Escatologia: O que é o Juízo Particular?

Morte é cisão [entre alma e corpo] e de-cisão [com ou contra Deus e sua graça]. O autor da Carta aos Hebreus diz que “depois da morte vem o julgamento” (Hb 9,27). Na morte toda a nossa vida pregressa é iluminada e tudo aparece de forma transparente. É a grande “hora da verdade”. O momento culminante de nossa vida terrena. É no juízo particular que se dará uma última chance para que cada pessoa possa escolher Deus ou não. Tal chance é pensada por muitos teólogos como um encontro pessoal com Cristo, um encontro que – nas palavras do Papa Bento XVI – queima e salva, transforma e liberta [BENTO XVI, Spe salvi (2007), nº 47].

O Papa prossegue dizendo que o Juízo é um ato de justiça, sim, mas também de misericórdia e de graça. Esse duplo aspecto nos faz aguardar o Juízo particular com temor, mas também com confiança e esperança, pois o Juiz é também o nosso Advogado.

O Vaticano II ensina: “Antes de reinarmos com Cristo glorioso, todos nós compareceremos diante do tribunal de Cristo, para que cada um receba o que tiver feito, por meio de seu corpo, o bem ou o mal” (LG 48,4).

A parábola do rico e do pobre Lázaro (Lc 16,19-31), as palavras de Jesus na cruz ao bom ladrão (Lc 23,39-43), e outras passagens bíblicas falam de um destino da alma que pode ser diferente de uma pessoa para outra. Após o juízo particular, o primeiro encontro com Cristo após a morte, a alma humana tem três possibilidades: Céu, Purgatório ou Inferno, esse último se caracteriza pela total ausência de Deus.

A perspectiva do Juízo na vida

O juízo particular é um evento que sucede a nossa morte e irá decidir o nosso destino eterno. No entanto, já estamos sendo julgados no tribunal da nossa consciência, ainda em vida. Todos as nossas ações – boas e más – são registradas como em um livro. Estas ações produzem em nós um efeito perene que, de certo modo, nos constituem e nos “acompanham” (cf. Ap 14,13). No Budismo e Hinduísmo, chamam de “lei do karma” [todo o bem ou mal que fizemos em vida traz consequências – boas ou más – para a próxima existência].

Por isso, atenção queridos irmãos e irmãs: nossos atos já estão sendo julgados e pesados na balança divina, sim, neste exato momento; o que iremos apresentar face-a-face será apenas a declaração de uma sentença que já foi, por nós, escrita em vida.

O Juízo particular tem, portanto, tudo a ver com nossa vida concreta. Tudo! Pois, se temos a consciência de que todos os atos – e mesmo toda palavra (cf. Mt 12,36) – não são esquecidos por Deus, somos então levados a uma postura de maior seriedade e reflexão a cada decisão a ser tomada.

A perspectiva do Juízo inspira em nós um sadio temor do Senhor, mas que, infelizmente, parece ter perdido sua eficácia hoje em dia, especialmente sobre os políticos corruptos, os exploradores notórios do povo e os ditadores. Todos esses temem mais o juízo humano dentro da história do que o Juízo divino no fim da história.

Seja como for, o Juízo futuro exige [e anima] uma postura ética no tempo presente: temos que responder por todo ato, não diante de um tribunal humano [falível], mas diante do tribunal de Deus [infalível]. Só Deus poderá fazer justiça, por exemplo, às vítimas inocentes, mortas ou negligenciadas pelos homens. O povo sente isso quando diz: “A justiça dos homens falha, mas a de Deus nunca falha”.

“Doçura sem justiça não é virtude”

Por outro lado, a ideia de uma apocatástase (termo criado por Orígenes de Alexandria para designar a restauração final de todas as coisas – a redenção e salvação final de todos os seres, inclusive os que habitam o inferno), propagada por algumas teologias “compassivas”, anula a fé no Juízo final. Ora, um Deus que não julga, nem defende a causa da vítima, não é diferente do homem e, por isso, não é levado a sério.

Deus é misericórdia, certamente, mas é também justiça (Sl 93,1.20), que não pode tolerar a iniquidade. A grande teologia sempre manteve juntos os dois atributos divinos: da misericórdia e da justiça, enquanto uma teologia moderna os dissociou, insistindo na ideia de “fraqueza de Deus”. A teologia pós-moderna foi mais longe, canonizando a imagem de um Deus débil, reduzido à quenose, ou seja, puramente humano.

São Bernardo de Claraval sabia que “Doçura sem justiça não é virtude”. Um Deus bonachão, feito vovô, que tudo compreende e tudo perdoa, é finalmente um Deus não digno de fé, um Deus sem interesse, um Deus que nada vale. Esse é um Deus que acaba morrendo “sufocado em excessiva piedade” [F. NIETZSCHE, Assim falou Zaratustra].

A verdade é que a própria ideia de amor pede o julgamento. Sem julgamento o amor de Deus torna-se um amor barato, uma brincadeira. Ao contrário, São João da Cruz percebeu claramente a conexão de julgamento e amor quando escreveu: “No entardecer de nossa vida, seremos julgados sobre o amor” [CIC 1022].

Diferença entre juízo particular e juízo final

O juízo particular é tão somente entre eu (alma) e Deus; já o juízo final terá lugar quando acontecer a vinda gloriosa de Cristo (parusia) e todos ressuscitarão. E isso, só o Pai sabe quando acontecerá. Será aí que compreenderemos o sentido último de toda a obra da criação e de toda a história, e perceberemos os caminhos admiráveis pelos quais Deus, na sua providência, tudo conduziu. O juízo final revelará como a justiça de Deus triunfa de todas as injustiças cometidas pelas suas criaturas e como o seu amor é mais forte do que a morte.


Esse artigo foi tema de uma formação que foi gravada em vídeo e está disponível no canal do Areópago. Vide abaixo.


Referências
CATECISMO da Igreja Católica (CIC). São Paulo: Loyola, 2000.
BOFF, Clodovis. Escatologia: Breve tratado teológico-pastoral. São Paulo: Ave-Maria, 2012.

Separamos outros artigos que talvez possa interessar

Uma resposta em “Escatologia: O que é o Juízo Particular?”

O que terá depois…da passagem…depende muito do modo pelo qual nos comportamos antes. Se tomarmos por base a vida do homem rico e do pobre Lázaro, descrito na Bíblia, pode-se chegar a conclusão de que o depois é mais ou menos o contrário do antes, ou seja, a ostentação, arrogância e orgulho daqui, serão mazelas, tormentos e sofrimentos lá. Enquanto que, a humilhação daqui será exaltação lá. Portanto, devemos viver da melhor maneira possível aqui, para termos um lugar na morada eterna reservada pelo Pai. Abraços Solidários e Pazamorefesperança!

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *