Doutoras da Igreja (Pt 4)

Santa Teresinha do Menino Jesus, ou Teresa do Menino Jesus e da Sagrada Face, é uma criatura de tanta santidade e simpatia, que se corre o risco de, embevecidos por um tal encantamento, deixarmos de render tributo a Jesus, aquele que foi objeto de seu amor! Isso contudo, não vai acontecer, pois ao louvarmos a criatura nosso preito de homenagem a Jesus deve ser redobrado, pois sem Ele não haveria Santa Teresinha, que poderia ser uma jovem correta e até santa, mas não com a intensidade nela registrada.

Menina à frente de seu tempo

Poucos santos tiveram na Igreja do Século XX a influência dessa jovem carmelita contemplativa, membro de um Carmelo Teresiano da França. Ela viveu sua vida religiosa na clausura de um Carmelo e, no entanto, foi declarada Padroeira das Missões, porque soube unir a espiritualidade contemplativa à dimensão apostólica. Ao mesmo tempo, transmitiu sua experiência evangélica numa linguagem simples e vital, capaz de ser compreendida e assimilada pelos que creem, em todos os povos e culturas. Seu ensinamento não perde atualidade e orienta muitos cristãos. Por isso, mais de trinta conferências episcopais e milhares de cristãos pediram que ela fosse declarada Doutora da Igreja.

Teresa de Lisiex adiantou-se ao Concílio Vaticano II no retorno ao Evangelho e à Palavra de Deus, ao Jesus da história e a seu mistério pascal de morte e ressurreição. Ela enfatizou a prioridade do amor a Igreja, Corpo de Cristo. Deu testemunho de espiritualidade da vida comum e do chamado universal à santidade.

A experiência e a doutrina da mulher Teresa de Lisiex adquirem valor especial em nossa época, quando vão abrindo novas perspectivas de presença e de ação femininas na sociedade e na Igreja. A mulher é chamada a ser “um sinal da ternura de Deus pelo gênero humano” (Vita Consecrata, 57) e enriquecer a humanidade com se gênio feminino. Teresa realizou tudo isso em sua vida e em seus escritos.

A leitura de suas obras, feita no contexto social e eclesial de nosso tempo e a partir de nossa própria cultura, pode ajudar os cristãos a centrar-se no essencial da mensagem evangélica, ou seja, na abertura confiante a Deus, Pai amoroso que nos ama e compreende; no seguimento de Jesus, nosso irmão, presente e próximo, caminho, verdade e vida, na docilidade ao Espírito Santo, que guia a história e nossa pequena história pessoal. Tudo isso na aceitação da pobreza e debilidade humanas, na certeza de que nada nem ninguém nos pode separar do amor de Deus em Cristo Jesus (Cf Rm 8,37-39).

A missão de Teresa de Lisiex foi a de nos recordar o essencial da mensagem cristã: que: Deus é amor e se entrega gratuitamente aos evangelicamente pobres; que a santidade não é fruto de nossos esforços, mas da ação divina, que só nos pede um abandono amoroso a sua graça salvífica.

O Frei Camilo Maccise (OCD) escreve sobre ela: “Esperamos que a simplicidade, a confiança e o abandono em Deus, experimentados e proclamados em Teresa de Lisiex, ajudem a todos a viver, como ela, a abertura confiante ao Pai e o amor concreto aos irmãos.”

Menina, Doutora da Igreja

Quando o, então, Papa João Paulo II proclamou Santa Teresinha Doutora da Igreja, ele a chamou de “Doutora da ciência do amor”. Na verdade, ao longo de toda a sua vida – vinte e quatro anos, apenas – ela não fez outra coisa senão viver o amor e ensinar os caminhos do amor.

