A necessidade de uma ética planetária
Como uma espécie privilegiada dotada de inteligência cognitiva, emocional “know how” tecnológico pode-se pretender destruir sua própria casa, um lar que necessitou de milhões de anos para chegar a acumular tamanha capacidade de suprir as complexas necessidades materiais, humanas, que descaso é esse pela nossa mãe Terra? Planeta cuja riqueza de vida orgânica sempre tem sido seu grande diferencial, numa misteriosa e exuberante diversidade de formas de vida em comparação aos outros planetas do universo. Donde vem que uma única espécie – na acepção antropológica, o ‘homo sapiens’ – tenha em suas mãos o soberano poder e autonomia para afetar e decidir sobre as condições de vida e da sobrevivência das milhares espécies viventes deste planeta, viria escolher o caminho da destruição planetária?
Atualmente a humanidade enfrenta um grande e grave desafio, ela está atravessando uma mudança de parâmetros ambientais, o que certamente vai obrigar a espécie humana a enfrentar o surgimento de novos paradigmas de como se relacionar com a vida terrestre nos mais diversos níveis relacionados à qualidade do ar, ao manejo do solo e a exploração das reservas de água doce e dos ambientes marítimos, bem como a exploração também sustentável dos recursos de subsolo pela atividade extrativista da mineração. Sobre esta problemática, muitos teólogos estão buscando respostas sobre esta crise que vem assolando a humanidade.
O teólogo, Leonardo Boff, por exemplo, apresenta um paradigma da existência de três tipos de crises, que compõem a problemática da ética ecológica, dentre outras questões que mais preocupam humanidade. A primeira é a crise social, a segunda é a crise do sistema de trabalho e a terceira é a crise ecológica1. Sobre a crise social, ressalta a existência de uma realidade humana, em que grande parte da população urbana ou rural encontra-se mergulhada numa profunda desigualdade, e até exclusão social. Poucas pessoas detém o poder de desfrutar da maior parte das riquezas do planeta. Estas poucas pessoas de grupos e setores, gozam de privilégios e beneficiam-se dos avanços científicos que chegam a proporcionar um prolongamento de seus dias de vida. Este grupo seleto – denominado por sociólogos ‘as elites’ – controlam o acesso, ou até monopolizam o uso de grande parte dos recursos naturais, fornecidos pela mãe Terra. Tratam este planeta de maneira exploratória e espoliativa, visando o lucro, como objetivo de princípio, de modo que, a cada dia vem-se acelerando o esgotamento de várias reservas de recursos naturais. Tal processo exploratório tem por objetivo atender o vasto mercado de consumo da humanidade, status este, incentivado e estimulado massivamente pelos sistemas econômicos, notadamente o de modo de produção capitalista agora em estágio globalizado. Este comportamento doentio das grandes medidas econômicas, criou um modelo de consumo voraz, prejudicial ao planeta e deixa um rastro extenso de impacto ambiental direto ou indireto. Este modelo, desperdiça lançando ao lixo milhares de toneladas de alimentos que serviriam para alimentar muitos núcleos populacionais do planeta; os produtos não consumidos pela sociedade, muito ao contrário da lógica distributiva da sobra de recursos alimentares, terminam descartados em lixões, os quais servem de sobrevivência para muitos, enquanto funcionar como meio de obter víveres, ainda que em quantidade insuficiente e qualidade bastante deteriorada, contudo, é uma maneira desumana para se sobreviver, pessoas vistas misturadas aos imensos monturos, impossíveis de serem reconhecidas, despojadas de dignidade e de inclusão social.
A anomalia da lógica consumista da humanidade pode ser revertida a partir da adesão à ética de respeito ao meio ambiente integrada a uma atitude humanitária e humanizante, pois conforme o teólogo suíço, Hans Küng, “não haverá sobrevivência sem uma ética mundial”, universalmente firmada. Para Hans Küng, a ética serve para tirar os homens da zona de conforto e prepará-los para um confronto pessoal. A ética é geradora de mudanças de hábitos. Faz-se necessário que a humanidade esteja aberta para aplicar as ações éticas planetárias, caso contrário ela entrará em colapso, amargará a ruína econômica, catástrofe política e social. Deve-se unir todos esforços para achar uma resposta positiva. O primeiro passo é aderir à causa de uma Ética Mundial, só assim a espécie humana compreenderá que deve fazer o bem, porque, “fazer o mal não condiz com a sua realidade universal”. Todos querem viver, mesmo que os povos tenham suas diferenças culturais; a vida sempre será desejada, “a humanidade não deseja sua autodestruição”, ou um extermínio coletivo2.
