Doutoras da Igreja (Pt 1)

Queremos tratar nesta série de artigos sobre as doutoras da Igreja, numa tentativa de resgatar a importância dessas santas mulheres que influenciaram, e, ainda hoje, influenciam não só cristãos e cristãs, mas fiéis de outras denominações religiosas, que estudam seus escritos e suas vidas.

“As mulheres não podem ser servas de nosso clericalismo”. Foi o que o Papa Francisco declarou novamente, desta vez em sua viagem à Colômbia. (6 a 11 de Setembro de 2017)1.

Assim, também, deixamos uma homenagem a essas mulheres notáveis que sempre viveram à frente de seu tempo. Por certo existem outras tantas santas que, sem dúvida, merecem ser reconhecidas e lembradas. No entanto, selecionamos essas quatro pelo legado que deixaram e por serem declaradas doutoras da Igreja. São elas:

Santa Hildegard von Bingen
Santa Catarina de Sena
Santa Teresa D’Avila, ou de Jesus
Santa Terezinha de Liseux

Pela extensão dos artigos, vamos publicá-los em partes. Nesta primeira parte, vamos tratar de Santa Hildegard von Bingen. Nos próximos artigos falaremos das outras três doutoras.

Queremos tratar nesta série de artigos sobre as doutoras da Igreja, numa tentativa de resgatar a importância dessas santas mulheres que influenciaram, e, ainda hoje, influenciam não só cristãos e cristãs, mas fiéis de outras denominações religiosas, que estudam seus escritos e suas vidas.

Hildegard von Bingen

Santa Hildegard von Bingen (1098-1179)

A primeira doutora da Igreja que vamos tratar é de Santa Hildegard Von Bingen (1098-1179). Embora ela tenha sido declarada como Doutora apenas em 07 de outubro de 2012, pelo Papa Bento XVI, ela é a mais “velha” entre as doutoras.

Dotada de um carisma excepcional, a envergadura de sua obra vai desde a descrição de plantas e minerais, incluindo medicina, composições musicais, e atinge a mais elevada teologia e contemplação mística. Sua vida foi a composição de uma verdadeira “sinfonia divina”.

Escrever sobre Hildegard é um enorme desafio, pois diante de sua monumental obra é sempre pouco o que se tem a dizer dela.

A alemã Hildegard Von Bingen (1098-1179) foi monja beneditina, mística, teóloga, escritora, conhecedora da farmácia e da botânica, cosmóloga, compositora e manteve uma relação epistolar com papas, bispos, reis e imperadores. E, se ela tivesse que reprovar alguma ideia ou atitude deles, o fazia sem reparos, o que provocou a inveja e a ira de muitos deles, chegando a pedirem exemplar punição à santa.

Nasce uma Menina Predestinada

Num agradável dia do verão de 1098 nascia no castelo de Böckekheim, na região do Reno, o décimo filho do casal Hildebert e Matilde de Bermersheim. Era uma encantadora menina, batizada com o nome de Hildegard. Apesar da frágil saúde, dava ela – desde os primeiros anos de existência – mostras de aguda inteligência e inclinação religiosa.

A Providência quis ainda muito cedo atrair para Si esta angélica criança, que já aos três anos de idade era favorecida com luzes e revelações celestes. Pensando que todos recebiam igual sorte de favores, comentava entusiasmada a beleza do que via, causando estupor e maravilhamento nos que a ouviam.

Ainda criança e já tendo visões

Certo dia, caminhando com sua aia pelas redondezas do castelo, exclamou radiante: “Veja aquele bezerrinho, como é bonito! Todo branco, tem manchas apenas na cabeça e nas patas. Ah! tem uma também no lombo!” A criada, olhando para os lados e nada vendo, perguntou-lhe onde estava o bezerro. Sem compreender como ela não via o animalzinho, a menina apontou uma grande vaca e disse incisiva: “Está ali! Está ali!” Perplexa, a mulher pensou estar ouvindo mais uma fantasia infantil e, em tom de gracejo, contou o sucedido à mãe de Hildegard. Entretanto, algum tempo depois nasceu um bezerro, e ninguém mais riu: possuía exatamente o aspecto predito pela menina!2

Desde tenra idade Hildegard frequenta o Mosteiro Beneditino, onde a abadessa Jutta de Sponheim, vendo as incríveis qualidades da menina, vai preparando-a para assumir o seu posto, ensinando a ler as Sagradas Escrituras em latim, especialmente os Salmos. Ensina, também, os segredos da medicina, música e outras artes. Quando do falecimento de Jutta em 1136, Hildegard assume naturalmente seu posto.

Sofrendo ameaças

Quase é punida pelos preconceituosos da época, quando começa a escrever suas visões. Recorre a São Bernardo de Claraval, figura muito influente neste período. Quando este lê seus escritos, logo reconhece a mão de Deus agindo nela. Rapidamente esses escritos, denominados Scivias, chegam às mãos do Papa Eugênio III, que imediatamente reconhece o valor da obra, ainda inacabada. Ele mesmo lê um trecho aos bispos reunidos, que ficam perplexos. Eugênio III incentiva-a, através de uma carta, a continuar a escrever. Era o inverno de 1147/48.

Quando está com quarenta e dois anos, começa a ter visões. Essas visões diferem da de outros santos, pois ele mesma as descreve, não dando margem para interpretações como normalmente ocorre, vejamos o que ela mesma diz sobre isso:

Mas as visões que tive não as percebi em sonhos, ou no sono, ou em delírio, ou pelos olhos do corpo, ou pelos ouvidos do exterior, ou em lugares ocultos; recebi-as, pois, estando desperta e enxergando com a mente pura e com olhos e ouvidos do ser interior, em lugares abertos, conforme Deus o queria. Como isso poderia ser é difícil para a carne mortal compreender.