Com uma frase que se pode considerar o seu “cartão de visitas”. ela costumava dizer: “Na Igreja, minha mãe, eu serei o amor. E assim serei tudo”. Essa mensagem ajuda-nos a compreender que a grandeza e a importância do ser humano não consistem nas suas realizações, no que ele faz, mas sim no porquê as faz e como as faz. Teresinha não estudou filosofia, nem psicologia, não cursou as maiores e mais conceituadas faculdades teológicas da França, e nem, sequer, leu a Sagrada Escritura por inteiro, pois era proibido às monjas, naquela época. Como menina de Deus, ela sentou-se aos pés de Jesus Mestre e Dele aprendeu as sublimes lições do amor oblativo e gratuito. Decorridos mais de 120 anos de sua morte, ela continua a ser fermento missionário na Igreja e modelo para uma juventude comprometida com transformar a monotonia da vida em entusiasmo cotidiano.

Vida

Teresinha de Lisiex, nasce em 2 de Janeiro de 1873, batizada com o nome de Marie Françoise Thérèse Martin. Quinta filha do casal Louis Martim, relojoeiro e joalheiro, que quis ser monge na ordem de São Bernardo de Claraval, e Zélie Guérin, famosa bordadeira do ponto de Alençon. sua mãe falece quando ela está com apenas 4 anos de idade. Em 13 de Maio de 1883, severamente adoentada e acamada, tem a visão da Virgem Maria a lhe sorrir, cura-se rapidamente. No Natal de 1886, após a Missa do Galo, acontece a graça da conversão em sua casa, Buissonnets.

Entre novembro e dezembro de 1887, emprega uma peregrinação à Roma. Sua intenção é pedir permissão para ingressar no Carmelo, diretamente ao Papa Leão XIII, pois o cônego Delatroëtte, superior do Carmelo, opõe um veto categórico, embora o bispo de Bayex seja favorável.

A romaria do grupo de peregrinos franceses, culmina com uma audiência papal no Vaticano. Apesar do rígido protocolo proibir dirigir a palavra a Leão XIII, mas apenas desfilar diante dele, em procissão, para receber a bênção; no entanto, quando chega a vez da menina Teresa, com apenas 14 anos, para espanto geral, em vez de beijar a mão do Papa, Teresa pede-lhe, entre lágrimas, a permissão para entrar no Carmelo. A resposta do Papa é protocolar: “Vamos ver… Vamos ver… Você entrará se quiser o bom Deus”. Ela é retirada pela guarda papal. Certamente “o bom Deus” quis, pois os fatos, desse momento em diante, sofrem uma aceleração inesperada, e no dia 9 de abril de 1888, Teresa entra para o Carmelo de Lisiex, recebe o nome de Teresa do Menino Jesus e da Sagrada Face. Permanecerá, no convento, até o dia 30 de Setembro de 1897, dia de sua morte. Celebra-se sua memória no dia 01 de Outubro, pois em 30 de Setembro, celebra-se o dia de São Jerônimo, importante doutor da Igreja, pois traduziu as Sagradas Escrituras de suas línguas originais para o latim, a chamada Vulgata.

Ela é beatificada por Pio XI, no dia 29 de abril de 1923. O papa faz dela “a estrela de seu pontificado”. o Carmelo de Lisiex recebe de oitocentas a mil cartas por dia.

Em 17 de Maio de 1925, é, solenemente, canonizada na Basílica de São Pedro. Na homilia de Pio XI estão presentes sessenta mil pessoas. À noite, chegam à Praça São Pedro, quinhentas mil pessoas.

Ela é proclamada, ao lado de São Francisco Xavier, patrona principal de todos os missionários, homens, mulheres, e das missões existentes no mundo inteiro. Este evento ocorre em 14 de Dezembro de 1927, pelo Papa Pio XI.

Ao lado de Santa Joana d’Arc é nomeada, em 1944, pelo Papa Pio XII, padroeira secundária da França. São João Paulo II, a proclama Doutora da Igreja, em 19 de Outubro de 1997.

