Una, Santa, Católica e Apostólica

Para analisar cada uma das quatro notas da Igreja fundada por Jesus Cristo, busquei informações provenientes das Sagradas Escrituras e de alguns documentos dos primeiros Padres do Cristianismo.

Parti desde a Fundação por Jesus sobre os seus doze apóstolos, passando pela sucessão apostólica, pelas pequenas querelas que houve no início das pregações, pelas concepções que foram surgindo com o passar do tempo, até chegar à promulgação do Símbolo Niceno-Constantinopolitano.

Tudo o que foi levantado torna possível a conclusão de que as referidas qualidades da Igreja Católica já haviam sido pensadas por Nosso Senhor desde o momento primeiro dela.

A Igreja, antes de tudo, é apostólica

“E constituiu Doze, para que ficassem com ele, para enviá-los a pregar, e terem autoridade para expulsar demônios. Ele constituiu, pois, os Doze, e impôs a Simão o nome de Pedro; a Tiago, o filho de Zebedeu, e a João, irmão de Tiago, impôs o nome de Boanerges, isto é, filhos do trovão, depois André, Filipe, Bartolomeu, Mateus, Tomé, Tiago, o filho de Alfeu, Tadeu, Simão o zelota, e Judas Iscariot, aquele que o entregou.” Mc 3,14-19. Este é o primeiro escrito, de que se tem noticias, do chamado dos Doze. Começa aí, segundo a Tradição, a História da Igreja no mundo. Ora, Nosso Senhor escolhe doze, dos mais variados tipos (pescadores, publicanos, zelotas), para auxiliar na árdua tarefa de proclamar o Evangelho até os confins da terra (Mt 28,19).

Jesus foi enviado pelo Pai para trazer à luz o conhecimento do Deus Vivo. Ninguém jamais viu a Deus, mas Cristo nos revelou a face Deste (Jo 1,18). Fazendo uso de toda a sua autoridade, Jesus convoca os Doze e, assim como o Pai o enviou, agora Ele envia (Jo 20,21). Desta forma podemos compreender a Igreja como extensão das pregações do Reino realizadas por Jesus Cristo. O Senhor transmitiu o Ensinamento de Deus Criador, os apóstolos por sua vez têm o dever de nos transmitir o que o Filho os deu a conhecer, para que a Palavra atravesse todas as fronteiras, geográficas, raciais, sociais e temporais da nossa realidade.

Também segundo a Tradição o ministério de Cristo durou aproximadamente três anos, desde o seu Batismo, por mãos de João, o Batista, até o dia de Sua Gloriosa Ascensão aos Céus. Foi nesse período que Ele instruiu seus escolhidos, aqueles que durante a Sua vida pública seriam seus colaboradores e, logo após Sua partida, exerceriam seus ministérios com maior vigor. O Mestre anunciou a Boa Nova a todos aqueles que queriam escutar, recitou as bem-aventuranças a centenas de pessoas, realizou milagres a muitos indivíduos. Entretanto, foi aos seus amigos mais próximos que Ele revelou Sua Mensagem plenamente, porque a esses “foi dado conhecer os mistérios do Reino de Deus” (Lc 8,10). Pode-se concluir que Nosso Senhor já os preparava para uma Missão de suma importância: ir e fazer “que todas as Nações se tornem discípulos, batizando-as em nome do Pai, do Filho e do Espírito Santo e ensinando-as a observar tudo quanto vos tenho ensinado”   (Mt 28,19-20).

Cabe também lembrar que o número doze traz consigo certa simbologia. Para o povo hebreu doze é número da perfeição e totalidade. O Povo de Israel era dividido e foi constituído por doze tribos, que tinham como raiz patriarcal os doze filhos de Jacó. Chamando doze apóstolos sugere que Sua Igreja, novo Povo de Deus renovado, também terá os seus “patriarcas”, através deles Cristo quer alcançar a totalidade das Nações. Esses Doze, ainda, se sentarão em tronos onde julgarão as Doze Tribos de Israel no dia do Juízo (Lc 22,30).

 É bem verdade que a Igreja (Comunidade dos Eleitos) não se limita aos apóstolos, muitas outras pessoas a constitui, porém é nos apóstolos que sua organização estrutural se centraliza, nesse sentido a Assembleia dos Escolhidos nasceu apostólica.  Para esses escolhidos, Cristo Jesus confere, além da tarefa de anunciar a Boa Noticia, a Sua própria autoridade: expulsar demônios, curar os doentes, fazer sinais, perdoar os pecados e a competência de celebrar o Memorial de Sua Paixão, Morte e Ressurreição. A Autoridade de Jesus é conferida de tal forma a Seus apóstolos que Ele afirma categoricamente em Lc 10,16: “Quem vos ouve a mim ouve, quem vos despreza a mim despreza, e quem me despreza, despreza Aquele que me enviou” e em Mt 18,18: “tudo o que ligardes na terra será ligado nos céus e tudo o que desligardes na terra será desligado nos céus”.