Hildegard, Scivias, 2015. p96

Santa Hildegard funda três mosteiros após muito sacrifício e luta, pois fora impedida por seus superiores, que não permitiam um mosteiro exclusivamente feminino. Só consegue após recorrer ao bispo. Ali ela compunha peças de teatro e obras musicais e cuidava da saúde das moradoras. Não confiava no rio da região e prescrevia que as pessoas bebessem cerveja. Para se comunicar em código dentro do mosteiro, criou seu próprio idioma, que ela chamou de Língua Ignota (latim para “língua desconhecida”). Porém com a invasão e saque dos Bárbaros aos mosteiros, só restou o de Bingen, que foi o último a ser fundado por ela, de onde puderam ser recolhidos seus escritos e testemunhos deixados por suas irmãs.

Teor de seus ensinamentos

Numa linguagem isenta de qualquer pretensão literária e repleta do colorido próprio à sua época, Santa Hildegard fala a respeito da relação entre Deus e os homens, da Criação e do Juízo Final, e insiste sobre o papel da Igreja na história da salvação. Seu coração filial transborda em exaltações à Santíssima Trindade, não exclui vigorosas denúncias aos erros morais da humanidade e fala da importância dos sacramentos na santificação das almas.

Para ela, o Universo criado é um espelho admirável das realidades espirituais e divinas: “Deus, que fez todas as coisas por um ato de sua vontade e as criou para tornar conhecido e honrado o seu nome, não se contenta em mostrar através do mundo apenas o que é visível e temporal, mas manifesta nele aquelas realidades que são invisíveis e eternas. Isto é o que me foi revelado”. (Hildegard, Scivias, 2015, p. 140).

Declaração: estas são visões verdadeiras que brotam de Deus

“Eis aqui! no quadragésimo terceiro ano de meu percurso terrestre, quando eu estava observando com grande temor e trêmula atenção a visão celeste, vi um grande esplendor no qual ressoava uma voz do Céu, a dizer-me:

Ó frágil humana, cinza das cinzas, e imundície da imundície! Dize e escreve o que vês e ouves. Contudo, visto que és tímido no falar e simples na exposição, e iletrado no escrever, fala e escreve estas coisas não por uma boca humana e não pela compreensão da invenção humana, e não por exigências da composição humana, mas como as vês e as ouves no alto dos lugares celestes, nas maravilhas de Deus. Explica estas coisas de tal modo que o ouvinte, recebendo as palavras de seu instrutor, possa expô-las naquelas palavras, de acordo com aquela vontade, visão e instrução. Assim, portanto, ó humano, fala estas coisas que vês e ouves. E escreve-as não por ti mesmo ou por qualquer ser humano, mas pela vontade daquele que sabe, vê e dispõe de todas as coisas no segredo de seus mistérios.” (Hildegard, Scivias, 2015, p. 95)

Aos 81 anos, sem dobrar-se ante o peso das fadigas e dos sofrimentos, aquela que nunca recusou socorro aos filhos de Deus entregou sua alma em meio à grande paz e serenidade de seu mosteiro. Era o dia 17 de setembro de 1179. Em pouco tempo, encheu-se de peregrinos o seu túmulo, multiplicaram-se os milagres, cresceu o número de seus admiradores e devotos. Em nossos dias, numerosos países contam com associações dedicadas a estudos de sua medicina natural.


Obras:

Além das gravuras que ilustram suas obras, existem diversos escritos que ela nos legou, conforme a lista abaixo3:

Teológicas e místicas
  • Liber scivias domini;
  • Liber vitae meritorum;
  • Liber divinorum operum.
Ciência natural
  • Liber subtilitatum diversarum naturarum creaturarum, dividido em:
    • Physica (Liber simplices medicinae);
    • Causae et curae (Liber compositae medicinae).
Música e poesia
  • Symphonia armonie celestium revelationum (77 peças);
  • Ordo virtutum (auto sacro musicado);
  • Litterae ignotae;
  • Língua ignota;
Miscelânea
  • Expositiones Evangeliorum;
  • Explanatio Regulae Sancti Benedictini;
  • Explanatio Symboli Sancti Athanasii;
  • Vita Sancti Ruperti;
  • Vita Sancti Disibodi;
  • Solutiones triginta octo quaestionum;
  • Epistolae.

No Brasil a Editora Paulus publicou Scivias, (Scito Vias Domini) – Conhece os Caminhos do Senhor.

Duas curiosidades:
  1. A santa doutora batiza um asteroide, o 898 Hildegard, situado no Cinturão de Asteroides.
  2. É rótulo de cerveja no Rio Grande do Sul.
Notas
1) http://www.vatican.va/content/francesco/pt/travels/2017/outside/documents/papa-francesco-colombia_2017.html
2) http://www.santificaivos.org/index.php/menu-vida-dos-santos/478-santa-hildegarda-de-bingen-medica-dos-corpos-e-das-almas
3) http://www.hildegard-society.org/p/home.html
Referências
HILDEGARD, SANTA. Scivias: (Scito vias Domini): conhece os caminhos do senhor. São Paulo: Paulus, 2015.
https://3d-asteroids.space/asteroids/898-Hildegard
https://www.abade.com.br/produto/hildegard-von-bingen-hopfenweizen
http://dimensaodaescrita.blogspot.com.br/2016/05/a-obra-scivias-de-santa-hildegard-von.html
http://www.ihu.unisinos.br/noticias/514359-hildegard-de-bingen-mistica-medieval-e-santa-doutora-da-igreja
https://santuariodeguadalupe.com.br/voce-conhece-os-36-doutores-da-nossa-igreja.html
http://www.vatican.va/content/francesco/pt/travels/2017/outside/documents/papa-francesco-colombia_2017.html

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