendimento). Mas a elaboração teológica começa com o “auditus fidei”, a escuta da fé que precede o “intellectus fidei”, sua elaboração científica e racional.
Prof. Dr. Côn. Antonio Manzatto
A teologia, enquanto ciência da fé, está organizada em um duplo princípio metodológico, como apresentado acima. No primeiro, auditus fidei, se recolhe os conteúdos da Revelação na Sagrada Escritura, na Sagrada Tradição e no Magistério vivo da Igreja. É o primeiro movimento do ato teológico: a escuta da fé. O segundo, intellectus fidei, vem sempre depois da escuta e quer responder às exigências próprias do pensamento, através da reflexão especulativa.
Auditus Fidei
Confirmando o que foi dito, o auditus fidei é o primeiro movimento da teologia, que consiste em levantar os dados da revelação sobre o tema ou assunto em questão. Mesmo que os escritos sejam reflexões, especulações, o que se busca não é avançar em tais reflexões, mas coletá-las e organiza-lás.
Ao passo que se realiza o levantamento de dados, novos problemas, questões e intuições acabam corrigindo concepções anteriores, relativiza certas absolutizações e permite solucionar problemas que até então estavam abertos ou abre questões até então fechadas.
O auditus fides foi atualizado num termo chamado de “volta às fontes”, precisamente num momento em que se queria romper com tal procedimento teológico. Ele cumpriu papel relevante na renovação da teologia e o próprio Concílio Vaticano II incentiva seu uso no estudo da evolução histórica do dogma.
Em síntese, o movimento auditus fidei cumpre na teologia o papel de testar a validade das reflexões especulativas e sua coerência.
Intellectus Fidei
Em seu núcleo, consiste no movimento reflexivo sobre o dado coletado em busca de maior compreensão do mesmo.
Ao intellectus fidei, importa considerar que a Verdade divina, que nos é proposta nas Sagradas Escrituras, interpretadas corretamente pela doutrina da Igreja, goza de uma inteligibilidade própria, tão coerente que se deve propor como um autêntico saber. O método usado é sobretudo especulativo por meio de raciocínios, deduções, reflexões teóricas, analises estruturais, existenciais, fenomenológicas e linguísticas, considerações históricas, etc.
Considerações finais
A teologia é o desdobramento teórico da fé (auditus Fidei) seguido por um desabrochamento intelectual (intellectus fidei). Ela, por si só, não acrescenta, de forma palpável, um pingo de luz à fé. Desenvolve apenas seu conteúdo material, que fundamentalmente procede da Palavra Revelada, encontra legitimidade na Tradição e que é regida e validada pelo Magistério da Igreja.
O próprio espírito humano é fonte subjetiva da teologia, e que “deseja naturalmente conhecer” (Aristóteles). Claro que, nisso, não estão excluídas as coisas da fé. Por isso, toda a pessoa de fé, na medida em que procura entender o porquê daquilo que crê, é, à seu modo e à sua medida, “teóloga”.
Notas 1) cf. 2Tess. 2,15
Referência: PAULO II, João. Carta Encíclica: Fides Et Ratio. Roma, 1998 LIBÂNIO, J.B.,MURAD, Afonso. Introdução à Teologia: Pefil, Enfoques, Tarefas. São Paulo: Ediçoes Loyola, 1996. Paulo VI. Constituição Dogmática: Dei Verbum, Sobre a Revelação Divina. Roma, 1965 BOFF, Clodovis. Teoria do Metodo Teologico. Rio de Janeiro: Vozes, 1998.