A segunda crise, que abala a ética ecológica, é a do sistema de trabalho, e para dar início à análise desse campo, faz-se necessário observar a evolução dos meios de produção e dos bens de consumo, cuja tecnologia, vem-se desenvolvendo velozmente, com predomínio dos processos produtivos automatizados3. Num futuro não muito distante, fica a expectativa de como será o perfil desta humanidade. Especialistas informam que a mão-de-obra humana será descartada por completo com o avanço desse sistema moderno de produção; a robotização tomará quase por completo o lugar do trabalho humano manufaturado. A ociosidade humana, cada vez mais crescerá em tal medida que gerará a ruina econômica, o fim do capitalismo. Como o indivíduo irá garantir sua sobrevivência, sem emprego? Teremos que voltar a reviver as formas do trabalho primitivo? São questionamentos que a Ética Mundial nos convida a destrinchar para encontrar saídas.
O documento da Comissão Teológica Internacional, intitulado “Em busca de uma Ética Universal: Novo Olhar sobre a Lei Natural”, em seu artigo 3, enuncia que é necessário iniciar a busca de uma linguagem ética comum que concerne a todos os homens. Esse documento confirma também que a ética cristã corrobora para a identificação da necessidade de construirmos uma ética mundial. Além disso o artigo 6, nos afirma que, “A ética mundial designa o conjunto de valores fundamentais obrigatórios, que formam, depois de séculos, o tesouro da experiência humana. Ela se encontra em todas as grandes tradições religiosas e filosóficas.”4
A terceira e última crise que perturba a ética ecológica da humanidade, segundo o pensamento de Leonardo Boff, trata da crise ecológica, na qual “vivemos sob uma grave ameaça de desequilíbrio ecológico que poderá afetar a Terra como sistema integrador de sistemas”. A espécie humana está causando esse desequilíbrio ecológico, e é o responsável para com o futuro da Terra, este macro-organismo vivo, o qual vem sendo exterminado pelas atividades de exploração em larga escala, tudo isto para satisfazer a insaciável demanda dos inumeráveis mercados de consumo para satisfazer as necessidades humanas básicas, suplementares ou supérfluas do consumo humano. A humanidade tem destruído o equilíbrio do clima, a qualidade da água, a variedade de formas de vidas do solo, os micro-organismos impactados etc.
O equilíbrio dos ecossistemas e biomas da Terra vai sofrer com a destruição de inúmeras espécies vivas e devastação de espaços da natureza. Todos são corresponsáveis pela gravidade desse problema, a interrupção da continuidade dessa aventura terrenal e cósmica, depende de decisões de âmbito coletivo, mudanças de hábitos danosos ao equilibro ecológico para promover a recuperação da saúde ambiental da Terra e garantir as condições benéficas à sobrevivência humana.
Notas 1) BOFF, Leonardo. Ethos Mundial. Editora Record, Rio de Janeiro — São Paulo, 2009. p. 13,14. 2) KÜNG, Hans. Projeto de Ética Mundial. Paulinas, São Paulo, 4ª ed. 2003. p.7 e 54-56. 3) BOFF, Leonardo. Ethos Mundial. Editora Record, Rio de Janeiro – São Paulo, 2009. p. 14. 4) COMISSÃO TEOLÓGICA INTERNACIONAL. Em busca de uma Ética Universal: Novo Olhar sobre a lei Natural. Disponível em: http://www.vatican.va/roman_curia/congregations/cfaith/cti_documents/rc_ con_cfaith_doc_ 20090520_legge-naturale_po.html#CAPÍTULO_4:A_LEI_NATURAL_E_A_SOCIED ADE_POLÍTICA
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