Adão e Eva: uma lição sobre consumismo

A atualidade das Sagradas Escrituras

Para nós, cristão, as Sagradas Escrituras ocupam um lugar de destaque na vida como um todo. Isso ocorre por elas serem propriamente a Revelação de Deus, ou seja, aquilo que Ele nos indica como parte fundamental do seu projeto para toda a humanidade.

Por meio dessa revelação, Deus convida cada ser humano a fazer parte desse projeto de vida. Ele não faz isso como um ditador, mas “na riqueza do seu amor fala aos homens como amigos (cf. Êxodo 33,11; João 15,14-15) e convive com eles (cf. Baruc 3,38), para os convidar e admitir à comunhão com Ele” (Dei Verbum n.2). A revelação de Deus acontece tanto por palavras quanto por ações. Por isso, quando observamos tudo aquilo que Deus realizou ao longo da história, percebemos que as ações confirmam as palavras da Sagradas Escrituras, e as palavras confirmam as ações.

Em um primeiro momento, podemos cair na tentação de pensar que não há nada na Bíblia que possa nos ensinar a respeito dos problemas atuais. Porém, ao olharmos mais de perto, percebemos que as Escrituras são como um tesouro onde sempre podemos encontrar lições novas e velhas (cf. Mateus 13,52).

Portanto, ainda que no Antigo Testamento não haja exatamente algum trecho que fale a respeito do problema do consumismo, podemos examiná-lo a partir de certas imagens como a que escolhemos aqui: a queda de Adão e Eva no Jardim do Éden (cf. Gênesis 2,4b-3,24).

Quando analisamos o ato cometido por Adão e Eva, levados pelo desejo de consumir o fruto que havia sido proibido por Deus, percebemos que ele pode servir como uma metáfora do desejo desordenado do ser humano pelos excessos. Ou seja, podemos considerar esse texto como uma metáfora de um ser humano consumista.

O contexto do Jardim do Éden

É importante, já de início, destacar alguns detalhes desse texto tão conhecido. O jardim é uma imagem do paraíso criado por Deus, mas que não está completo, pois Deus cria o homem para cultivar o local. O ser humano, na figura de Adão, é claramente chamado por Deus a ser cooperador da criação. Isso indica uma ligação especial entre os seres humanos e o restante da criação.

Outro detalhe importante da participação de Adão é que o Criador apresenta todos os animais a ele, para que nomeie cada um. Isso indica que existe um vínculo muito forte entre o homem e a criação, demonstrando assim sua autoridade sobre tudo aquilo que está ali na frente dele (HAHN, 2015. p.38).

A serpente do consumismo

Ao vermos tudo isso descrito no texto sagrado, percebemos que não há em Adão um desejo por “consumir”, “devorar” ou “explorar” a criação de Deus de uma maneira desordenada; existe apenas o desejo de cultivar, cuidar, proteger etc. proporcionando seu desenvolvimento.

No texto, é nitidamente perceptível que Adão e Eva sabiam da existência do fruto, até porque Deus os havia advertido que era o único, de todo o Jardim, que eles não poderiam provar. Porém, não havia neles um desejo pelo fruto até aquele momento do encontro com a serpente.

E foi justamente a serpente que os seduziu, os enganou, produzindo neles o desejo de consumir o que era expressamente proibido por Deus, ou seja, o desejo de ir além do necessário, do limite estabelecido entre o que é “preciso para viver” e o que é “supérfluo”, e iniciar o consumo do excesso, do desnecessário para o bem-estar dos dois.

A queda do casal

Como aquela pessoa que busca o consumismo, seja ele de que tipo for (bens materiais, comida, afeto etc.), Adão e Eva são persuadidos pela promessa da serpente de que ao consumir o fruto, eles vivenciariam uma plenitude nunca antes experimentada, ao ponto de se tornarem como deuses, em pé de igualdade com Aquele que os havia criado com tanto amor e cuidado.

Ao comentar esse texto, o Cardeal Gianfranco Ravasi consegue clarear um pouco mais essa realidade, ao dizer que

Por desgraça, o homem plasma uma imagem deformada ao pretender roubar de Deus suas prerrogativas de dono da vida e da moral e ao se recusar a aceitar o sentido último que o Senhor colocou no ser e na existência.