A Igreja é Santa

Sabemos, graças à carta de São Paulo aos Efésios (quando se dirigia aos esposos), que Jesus Cristo amou de tal forma a sua Igreja que se entregou por ela, a fim de purificá-la com o banho da água e santificá-la pela Palavra, para apresentar a si mesmo a Igreja, gloriosa, sem mancha, sem ruga, ou coisa semelhante, mas santa e irrepreensível (Ef 5,25-27).

Com sua Paixão e Morte Jesus estabeleceu a nova e Eterna Aliança entre Deus e o seu novo povo, a Igreja é através deste sacrifício que Ele dispensa á sua Igreja toda a graça, que deve se estender a toda humanidade pelo Batismo e mediante a mesma Igreja.

Nesse momento crucial, Jesus fora abandonado pela maior parte de seus discípulos, pela maioria dos seus apóstolos. Apesar disso a Igreja estava representada por três figuras: João, o discípulo amado, um dos doze; Maria Madalena, aquela que conheceu a misericórdia do salvador e experimentou a conversão verdadeira; Maria, aquela que gera seu filho na virgindade, é obediente a vontade de Deus, acompanha Cristo até as últimas consequências, portanto é figura perfeita da Igreja. A Igreja, portanto, é, além de Apostólica, Santa, já que o Seu Fundador a santifica com Seu Martírio.

Ressurreição, Ascensão e Missão dos Apóstolos

Depois da Ressurreição, Cristo Jesus apareceu aos seus discípulos mais próximos (Lc 24; Mc 12; Mt 28; Jo 20 e 21) que, após este evento creram e entenderam a mensagem do Mestre e aquilo que ainda estava obscuro foi elucidado; a partir de então a fé da Igreja começa a ganhar sentido novo, único e verdadeiro.

Se antes, os apóstolos eram colaboradores de Jesus na pregação do Evangelho, agora eles passam a ser protagonistas dessa evangelização. Não é mais o momento de olhar atentamente para o céu, é hora de voltar para a planície e prosseguir com o projeto de Jesus (cf. At 1,11). Eles deviam resolver algumas questões por si mesmos, tinham a autoridade para isso, não podiam mais esperar pelas ordens de Cristo que já não se encontrava fisicamente. Uma dessas questões era quem entraria no lugar vago entre os apóstolos – uma decisão precisava ser tomada.

Por iniciativa de Pedro, que tomou a palavra, um sorteio foi feito e a sorte caiu sobre Matias (cf. At 1,15-26), este foi incorporado ao grupo dos doze para exercer a função que o Senhor havia conferido a Judas, mas este abandonara. “Conta-se também que Matias, eleito para entrar no número dos apóstolos, em lugar de Judas, bem como outro, juntamente com ele honrado por igual sufrágio (At 1,23), tinha sido considerado digno do mesmo chamado entre os setenta discípulos (Lc 10,1-16)” (HE 12,3).

 Os apóstolos se colocaram a exercer sua função. Primeiro começaram a evangelizar os judeus no templo e nas sinagogas (cf. At 3,11-26) depois, principalmente com as viagens de Paulo, os gentios começaram a ser aceitos na comunidade cristã. Assim o Evangelho começa a alcançar pessoas de diferentes localidades do Velho Mundo, atingindo várias classes sociais.

A Igreja é Católica

A essa Igreja que se estabelece em diferentes círculos São Paulo apóstolo atribui outra qualidade que se pode encontrar na sua carta aos gálatas, onde diz que na Igreja “Não há Judeu ou Grego, não há homem nem mulher; pois todos vós sois um só em Cristo Jesus” (GL 3,28). Aqui o Apóstolo dos gentios sugere que no seio da Igreja não existe diferença entre os membros, ou seja, a Comunidade possui certa universalidade que integra todos que fazem parte dela. Ora, como fora citado Nosso Senhor ordenou que a Boa Nova fosse pregada a toda criatura, sem nenhuma exceção.

Esta concepção de Paulo irá ganhar força com o passar do tempo até que, entre o final do século I d.C e II d.C, Inácio segundo sucessor de Pedro como bispo de Antioquia define: “ Onde está Jesus Cristo, ai está a Igreja Católica.” termo Católica é de origem grega e quer dizer justamente “ Universal”, termo esse que prevalece na promulgação do símbolo Níceno. Constantinopolitano no fim do século IV d.C.

Os enviados de Jesus, como se pode ver, levaram o Evangelho até os confins da Terra (pelo menos do Mundo conhecido), fundavam as comunidades (igrejas) particulares e quando se retiravam para ir à outras cidades, ou quando sofriam o martírio, deixavam um sucessor, esse último ganhou a denominação de bispo (do grego epíscopo), responsabilizando-se assim pelo pastoreio do rebanho de Cristo. Para exemplificar pode se citar o caso de Tito, instituído bispo de Creta pela imposição das mãos de Paulo (cf. Tt 1,5), ou ainda em At 20,28, onde se diz: “Cuidai de vós mesmos e de todo o rebanho sobre o qual o Espírito vos constituiu bispos para pastorear a Igreja de Deus, que ele adquiriu com o seu próprio sangue”.

