Caçadores da Arca Perdida

Indiana Jones

Há quarenta anos chegava aos cinemas de todo o mundo um verdadeiro clássico, o qual além de ter concorrido a Melhor Filme de 1981, saiu-se vencedor de 4 Oscars naquele ano. Trata-se de “Caçadores da Arca Perdida”, primeiro da série de filmes do personagem Indiana Jones.

Criado por George Lucas, mesma mente por trás de Star Wars, e dirigido por ninguém menos que Steven Spielberg, a aventura foi um estrondoso sucesso de crítica e bilheteria, seu personagem principal se tornou um dos maiores ícones do cinema e da cultura pop, lançando tendência e marcando o gênero. Foi imitado diversas vezes no cinema, quadrinhos, televisão video-games. Sendo um de meus filmes favoritos, teve grande influência na minha escolha pela História e, por que não dizer, pela Teologia.

O enredo gira em torno de um professor de arqueologia (não basta ser o maior aventureiro do mundo, tem um título de doutorado) que é contratado pela CIA para encontrar um poderosíssimo artefato sagrado, antes que caia nas mãos dos pérfidos nazistas. No filme, Hitler e seus asseclas almejam possuir o tal objeto, pois ele os tornaria invencíveis. O tesouro em questão: a Arca da Aliança, caixa de madeira revestida de ouro por dentro e por fora, a qual se destinava a conservar os sinais da Aliança entre Deus e seu Povo.

Lucas desejava que o enredo do longa-metragem estivesse relacionado a relíquias com poder sobrenatural. Quem sugeriu o uso da Arca da Aliança para suprir essa lacuna foi o também cineasta Philip Kaufman. Por coincidência, Spielberg que assumiu a direção posteriormente é judeu e, portanto, possui uma relação afetiva com o objeto.

O que era a Arca da Aliança?

Encontramos a primeira citação da Arca no livro de Êxodo, mais precisamente no capítulo 25. Depois de entregar a Lei a Moisés, o Senhor ordena que uma caixa de madeira seja confeccionada. Ela deve ser revestida de ouro puro “por dentro e por fora”. Media aproximadamente 1 metro de comprimento, 66 centímetros de largura e 66 centímetros de altura. Possuía um propiciatório que lhe servia de tampa, era ele também de ouro puro e em suas extremidades havia dois querubins do mesmo material, um de cada lado. Existem também aqueles que sustentam que os querubins não estavam sobre o propiciatório, mas nas extremidades da caixa e somente suas asas cobriam a tampa, sem encostar nela. Em cada um de seus cantos havia uma argola dourada, nas quais eram e colocados bastões usados em seu transporte.

Por Vassil – Obra do próprio, Domínio público, https://commons.wikimedia.org/w/index.php?curid=2490250

Qual era a função da Arca?

Nos relatos do Êxodo sobre a construção da Arca pouco se fala sobre a sua função de receptáculo, isto é, sua função de guardar outro objeto em seu interior. É evidenciada a sua função ritual, juntamente com outros objetos sagrados. A partir dela, o Senhor revelaria seus oráculos ao Povo Eleito, ou seja, a Arca serviria como canal de comunicação entre Deus e os hebreus e simbolizaria a presença Dele no meio de seus Escolhidos, não por acaso, quando o Templo foi construído por Salomão, a Arca foi depositada no local chamado Santo dos Santos.

A tradição bíblica não é unânime quanto ao conteúdo da Arca. Por exemplo 1 Rs 8,9 e 1 Cr 5,10 afirmam que “nada havia na Arca”, o complemento seguinte que diz “a não ser as duas Tábuas de pedra…” provavelmente é acréscimo tardio. Posteriormente as tradições inseriram no interior da Arca do Testemunho uma urna contendo Maná (Ex 16,33) e a Vara de Aarão (Nm 17,23-25). A carta aos Hebreu (9,4) retoma essas tradições para afirmar que no interior da Arca estavam as Tábuas da Aliança, o Maná e o Bastão.

Existe controvérsia sobre o significado simbólico da Arca, alguns sugerem que ela seria o Trono do Senhor dos Exércitos, outros que seria o escabelo de Seus Pés. No entanto, a maneira como ela estava posicionada no Templo parece afastar essas hipóteses. Nesse caso a Arca seria um receptáculo (GEORG, 2012, p. 139).

O Poder da Arca

Alguns trechos da Bíblia demonstram que a Arca estava de alguma maneira associada ao poder. Já no livro de Números (14,44), alguns hebreus presunçosos, sem consentimento de Moisés e sem a Arca, lançam-se contra os amalecitas e os cananeus, são vergonhosamente derrotados. Presente na campanha militar de Josué, por exemplo, a Arca rendeu ao Povo uma travessia milagrosa (muito semelhante ao episódio do Mar Vermelho) do rio Jordão (Js 3, 14-17) e a conquista de Jericó (Js 6). O comparecimento do artefato sagrado às batalhas, portanto, estava de algum modo ligado ao sucesso dos israelitas, afinal de contas ela era sinal da Presença divina e Deus não possui inimigos à Altura. Por esse motivo, ela também aparecerá nas campanhas bélicas mais tardias, como aquelas que envolvem Israel e os filisteus.