(RAVASI, 1992. p.87)

Adão e Eva eram livres para escolher seguir pelo caminho do plano definido por Deus, assim como hoje cada ser humano ainda é; porém, ao optar por consumir o fruto, eles se deixaram seduzir pelos possíveis benefícios que aquele item pudesse vir a trazer para a vida deles.

As consequências do ato

Quando eles finalmente caem na real e abrem os olhos, o que veem é somente a vergonha diante de si e o que sentem é o medo do próprio Criador. Antes de saírem do caminho de Deus, eles eram felizes e conversavam com Deus, não existia medo nem insegurança.

Como vimos, após o ato de consumir além do necessário para viver, pura e simplesmente por desejo, sem qualquer necessidade real, vem a frustração e as consequências na vida de quem age assim e, como em Adão, tais consequências se refletem em todo a existência da pessoa. Quando alguém tem um desequilíbrio na vida, isso afeta todo o resto. Para compreendermos bem, basta pensar quando batemos um dedo do pé na quina da cama, apesar de ser um membro tão pequeno, sentimos os reflexos em todo o corpo.

Assim se configura o consumismo, que vai contra a harmonia da criação “ao colocar um objeto de prazer, ou simplesmente a si mesmos, como centro de tudo”, ou seja, é a manifestação do egoísmo e do egocentrismo que fecham os olhos para tudo e todos, rompendo com os vínculos verdadeiros e substituindo por sentimentos negativos decorrentes da queda.

Quando uma pessoa escolhe colocar em primeiro lugar em sua vida o consumo, significa que ela inverteu a ordem das coisas. Onde deveria estar o amor a Deus e ao próximo, aparece somente o amor pelo consumo daquilo que ela se engana acreditando que preencherá o vazio que ela sente dentro de si.

Não podemos nos esquecer de que o consumo não está ligado apenas aos bens materiais. É possível consumir “comida, álcool, estimulantes, entorpecentes, pornografia, sexo, compras, jogos, internet” (SILVA, 2014. p.148) e tantas outras coisas que surgem diante de cada pessoa durante a vida. Não existem limites para o consumismo!

No caso de Adão e Eva, a consequência é a expulsão do convívio com Deus e de suas bênçãos (HAHN, 2015. p.44). Além disso, não podem desfrutar dos benefícios do paraíso e de seu cultivo, tendo agora que sofrer as dores e a morte, e trabalhar a terra para dela tirar seu sustento.

O Criador não deixa de acolher aqueles que o buscam

Esse trecho bíblico nos ensina que quando guiamos nossas vidas unicamente pelo desejo, ignorando os mandamentos e conselhos de Deus, sofremos as consequências das nossas próprias escolhas.
Ainda hoje, o Criador indica para a humanidade o caminho que leva até a felicidade eterna. Nós é que desviamos desses caminhos por sermos teimosos e desejarmos colocar as nossas vontades em primeiro lugar.

O que não podemos esquecer é que Deus sempre está pronto para nos acolher se iniciarmos o caminho de conversão e reorganizando a vida conforme os ensinamentos dados por Ele, principalmente nas Sagradas Escrituras.

Referências
CNBB. Bíblia Sagrada. 2. ed. Brasília: CNBB, 2019.
CONCÍLIO Ecumênico Vaticano II. Dei Verbum: sobre a revelação divina. Disponível em: www.vatican.va/archive/hist_councils/ii_vatican_council/documents/vat-ii_const_19651118_dei-verbum_po.html. Acesso em: 01 jun. 2020.
HAHN, Scott; MITCH, Curtis; WALTERS, Dennis. O livro do Gênesis: cadernos de estudo bíblico. Campinas: Ecclesiae, 2015.
RAVASI, Gianfranco. El libro del Génesis (1-11). Barcelona: Editorial Herder, 1992.
SILVA, Ana Beatriz Barbosa. Mentes consumistas: do consumismo à compulsão por compras. São Paulo: Globo, 2014.

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