História de uma alma

Teresinha tinha muitos dotes intelectuais e artísticos. As testemunhas contam que ela não tinha muita prática com a lide concreta da vida; na casa paterna, fora mimada e tivera Vitória, uma criada a seu serviço. Enfim, era uma senhorita, que podia dar-se ao luxo de ter tudo à sua disposição sem nenhum esforço.

Foi o desejo de santidade que transformou a vida de Teresa do Menino Jesus. Na trajetória humana e espiritual de Teresinha encontramos o momento de sua conversão radical, quando saiu de sua meninice e infantilidade para entrar na espiritualidade da “infância evangélica”. É a presença de Deus e a palavra de Jesus que exigem de nós que, se quisermos entrar no Reino dos Céus, nos tornemos criança.

Teresinha não escreveu a história de sua alma por iniciativa própria, mas em obediência, talvez, a um capricho de suas irmãs. Elas não queriam que as recordações da família Martin se perdessem, e Teresinha, a caçula dotada de boa memória, seria a mais indicada para prestar esse serviço. Sua irmã mais velha, Inês, então priora e madre do Carmelo de Lisiex, não hesitou em ordenar a Teresinha que escrevesse as memórias da família. E ela, sempre disponível à obediência, iniciou o trabalho tentando contar, com deliciosa simbologia, a história primaveril de uma florzinha branca, que era ela mesma.

Mensagem

Os pensamentos de Santa Teresinha dever ser lidos com muita atenção e amor. Como diziam os Padres da Igreja, eles precisam ser “ruminados, mastigados”, a fim de serem assimilados e transformados em alimento substancioso.

É uma leitura meditativa, que pode ser feita em todos os momentos e nos retalhos de tempo que a corrida do mundo de hoje nos impõe.

Não somos mais capazes de encontrar tempo para otium contemplatium – ócio contemplativo –, pois somos como que consumidos pela angústia da pressa cada vez mais apressada, na luta pela sobrevivência no mundo da tecnologia que tenta nos devorar.

A mística requer sempre silêncio, solidão, interiorização. Pede que se entre em si e se permaneça silenciosamente no amor de Deus, que, sendo amor, exige amor.

Fazer, para os místicos, é não-agitação, é paz, é tranquilidade. Os místicos contentam-se com tudo e vivem a experiência da espiritualidade de São Paulo: Assim, já não sou eu quem vive, mas Cristo vive em mim. A vida que agora vivo no corpo, vivo-a pela fé no filho de Deus, que me amou e se entregou por mim. (Gl 2,20).

A espiritualidade de Santa Teresinha, pode ser esquematizada conforme a seguir:

  • Um amor apaixonado a Deus, especialmente na pessoa de Jesus, revelação do amor do Pai por obra do Espírito Santo. Teresinha fala muito de Jesus, numa linguagem tão familiar e apaixonante, que contagia a todos. Teresinha não era teóloga, era teófila, amiga e apaixonada por Jesus. É o relacionamento interpessoal que instaura, entre duas pessoas, o mistério da entrega e da amizade e o mistério da entrega recíproca.
  • A amizade se faz oração. Em nenhum lugar Teresinha define a oração, no sentido que se entende por definição. Num estilo narrativo, ela explica a sua maneira de rezar, de dialogar com Deus, abrindo o coração ao Amor infinito que, como o Sol, desgela a alma humana. É curioso e interessante notar que a Igreja, para definir o que é a oração, recorre, na quarta parte do Catecismo da Igreja Católica (Cat) a Santa Teresinha. “Para mim, a oração é um impulso do coração, é um simples olhar lançado ao Céu, um grito de reconhecimento e amor no meio da provação ou no meio da alegria.” (Cat 2558). Na escola teresiana e no carmelo, a oração sempre foi considerada o amor que canaliza para Deus toda a afetividade. Por isso, quando se ama, é extremamente fácil rezar, realização dos nossos sentimentos.
  • O caráter missionário de Santa Teresinha surge desse amor, que torna possível sua presença mística e misteriosa em todos os lugares: “Gostaria de fincar a cruz de Cristo nos cinco continentes.” O novo jeito de ser missionário, que surge desde Santa Teresinha e que todos podem realizar a partir do próprio lugar teológico e pastoral, “é a oração e o sacrifício”.
  • A evangelização do coração é, quem sabe, a maior descoberta da espiritualidade contemporânea. Teresinha sabe que se tirarmos o amor tudo desmorona, como um castelo de areia. A vida sem oração é como combater contra moinhos ao vento e viver a ilusão de estar fazendo grandes coisas. A vida contemplativa, especialmente a carmelita, tem na Igreja a missão de relembrar que a santidade é crer que Deus age à medida que nós o amamos, que o caráter missionário da adoração não pode ser esquecido por ninguém. “Em vão trabalha o trabalhador se o Senhor não construir” (cf Sl 127).
  • A mariologia de Santa não é pesquisa, doutrina e aprofundamento dos dogmas, mas é contemplação, através dos olhos do amor, daquela que foi escolhida para ser mãe de Jesus e nossa. Numa longa poesia, “Porque te amo, Maria!”, Teresinha desenvolve sua mariologia percorrendo os textos bíblicos com uma leveza interior e um realismo poético impressionantes.

Infância espiritual

Teresinha, mística e teóloga da teologia do desejo e do amor, oferece uma nova visão da santidade. Ela mesma afirma que deseja “ser santa e uma grande santa.” No entanto, por causa de sua pequenez, não podia percorrer o caminho da penitência e da ascese. Por isso, ela indicaria a todos um caminho novo, reto e breve, que seria conhecido como caminho de Santa Teresinha.

Achávamos que a tecnologia devolveria a simplicidade às pessoas, mas na verdade isso não aconteceu. Quanto mais tecnologia temos, mais complicados nos tornamos. O caminho da simplicidade é nos despojamentos de tudo e voltarmos a ter gosto de beber um copo d’água que jorra de uma nascente ou de contemplar uma margarida ou uma pequena violeta perdida num prado verdejante ou ainda de levantar os olhos para o céu e deliciar-se com o brilho das estrelas.

Os textos de Santa Terezinha são uma ajuda fraterna a acreditar que Deus nos ama não por causa da nossa cultura ou do nosso poder aquisitivo, mas sim por amor que arde em nosso coração.

Ou voltamos a ser místicos ou viveremos correndo o risco de sermos devorados pelos deuses novos do prazer, do poder e do ter, que tanto nos seduzem, destruindo a harmonia interior do nosso coração.

Na escola de Santa Teresinha, aprendemos esse novo caminho, que é o caminho trilhado por Jesus e ensinado por Ele:

“Naquele tempo, respondendo Jesus, disse: Graças te dou, ó Pai, Senhor do céu e da terra, que ocultaste estas coisas aos sábios e entendidos, e as revelaste aos pequeninos.”

Mt 11,25
Referências
RUTT, Elena Buia. Teresa de Lisieux – A menina que implorou ao Papa. In. Mulheres à frente do seu tempo. São Paulo: Paulus, 2017.
STÖKLER, Monika-Maria. Teresa de Lisiex – Aventura do Amor – Biografia de Santa Teresinha. São Paulo: Musa Editora, 2003.
TERESA DO MENINO JESUS E DA SAGRADA FACE. Obras completas (textos e últimas palavras). São Paulo: Loyola, 2ª Ed. 1997.
TERESA DO MENINO JESUS, Santa. Não morro…entro na vida: últimos colóquios. São Paulo: Paulus, 1981.
TERESINHA DO MENINO JESUS, Santa. O Caminho das pequenas coisas. São Paulo: Cidade Nova: Carmelo Descalço do Brasil. 4. Ed. 1986.

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