Em um episódio relatado em 1Sm 4, 1-11 é dito que, após uma derrota parcial frente aos filisteus, os israelitas buscam a Arca da Aliança, a qual a essa altura repousava no templo de Silo, agiram assim como último recurso, demonstrando que se acreditava que ela garantiria a vitória. A princípio, os próprios filisteus se amedrontaram com o ímpeto e euforia que a Arca provocava nos filhos de Israel. Era como se o próprio Deus tivesse vindo combater. Porém, ao final da batalha os filisteus saíram vencedores e tomaram a Arca para si. Contudo, essa nova aquisição dos filisteus causou-lhes muitos infortúnios. Eles tiveram a brilhante ideia de colocar a Arca de Deus dentro de um de seus templos pagãos, ao lado do ídolo Dagon. No dia seguinte o falso deus estava caído por terra. Além disso, os filisteus foram assolados pelo poder de Deus que emanava da Arca. Surgiram-lhes tumores pelo corpo, os quais eles logo atribuíram ao objeto sagrado. Para evitar mais transtornos eles devolveram a Arca aos israelitas junto com uma indenização.

Essa ideia de que a Arca possui poderes místicos é utilizado no filme de Spielberg, justamente esse é o motivo pelo qual os nazistas se interessam pelo artefato. Com o “poder de Deus” eles se tornariam implacáveis e dominariam o mundo. Por isso, o herói de chapéu e chicote deve impedi-los antes que seja tarde.

No Santo dos Santos

Como citado anteriormente, a Arca acompanhou o Povo durante a sua peregrinação pelo deserto e no processo de conquista da Terra Prometida. Após o estabelecimento de Israel no território conquistado, ela é colocada nos santuários de Gilgal, Siquém, Betel e Silo.

Mais tarde, o rei Davi manda trazer a Arca do Senhor para Jerusalém. Muitos vêm nesse gesto a tentativa de ligar o seu reinado à Presença divina, quase como um endosso para o seu governo.

Quando Salomão concluiu a construção do primeiro Templo, depositou a Arca do Testemunho no compartimento chamado Santo dos Santos ou Santíssimo (1 Rs 8). Essa câmara era o compartimento mais sagrado do santuário e somente o Sumo Sacerdote podia ali entrar, apenas uma vez por ano.

A Arca Perdida

Nada se sabe sobre a Arca da Aliança depois da destruição de Jerusalém promovida por Nabucodonosor, rei da Babilônia, em 587 a.C.. Ela simplesmente desaparece dos relatos bíblicos e quando o Templo é reconstruído não se menciona nada sobre a presença da Arca ou de algum objeto substitutivo no Santo dos Santos. Flávio Josefo, historiador judeu do século I d.C., afirma que o Santíssimo do Templo finalizado por Herodes estava completamente vazio (apud. Dicionário enciclopédico da Bíblia, 2013, p.161).

A profecia de Jeremias, no capítulo 3, anuncia que a Arca será esquecida e até as lembrança e saudade dela desaparecerão. No entanto, embora jamais tenha sido refeita ou reencontrada, o Povo jamais se esquece dela. Em Apocalipse o vidente menciona a Arca da Aliança junto ao Templo Celestial, o qual é revelado ao soar da Sétima Trombeta (Ap 11,19).

Reencontrando a Arca

Passados quarenta anos do lançamento de Caçadores da Arca Perdida é impossível ser acusado de spoiler, mesmo assim deixo um aviso a quem ainda não assistiu a essa obra prima: pule o próximo parágrafo. Os demais leitores podem continuar.

Depois de muitas andanças pelo mundo, a Arca Perdida é reencontrada. Muitas reviravoltas acontecem, ela passa das mãos de Indiana Jones para os nazistas várias vezes. A sequência de ação do terceiro ato é alucinante e uma das cenas de ação mais fantásticas do cinema. No final das contas, Indiana Jones, contratado para proteger a Arca dos malfeitores, é incapaz de fazê-lo, o artefato sagrado não precisa do herói, ela mesma com seu poder divino dá o devido fim nos vilões mais vilanescos da história. Ou seja, diante do poder de Deus o homem é insignificante, é inútil. Cabe ao ser humano apenas a posição contemplativa e de adoração ao Braço Forte do Senhor. No filme, apesar de reencontrada, a Arca da Aliança é “perdida” na famigerada Área 51 (a qual no universo fantástico é quase tão onipresente quanto Deus quando o assunto é mistério).

Fora do universo da ficção, todavia, a Arca da Aliança jamais foi encontrada. Alguns se perguntam se ela realmente existiu ou estava mais ligada aos mitos ancestrais dos hebreus. Provavelmente sua existência foi concreta, embora haja controvérsia entre os estudiosos quanto ao fato de ter sido um único objeto ao longo da história de Israel, talvez tenha existido mais de uma Arca antes do período de Davi e é possível que ela não tenha sido manufaturada por Moisés, como sugerem os relatos do Êxodo (GEORG, 2012, p. 138). Porém, essa discussão mais crítica das tradições bíblicas deve ser assunto para outro texto.

Algo que é importante ressaltar é o deslumbramento que o mistério gera no coração humano e fascínio diante do Poder Divino, tão bem apresentados tanto no filme quanto nas Sagradas Escrituras. São sentimentos que devem servir como impulso para sair a procura do Mistério por excelência e para, reconhecendo a própria insignificância, colocar-se em suas Mãos potentes e protetoras. No final das contas, o herói é Ele e seu poder nos livrará das enormes pedras que nos perseguem, nos resgatará do “Poço das Almas”, do veneno da serpente e dos inimigos mais atrozes.

Referências:
BÍBLIA DE JERUSALÉM. São Paulo: Paulus, 2002.
CAÇADORES da Arca perdida. Direção: Steven SPIELBERG. Produção: Frank MARSHALL. [S.l.]: Paramount. 1981.
DICIONÁRIO enciclopédico da Bíblia. São Paulo: Loyola: Paulus: Paulinas, 2013.
GEORG, F. História da religião de Israel. Tradução de Josué XAVIER. São Paulo: Academia Cristã Ltda/ Paulus, 2012.

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