O bispo é figura tão importante na Igreja que Santo Inácio diz: “Sem o bispo ninguém faça nada do que diz respeito a Igreja” onde aparece o bispo, ai esteja a multidão”, “sem o bispo não é permitido batizar, nem realizar o

‘Ágape’ ” e “Quem respeita o bispo é respeitado por Deus, que faz algo as ocultas do bispo serve ao diabo”.

Da sucessão apostólica faz memória Eusébio de Cesárea na História Eclesiástica no capitulo quatro do livro terceiro.

Quando a era apostólica terminou, marcada pela morte do último apóstolo, a Igreja continuou graças ao ministério episcopal, e a sua sucessão.

No século III o Papa Cornélio (251-253) lista os ministérios eclesiais da seguinte forma, levando em conta cada comunidade particular: “um só bispo, quarenta e seis presbíteros, sete diáconos, quarenta e dois acólitos, cinquenta e dois exorcistas, leitores e porteiros”.

A Igreja é Una

“Um só Senhor, uma só fé, um só batismo. Um só Deus e Pai de todos.” (Ef 4,3-6).

Segundo Paulo de Tarso, como havia um único Deus e um único Senhor, assim deveria existir uma única Igreja, e que os membros dessa Igreja possuíssem uma única Fé e, por conseguinte, uma única doutrina.

Ao afirmar isso o Apóstolo se harmoniza a vontade de Jesus, que em Jo 17,20-21 afirma: “Não rogo apenas por eles, mas a também por aqueles que por sua palavra hão de crer em mim. Para que todos sejam um, assim como tu, Pai, estás em mim e eu em ti, para que eles também estejam em nós e o creia que tu me enviaste”.

A unidade da Igreja é de suma importância, para que a mensagem de Cristo continue a ser transmitida tal como foi por Ele proclamada. A divisão é tão grave que São Paulo sugere que a Igreja afaste-se dos que causam divisão (cf. Rm 16,17) e que esses deveriam ser execrados do seio da comunidade (cf. Gl 1,79). Nos períodos prós- apostólicos também é citada essa importância, seguem alguns exemplos: Clemente Romano aos Coríntios em sua primeira carta aos coríntios atesta sobre os malefícios da discórdia no capítulo 3 e convida a unidade no capitulo 46 e Inácio de Antioquia exorta o povo à unidade em pelo menos quatro oportunidades: aos magnésios, capítulos 1 e 12 e aos efésios, capítulo 3 e 11.

Porém, tanto no período apostólico como no período seguinte houve tensões, rachas e correntes teológicas contrárias. Em alguns casos as questões puderam ser resolvidas em concílios, como é o caso do Concilio de Jerusalém em At 15, em outros a unidade da Igreja foi abalada como no caso da questão ariana, já em período de liberdade religiosa, que fizeram surgir daí algumas igrejas dissidentes. A propósito foi principalmente devido a questão ariana que o primeiro concílio ecumênico da História foi convocado por Constantino.

Una, Santa, Católica e Apostólica

Depois de analisar todos os pontos contidos neste artigo, levando-se em conta todas as citações, pode-se concluir que a Igreja pensada por Nosso Senhor Jesus Cristo e fundada por Ele já possui em sua germe as quatro qualidades que no século IV seriam definitivamente proclamadas pelo Concilio de Nicéia e Constantinopla, culminando em uma das partes integrantes do Símbolo de Fé dos dois concílios: a Igreja é “Una, Santa, Católica e Apostólica”[11]. Una, pois só deve existir um rebanho para um único Pastor; Santa, porque o próprio Cristo a santifica com o seu amor; Católica porque Jesus não fez distinção de pessoas e veio salvar toda criatura; por fim é Apostólica já que em toda Sua autoridade e Liberdade o Senhor a constituiu sobre seus doze escolhidos.

E essa mesma Igreja durará até a consumação dos séculos quando, por ocasião da Segunda vinda de Cristo, Ela será assunta aos céus e desposada por seu Noivo se rejubilará eternamente na Jerusalém Celeste que Ela mesma pré-figura (Ap 21).

Referências
BIBLIA DE JERUSALÉM, São Paulo: Paulus, 2006.
CESARÉIA, Eusébio de, História Eclesiástica, São Paulo: Paulus, 2008.
PADRES APOSTÓLICOS, São Paulo: Paulus, 2013.
PIERRARD, Pierre, História da Igreja, São Paulo: Paulinas, 1982.
PIERINI, Franco, A Idade Antiga-Curso de História da Igreja I, São Paulo: Paulus, 2004.
BATTISTINI, Fr., A Igreja do Deus Vivo. Coluna e Fundamento da Verdade-Curso bíblico popular sobre a verdadeira Igreja, Magé: Vozes, 1987.
DENZINGER, Hunermann, Compêndio dos Símbolos Definições e Declarações de Fé e Moral, São Paulo: Paulinas; Loyola, 2007

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